Mundial de Clubes

O Liverpool sentiu que era imbatível, mas viu o São Paulo conquistar seu terceiro mundial

Foi em um 18 de dezembro de 2005 que o São Paulo entrou em campo no Japão para decidir um Rogério Ceni, de Aloísio e de Mineiro, além do bandeirinha Héctor Vergara, fez o São Paulo derrubar um time que disse, nas palavras do seu capitão, que se sentia imbatível. Foi naquela noite, em Yokohama, que o time do Morumbi conquistava a sua terceira estrela de título mundial para a camisa e era o primeiro brasileiro a conseguir o feito.

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O Liverpool vinha embalado. A conquista da Champions League foi em caráter épico contra o Milan de Kaká, Andrea Pirlo, Clarence Seedorf e Andriy Shevchenko. Depois de estar perdendo por 3 a 0 no primeiro tempo, os Reds se recuperaram com uma atuação monumental do seu capitão, Steven Gerrard, empataram em 15 minutos do segundo tempo. O time ainda viu o goleiro Jerzy Dudek ser decisivo na prorrogação e nos pênaltis até chegar o momento de levantar a taça.

Foi a primeira conquista de Champions League do Liverpool no novo formato, que começou em 1992. A taça do principal torneio europeu não ia para Anfield Road desde 1983/84. Foram 21 anos de espera até que chegou a hora de celebrar novamente. A conquista impulsionou o time, que buscava também o título inglês. Os Reds não conquistavam a liga nacional desde 1989/90 (e só conseguiria conquistar em 2019/20, como contamos aqui).

“Nos sentimos imbatíveis”

O time do Liverpool na final do Mundial de 2005: (em cima) Manuel Reina, Jamie Carragher, Xabi Alonso, Fernando Morientes, Mohamed lamine Sissoko, Sami Hyypi. Embaixo: Luis Garcia, Harry Kewel, Stephen Warnock, Steven Gerrard and Steve Finnan (Koichi Kamoshida/Getty Images/OneFootball)
O time do Liverpool na final do Mundial de 2005: (em cima) Manuel Reina, Jamie Carragher, Xabi Alonso, Fernando Morientes, Mohamed lamine Sissoko, Sami Hyypi. Embaixo: Luis Garcia, Harry Kewel, Stephen Warnock, Steven Gerrard and Steve Finnan (Koichi Kamoshida/Getty Images/OneFootball)

Naquela temporada 2005/06, o campeão europeu brigava com Chelsea e Manchester United pelas primeiras posições da Premier League. Quando partiu para os compromissos no Japão, o Liverpool tinha 31 pontos, contra 43 do Chelsea de José Mourinho e 34 do Manchester United de Alex Ferguson. A disputa pela taça já ficava distante. O destaque do time era a defesa, muito forte, que tinha igualado um recorde na Inglaterra antes mesmo de chegar ao Japão: 10 jogos sem sofrer gols, igualando a marca de 1987/88.

No Mundial, o Liverpool teve o Saprissa como primeiro adversário e jogou com vários reservas. Venceu por 3 a 0, sem muito esforço. Com isso, a defesa do time, liderada por Jamie Carragher e pelo então novo goleiro titular, Pepe Reina, chegou a 11 jogos de invencibilidade, superando a marca do histórico time dos anos 1980. Foi isso que levou Steven Gerrard a dizer o que ele não sabia, mas seria usado como combustível para motivação do adversário na final.

“Nós nos sentimos imbatíveis neste momento”, admitiu Gerrard depois da semifinal. “A equipe está orgulhosa deste recorde. A defesa e o goleiro foram soberbos, todos têm trabalhado duro. Não queremos apenas superar marcas, e sim conquistar troféus”, disse o capitão depois daquele jogo semifinal.

