40 anos da primeira conquista: Como os jornais registraram a reta decisiva do Flamengo campeão da Libertadores em 1981
Pegando os recortes dos jornais de 1981, reconstruímos o clima ao redor do Flamengo antes e depois dos jogos decisivos contra o Cobreloa
* Texto publicado originalmente em 21 de novembro de 2019
Dezembro de 1981 está na ponta da língua da torcida do Flamengo. Para chegar lá, porém, o time treinado por Paulo César Carpegiani empreendeu outra campanha histórica em novembro: o seu primeiro título na Copa Libertadores. Não seria fácil erguer o troféu continental. Os rubro-negros enfrentaram uma maratona de jogos, com o calendário cheio também por causa da fase final do Campeonato Carioca. Além disso, pegaram o Cobreloa, um adversário que podia não ter a camisa tão pesada, mas possuía outros recursos para intimidar.
Força ascendente no Chile, o Cobreloa contava com o patrocínio da Codelco, a estatal responsável pela exploração do cobre no país. Havia um nacionalismo ao redor da campanha, inflamado pelo regime de Augusto Pinochet, e o pequeno clube do norte lotaria o Estádio Nacional com a ajuda das demais torcidas. E, a despeito de alguns bons jogadores, os Zorros del Desierto fizeram muito mais fama por sua violência. Os jogos contra o Flamengo seriam lembrados como verdadeiras batalhas, especialmente por aquilo que se viveu em Santiago e no jogo-desempate realizado em Montevidéu.
O Flamengo era superior e jogou melhor que o Cobreloa na somatória das partidas. Contou com um Zico decisivo, um Adílio inspirado, um Raul seguro, um Tita confiante e outros tantos destaques daquele esquadrão. Os rubro-negros fizeram sua parte no Rio de Janeiro e dominaram a partida no Centenario para erguer a taça. Mas também partiram à vingança na pancada, em revide que marcaria o último duelo. O jogo sujo de Mario Soto, o grande “vilão” dessa história aos flamenguistas, seria correspondido de maneira igualmente desleal por Anselmo. Apesar dos méritos com bola rolando, a brutalidade roubou parte dos holofotes.
E a verdade é que o calendário tirou um pouco do peso da Libertadores ao Flamengo. Não houve muito tempo para sentir o gosto da conquista, tanto pelo Carioca que não dava sossego, quanto pelo Mundial que se tornava logo o grande objetivo. De certa maneira, a vitória sobre o Cobreloa serviu de ponte ao mês mágico vivido pelos rubro-negros. Talhou os jogadores a partidas duras e resultou em três taças enfileiradas em pouquíssimo tempo.
Com os 40 anos da conquista e às vésperas de mais uma final continental, relembramos um pouco como foi esse passado – em texto originalmente produzido em 2019. Abaixo, dia a dia, tentamos retratar um pouco das expectativas ao redor da final e do clima nos jogos. Cada data possui um curto resumo, que introduz os recortes das notícias do Jornal do Brasil e do Jornal dos Sports (ambos veículos cariocas) referentes ao que aconteceu naquele dia. Para viajar no tempo:
9 de novembro de 1981
O Flamengo vinha de uma imponderável goleada por 6 a 0 sobre o Botafogo no Campeonato Carioca. Era o grande assunto nos jornais. O problema é que o time não tinha muito tempo para festejar. No dia 11, já encarava o Americano pelo Carioca. Além disso, o Cobreloa provocava o interesse na imprensa, às vésperas de desembarcar no Brasil.
10 de novembro de 1981
O dia em que o Cobreloa chegou ao Rio de Janeiro. Os chilenos nem ficaram no hotel. Durante a noite, foram ao Maracanã assistir ao Flamengo x Americano. Viram um baile dos rubro-negros, com mais um 6 a 1. Adílio e Nunes fizeram dois gols cada, enquanto Zico foi poupado, substituído no intervalo.