“Acharam que iam passar por cima, sem humildade, sem respeito. Uma Ferrari por cima de nós, um Fusca, uma Brasília”, brinca Aloísio, em entrevista a Bruno Bonsanti, em 2012, no trabalho de conclusão de curso que conta a história dos títulos mundiais dos times de São Paulo. “Não sei se foi uma declaração desrespeitosa”, pondera Cicinho. “Eles estavam em um grande momento e não imaginavam o que tinham pela frente. Achavam que encontrariam um time amedontrado, sem qualidade. Quanto tentaram acordar, a vaca já tinha ido para o brejo”.

“Lógico que mexe com o grupo”, acrescenta Edcarlos. “Chegamos com bastante tempo para nos preparar e eles falaram que não precisavam chegar tão cedo, já se sentiam preparados para o título. Essa situação de falarem que eram imbatíveis soou muito positivo para a gente e entramos com mais força ainda. Você vai jogar contra o cara e ele fala que é imbatível? Pela forma como eles estavam tratando o jogo, deixaram transparecer que já estava ganho. Acho que foi o maior erro deles”.

“Sabemos que nosso time é bem baixo, mas cada um tem que confiar em si mesmo. Eu confio em mim, no Cicinho, no Júnior, no Josué e sei que vamos ganhar”, tinha dito Rogério Ceni antes do jogo, dentro do vestiário, segundo relatou Cicinho. “Ele soube mexer com os brios dos jogadores”, continua o lateral direito. “Isso fez com que tivéssemos a confiança. Todo mundo falando que o Liverpool ia passear, ganhar a final tranquilamente, mas mostramos que os imbatíveis éramos nós”.

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Amoroso, o craque fugaz

Amoroso, uma das estrelas daquele São Paulo, tinha ficado na Europa de 1996 até aquele mês de junho de 2005, quando decidiu aceitar a proposta do São Paulo. Foi inscrito nas semifinais da Libertadores no lugar do lesionado Grafite e foi decisivo contra o River Plate, nos dois jogos. Na final, também marcou um dos gols na vitória derradeira, no Morumbi, que marcaria o tri do São Paulo na Libertadores.

“Eu conhecia a qualidade do Liverpool por já ter jogado contra eles no futebol europeu”, lembra Amoroso. “Eu sabia como enfrentá-los, então a gente se preparou para que esse jogo fosse do jeito que a gente queria”. Amoroso, de fato, tinha enfrentado o Liverpool, mas fazia muito tempo e poucos jogadores restavam daquela equipe.

Foi na fase de grupos da Champions League de 2001, no dia 19 de setembro daquele ano, quando o brasileiro jogava pelo Borussia Dortmund. O time do Liverpool só tinha quatro jogadores daquele confronto de 2001 presentes em 2005: Sami Hyypia, Jamie Carragher e Steven Gerrard, além de John Arne Riise, que no jogo contra o São Paulo entraria no segundo tempo. O técnico também era diferente. Em 2001, o francês Gérard Houllier, que morreu no último dia 14 de dezembro, era o técnico. Em 2005, o treinador era Rafa Benítez.

Amoroso tinha contrato com o São Paulo até o fim daquele ano. Ele expiraria pouco depois da decisão do Mundial. O clube queria esperar a definição do título para procurar o atacante, que se antecipou e assinou um pré-contrato com o FC Tóquio em outubro daquele ano. “Minha intenção era fazer o São Paulo se movimentar para me contratar em definitivo por três anos para eu não sair mais do Brasil”, explica. “Fiquei aguardando de outubro até dezembro para o São Paulo manifestar interesse. Não se manifestaram, ficaram esperando o Mundial para saber em quem poderiam apostar”.

A atitude de Amoroso irritou o São Paulo. As declarações do presidente Marcelo Portugal Gouvêa à Folha de S.Paulo, à época, deixavam claro que o futuro do jogador estava longe do Morumbi. “Se ele quiser ir, que vá. Não assinou o contrato obrigado. Renovamos com Lugano, Cicinho. Fazemos o possível. Isso foi opção dele. Jamais vamos cobrir uma proposta do exterior”, avisou.

O pré-contrato de Amoroso previa uma multa rescisória de U$ 500 mil (R$ 1,1 milhão), mas havia uma exceção para o São Paulo. “Não tinha nenhum valor para o São Paulo se eu permanecesse, nenhuma multa a partir do momento em que o São Paulo se manifestasse”, esclarece. “Eles sempre me tiveram de graça, sem nenhum valor de luvas (premiação dada pelos clubes na hora da contratação). O contrato com o FC Tóquio só teria valor se outro clube quisesse me contratar. Logo depois da Libertadores, pedi para eles renovarem meu contrato. Sabia que se voltasse do Mundial com o título vários clubes europeus bateriam na minha porta.” Ele tinha razão. O FC Tóquio não cumpriu o que tinha prometido e Amoroso acertou para jogar no Milan, da Itália.

Camisas pesadas e jejuns continentais encerrados

O São Paulo vinha de uma conquista que também demorou a acontecer, como o Liverpool. Depois de ser bicampeão da Libertadores em 1992 e 1993, ainda foi vice-campeão em 1994, mas só voltaria a disputar o principal torneio do continente em 2004. Eram outros tempos: por muito tempo, só os campeões brasileiro e da Copa do Brasil jogavam o torneio. O São Paulo não conquistava o Campeonato Brasileiro desde 1986. Depois de se frustrar na semifinal em 2004, caindo para o Once Caldas, o São Paulo percorreu todo o caminho em 2005, ao bater o Athletico Paranaense na final.

O Mundial era especial para o São Paulo. Havia cantos na torcida sobre as conquistas em 1992 e 1993, e o fato de terem sido vencidas contra times históricos do Barcelona e do Milan só reforçavam isso. Em 2005, porém, era uma situação diferente. O futebol europeu se distanciou do sul-americano ao longo dos anos, criando um abismo financeiro que se agravaria ainda mais nos anos seguintes.

O São Paulo, porém, deu sorte. O Milan que enfrentou o Liverpool era o time mais forte da Europa naquele momento, mais estrelado e que era ainda mais perigoso. O time do Morumbi não tinha nada com isso, claro. Só é possível jogar contra quem está na sua frente como adversário.

O Liverpool de 2005 não era o melhor time da Europa, mas era um dos maiores da Inglaterra e do continente. Podia não ser tecnicamente o melhor, mas trazia uma camisa pesada. Algo, aliás, que valia também para o outro lado. O São Paulo não era tão forte como em 1992 e 1993, nem tinha um time de tantos craques como naquela época. Ainda assim, trazia o peso da história na camisa. Seria, portanto, o duelo de dois times de muita história.

Três contratados daquela temporada do Liverpool estiveram em campo na final do Mundial de 2005: Momo Sissoko, que veio do Valencia; Peter Crouch, contratado junto ao Southampton; e Pepe Reina, vindo do Villarreal. Os dois primeiros foram titulares, enquanto o último entrou já no segundo tempo. Crouch, aliás, tinha marcado pelo Liverpool contra o Saprissa, na semifinal, com seus 2,03 metros de altura. Era uma arma muito forte, ainda mais contra uma defesa fechada como o do São Paulo.

“Eles tinham um ataque muito alto e eram muito fortes de cabeça”, acrescenta Cicinho. “Sabíamos das jogadas, marcamos as principais deles e poderíamos levar vantagem na velocidade”. A ideia do time brasileiro era mesmo apostar nos contra-ataques, tentando fazer transições rápidas que pudessem chegar a Amoroso, seu principal atacante, capaz de realizar grandes feitos com a bola.

Morte do pai de Benítez e bicho de pelúcia atirado por corinthiano

Foi um dia difícil para o Liverpool. O seu técnico, Rafa Benítez, vivia um drama pessoal: seu pai morreu enquanto o time estava no Japão. Segundo o Liverpool Echo, o espanhol considerou voltar para casa para confortar a família, mas não encontrou um voo e decidiu ficar e honrar o pai com uma vitória sobre o São Paulo – que acabou também não acontecendo. O funeral do seu pai foi justamente no dia do jogo contra o São Paulo.