11 de novembro de 1981
O Flamengo pegava leve nos treinamentos, em um dia de forte chuvas no Rio de Janeiro. Carpegiani declarava sua confiança após as goleadas recentes. Já o Cobreloa começava a intensificar suas atividades, com um treino na Urca. Adaptar-se ao nível era um desafio aos chilenos.
12 de novembro de 1981
Os dois times ajustavam os detalhes na véspera do primeiro jogo. O Flamengo recebeu as informações do Cobreloa e prometia uma equipe ofensiva, embora não acreditasse em outra goleada. Afinal, os Zorros estariam dispostos a se defender e contavam com uma equipe forte atrás. Os chilenos tomariam cuidados especiais com Zico, Adílio e Júnior. No primeiro treino no Maracanã, os visitantes puderam se deslumbrar com a grandiosidade do estádio.
13 de novembro de 1981
O Flamengo fez o seu dever com a vitória por 2 a 1. Zico se encarregou dos gols. O Galinho tabelou com Adílio para o primeiro e converteu um pênalti sofrido por Lico no segundo. Superior, o Fla criou chances de criar um placar maior no primeiro tempo, mas diminuiu o ritmo no segundo, sentindo o desgaste da maratona. Foi quando Merello descontou ao Cobreloa. Apesar da tensão pela diferença mínima, os rubro-negros seguraram o resultado positivo, que garantia a vantagem do empate no Chile.
14 de novembro de 1981
O Flamengo não tinha descanso. Precisava se preparar a outro clássico pelo Carioca, agora contra o Fluminense. Carpegiani não pouparia. Já Dino Sani prometia tirar proveito do cansaço. No Chile, a imprensa local via com otimismo a atuação do Cobreloa, apesar da derrota. Destacavam a postura do time para reagir no fim e o impacto dos minutos finais sobre o Maracanã, que se silenciou até o apito final.
15 de novembro de 1981
O Flamengo estava mesmo voando. No dia em que comemora sua fundação, o clube eliminou o Fluminense do Carioca. Vitória por 3 a 1, que reforçava o favoritismo dos rubro-negros na campanha. Além disso, os jogadores prometiam repetir o bom futebol também no Chile. Não iriam se acanhar no embate com o Cobreloa em Santiago, mesmo com a vantagem do empate.
16 de novembro de 1981
Em meio a tudo que acontecia, o Flamengo ainda precisou lidar com uma disputa nos tribunais. O clube acionou uma resolução do Conselho Nacional de Desportos para adiar as partidas contra Volta Redonda e Vasco pelo Carioca. O duelo contra o Voltaço era na quarta; o clássico com o Vasco, no domingo. No meio de ambas, a segunda final contra o Cobreloa, em Santiago. Os rubro-negros alegavam que o intervalo mínimo de 66 horas não estava sendo respeitado, sobretudo pela viagem no meio. Os vascaínos ameaçaram até abandonar o Carioca.
17 de novembro de 1981
Um dia mais parado, de preparação a ambas as equipes. O Cobreloa contava vantagem sobre a sua força em Santiago, esperando o apoio da torcida chilena no Estádio Nacional. Já entre os rubro-negros, o destaque era Lico, que vivia uma fase exuberante naquele momento decisivo.
18 de novembro de 1981
Torcer para o Cobreloa era uma questão nacional naquele momento. Por isso mesmo, o clube receberia o reforço das demais torcidas do país nas arquibancadas do Estádio Nacional. A Codelco, dona do clube, também levaria 4 mil de ônibus à capital. O técnico Vicente Cantatore prometia uma postura ofensiva. Já o Flamengo afirmava não temer o ambiente no Chile, visando manter o seu estilo de jogo.
19 de novembro de 1981
O Flamengo desembarcou em Santiago e mantinha atividades leves. O discurso mostrava uma equipe bastante focada, que sustentava a confiança no resultado. Zico apontava que não seria necessário o terceiro jogo em Montevidéu. A imprensa divulgava os prêmios que os atletas ganhariam. E a expectativa era de casa cheia no Estádio Nacional.