Houve até um episódio bizarro em Yokohama naquele dia. Rogério Ceni, que fez um dos seus melhores jogos na carreira, viu um torcedor do Corinthians invadir o campo, com um agasalho da torcida organizada Camisa 12, e atirar um boneco de pelúcia do personagem Bambi. O personagem é usado para fazer insultos homofóbicos contra os são-paulinos, os associando ao personagem que é um veado, animal que é usado como referência para homossexuais no Brasil.

“Eu tentei 100 vezes e ainda não consegui acertar de novo

No jogo, o domínio do Liverpool foi bastante claro. O time inglês foi o melhor em campo, mas não conseguia fazer o gol. Com menos de dois minutos, Fernando Morientes cabeceou com perigo um cruzamento de Gerrard e quase marcou 1 a 0. O São Paulo tinha dificuldades para chegar ao ataque. Fabão fez o lançamento para o ataque, na direção de Aloísio, mas a bola foi para o alto, dividindo com Pepe Reina, que levou a melhor, socando para longe.

O São Paulo teria uma boa chance aos 21 minutos. Fabão, mais uma vez, faria a ligação direta ao ataque, na direção de Amoroso. O atacante não conseguiu dominar, mas a bola sobrou para Aloísio, que tocou de volta para o companheiro. Ele girou, fez a finta em Hyypia, e chutou. A bola foi no meio do gol e Reina defendeu com tranquilidade, encaixando a bola. Logo depois, Cicinho tentou um gol por cobertura, de longe, mas errou o alvo.

Aquele era o melhor momento do São Paulo na partida. Amoroso, pela esquerda, fez a jogada partindo para cima da marcação e fazendo o cruzamento para a área, que passou por todo mundo e foi para fora. Logo depois, aos 26 minutos, Fabão fez um lançamento mais curto para Aloísio, que recebeu em uma posição incomum, a intermediária ofensiva. Ele dominou no peito e fez algo diferente do que estava orientado a fazer.

“Eu fazia o pivô para quem vinha de frente para mim, mas na hora que a bola veio vi o Mineiro passando e dei aquela trivela. Eu tentei 100 vezes e ainda não consegui acertar de novo. Foi de Ronaldinho paraguaio. E o Mineiro foi o Romário paraguaio”, brinca.

Aloísio recebeu a bola de Fabão, matou no peito e, em vez de distribuir para quem vinha de trás, ele girou e, de trivela, fez um passe difícil e incrivelmente preciso para Mineiro. Carragher, 1,86 metro, e Sami Hyypia, 1,96 metro, não conseguiram interceptar o passe, que caiu precisamente nos pés do volante do São Paulo, com 1,69. Aloísio fazia um passe para a história, graças à boa finalização de Mineiro. Mas isso foi depois. Aquela história estava longe do fim na partida.

Aloísio: adversário na Libertadores, contratado para o Mundial

Aloísio foi uma surpresa naquela partida. Era um atacante já rodado naquele momento. Depois de começar a carreira no Flamengo, em 1994, jogou por Guarani, Goiás, Saint-Étienne, Paris Saint-Germain, Rubin Kazan e veio emprestado pelo clube russo ao Athletico Paranaense, em 2005. Foi bem no Furacão, fazendo inclusive o gol do time no empate por 1 a 1 contra o São Paulo no Beira-Rio, na final da Libertadores. O estádio do Athletico, a Arena da Baixada, inaugurada em 1999, não tinha a capacidade mínima de 40 mil pessoas para receber o jogo, por isso os paranaenses tiveram que mandar seu jogo em Porto Alegre.

Aloísio só chegou ao São Paulo em novembro de 2005. Não podia jogar pelo Campeonato Brasileiro. Chegou mesmo para o Mundial, mas imaginava-se que ele seria reserva. Christian era o favorito para fazer dupla com Amoroso. Grafite foi para o torneio, mas estava se recuperando da lesão grave que sofreu na Libertadores e não tinha condições plenas.