20 de novembro de 1981
Apesar do discurso, o segundo jogo esteve longe de guardar a segurança mencionada pelo Flamengo. E não foi apenas na bola que os rubro-negros perderam no Estádio Nacional. Eles também tomaram uma surra dos jogadores chilenos, com a complacência do árbitro. Lico foi quem mais apanhou, com uma lesão séria no olho, enquanto Adílio estava ensanguentado por causa de um corte no supercílio. Mario Soto liderava a pancadaria, usando até pedras, em coleção de erros de arbitragem que prejudicaram o Fla. Já na bola, o triunfo por 1 a 0 nasceu graças a uma cobrança de falta de Merello que desviou em Leandro. Contido na defesa, o time de Carpegiani não fez uma boa apresentação e dependeu de Raul e Mozer, destaques na noite.
21 de novembro de 1981
Flamengo podia jurar o Cobreloa de vingança, mas também precisava se acalmar e jogar bola. Era esse o principal desafio antes do reencontro em Montevidéu, que definiria o título numa segunda-feira. Por terem marcado um gol fora de casa, os chilenos conquistariam a taça caso o empate persistisse na prorrogação – em tempos nos quais não existia disputa por pênaltis na Libertadores. Lico foi vetado pelo departamento médico, mas preferiu seguir com a delegação. E um fotógrafo queria processar Júnior, acusando o lateral de agressão.
22 de novembro de 1981
Na véspera da finalíssima, sobraram provocações. Os jogadores chilenos negavam a violência e ironizavam a qualidade dos brasileiros. Também havia preocupação com a permissividade do árbitro escolhido, conhecido por deixar a bola rolar enquanto o pau comia. O Flamengo preparava o time com alterações e reclamava do estado do gramado em Montevidéu. Ainda assim, Carpegiani não titubeava ao apontar o caminho da vitória. Já os jogadores divergiam quanto à postura, entre responder as pancadas ou resolver apenas na bola.
23 de novembro de 1981
O dia da consagração em Montevidéu. O Flamengo encarou o Cobreloa com sangue nos olhos, e não apenas para construir a vitória por 2 a 0, que garantiu o inédito título da Libertadores.
O desfalque de Lico mexeu em diferentes setores da equipe, com Leandro adiantado ao meio-campo, mas não diminuiu a força dos rubro-negros. Apesar da partida ríspida, o Fla não demoraria a abrir o placar, aos 13 minutos. Contou com a capacidade de Adílio, que avançou e brigou pelo lance, até que Andrade passasse a Zico, que não perdoou. Desta vez, a violência do Cobreloa não passaria impune e Alarcón foi expulso no primeiro tempo. O problema é que Andrade também entrou na pilha e foi para o chuveiro mais cedo por um revide.
Melhor na bola, o Flamengo igualava na firmeza. E o segundo gol parecia questão de tempo na etapa complementar, apesar de certos riscos corridos pelos cariocas. Viria a partir de um contra-ataque, que rendeu uma cobrança de falta aos 39. Zico, mortal, mandou a bola no cantinho. Por fim, os minutos restantes guardaram uma batalha campal, com a vingança do Fla. Carpegiani colocou em campo o atacante Anselmo apenas para acertar Mario Soto. O rubro-negro chegou por trás e deu uma pancada na cabeça do Verdugo, que caiu no gramado. A confusão generalizada se instaurou e a polícia interveio. O árbitro expulsou de Anselmo, Soto e Jiménez. Depois disso, mal a bola rolou. Vitoriosos, os flamenguistas soltavam o grito de campeão.
Curiosamente, a imprensa deu uma atenção bem menor que a necessária ao valor da Libertadores. A menos de um mês do Mundial, já traçavam o duelo contra o Liverpool. Os jogadores mal tiveram tempo de comemorar, sem desfile em carro aberto, já que o Campeonato Carioca também vivia sua fase decisiva. E o debate inescapável era sobre a agressão de Anselmo, com a culpa admitida por Carpegiani.