“Eu não achava que seria titular, porque eles estavam lá há mais tempo. O Autuori falou que o Amoroso já tinha vaga garantida e nós tentaríamos conseguir a outra. Acabei indo bem nos treinos e ele optou por mim. Precisava ir bem no primeiro jogo, senão fodeu”, lembra, com sinceridade. Ele foi bem. No jogo contra o Al-Ittihad, na vitória por 3 a 2, o alagoano teve uma boa atuação e acabou conquistando o seu lugar no time da final.

Aloísio nunca foi um jogador de armação, sempre foi um centroavante mais de finalização e força física. “Ele recebeu a bola no meio-campo, não era a posição dele. Foi muito inteligente porque fez o papel de lançador, de meia-atacante, e o Mineiro fez o papel de atacante”, relata Edcarlos, descrevendo o lance que fez o São Paulo abrir 1 a 0 na final do Mundial de Clubes.

“Foi a maior partida de Rogério na história dele”

O Liverpool continuaria martelando. Aos 31, Luis Garcia recebeu uma bola pelo alto e tocou de cabeça, buscando o canto de Rogério Ceni, mas mandou para fora. Aos 35, Harry Kewell avançou pela ponta esquerda, cruzou, a bola passou por todo mundo e caiu no pé mais talentoso em campo nos Reds: Steven Gerrard. Só que ele finalizou mal, rasteiro, e a bola foi para fora. Aos 38, em uma falta do lado esquerdo do ataque, Gerrard levantou na área para Luis Garcia, que cabeceou com perigo e Rogério Ceni espalmou para fora. O São Paulo foi para o intervalo com a vantagem de 1 a 0.

No começo do segundo tempo, aos seis minutos, Steven Gerrard teve a chance de finalizar em uma falta. Foi esta cobrança que gerou um dos mais icônicos momentos de Rogério Ceni no São Paulo: o chute do camisa 8 e o voo do goleiro para espalmar para fora. Era o começo de uma pressão imensa que viria pela frente.

“Foi a maior partida de Rogério na história dele”, elogia Amoroso. “Nunca mais vi ele ter uma atuação daquela como goleiro. Ele foi muito exigido durante os 90 minutos e acabou colocando a gente em uma situação confortável. A confiança parte do goleiro, e naquele momento ele nos dava total confiança”.

Aos 10 minutos, o São Paulo reclama um pênalti, depois que Danilo tocou para Júnior entrar na área e cair, em disputa com Sissoko. Logo depois, Diego Lugano deu uma entrada violenta em cima de Gerrard, que puxava o contra-ataque pela ala direita. O uruguaio recebeu o cartão amarelo. O capitão do Liverpool ficou no chão reclamando da violência do lance.

Lugano dá entrada dura em Gerrard: ingleses queriam cartão vermelho, árbitro deu amarelo (TOSHIFUMI KITAMURA/AFP via Getty Images/OneFootball)

“Você não teria um árbitro mexicano e um auxiliar canadense em uma final de Copa do Mundo”, dispararia Benítez nos vestiários, depois do jogo. “Eu fiquei desapontado com o árbitro. É inacreditável que ele não tenha dado cartão vermelho naquele lance. Eu também quero saber por que houve apenas três minutos de acréscimo”.

Três gols do Liverpool anulados

Harry Kewell e Xabi Alonso reclamam com a arbitragem (Shaun Botterill/Getty Images/OneFootball)

Um pouco depois, em um cruzamento da esquerda para a área, Luis Garcia, livre, tocou de cabeça de forma inteligente, tirando de Rogério Ceni, e marcou o gol. Imediatamente o assistente marcou impedimento. O replay mostrou que o espanhol estava mesmo impedido. Foi o primeiro lance que gerou reclamação dos ingleses, mas infundada.

O Liverpool seguiu pressionando. Crouch recebeu cruzamento na área e ajeitou de cabeça para Fernando Morientes, que finalizou de bicicleta para fora. Na transmissão da Globo, o narrador Galvão Bueno dizia: “Até quando o São Paulo vai aguentar?”. O gol do Liverpool parecia iminente naquele momento. Parecia impossível que o São Paulo resistisse com tanto tempo de jogo pela frente.

Com 19 minutos no relógio, Luis García recebeu dentro da área, fez a finta dentro da área e finalizou cruzado: Rogério Ceni mais uma vez fez uma grande defesa. “Até quando ele vai segurar o São Paulo ali?”, reforçava Galvão. Se no primeiro tempo o São Paulo ainda ameaçava nos contra-ataques, no segundo o Liverpool era senhor das ações e martelava.

Veio então o lance mais reclamado pelos ingleses. Aos 20 minutos, em cobrança de escanteio, Hyypia estava na segunda trave e completou para o gol, colocando na rede. A arbitragem já tinha apitado com a bola no ar. O bandeira alega que a bola fez a curva por fora e, por isso, o lance foi anulado. É um lance que os ingleses consideram que não é conclusivo e, por isso, ao menos este gol deveria ter sido validado.

Gerrard tentou mais uma vez, com uma finalização aos 24 minutos. Na esquerda, o meia balançou na frente da marcação, abriu espaço e chutou, mas foi no meio do gol e Rogério Ceni defendeu sem dificuldades. O Liverpool continuava chegando ao ataque, mas errava ou no último passe, ou na finalização. Faltava ao time concluir melhor os lances. E o tempo ia passando.

Com o tempo contra si, o Liverpool partiu para cima ainda mais no final do jogo. Aos 43 minutos, a bola foi levantada para a área, Crouch ajeitou para Luis Garcia, que na linha de fundo tocou para o meio. Sinama Pongolle completou para o gol. Mais uma vez, o assistente Hector Vergara marcou impedimento. Por muito pouco, Garcia estava à frente.

Um impedimento muito difícil de ser marcado, que em tempos atuais certamente iria para o VAR. Com o uso da precisão do VAR, seria mais fácil marcar esse impedimento. O assistente marcou e os ingleses reclamaram muito do lance.

https://youtu.be/uZkwQv4U444
Melhores momentos de São Paulo 1×0 Liverpool

“Se é outro bandeirinha fraco tinha dado o gol”

“Se é outro bandeirinha fraco, tinha dado o gol. Ele estava concentrado”, lembra Aloísio. “Tenho que agradecer que ele estava em um dia feliz”, comenta Amoroso. “Ele estava correto em todas as jogadas. Foi o dedo de Deus”, assegura Cicinho.

Anos mais tarde, ao jornal Lance!, o auxiliar afirmou que teve 100% de certeza em todas as decisões e que, se tivesse errado, provavelmente seria o fim da sua carreira em alto nível, porque “é difícil perdoar alguém que vem do Canadá”.

Com pouco tempo para o fim do jogo, o São Paulo se segurava com unhas e dentes na defesa. Aos 47 minutos, Gerrard chutou de fora da área, levou perigo, mas mandou para fora. Pouco depois, em mais um ataque, Luis Garcia recebeu na entrada da área e, de pé esquerdo, finalizou com a bola no alto e mandou torto, para fora. Em seguida, Rogério Ceni cobrou o tiro de meta e o árbitro Benito Archundia levantou os braços ao céu, para onde o torcedor são-paulino foi com o apito final. O São Paulo conquistava o seu tricampeonato mundial.

Steven Gerrard fica com a bola de prata do Mundial de Clubes de 2005, após perder do São Paulo (Shaun Botterill/Getty Images/OneFootball)

Luis Garcia: “Nos sentimos roubados”

“Foi uma das partidas que eu mais defendi na minha vida”, admite Amoroso. “Eu tinha que defender, ajudar o Edcarlos, o Fabão. Não tinha vaidade. Todo mundo estava com um objetivo só. No final todos ficariam marcados na história”, afirmou Amoroso.

Benítez ainda reclamou da postura do São Paulo, muito defensivo especialmente no segundo tempo, ao dizer que “normalmente você não vê um time brasileiro defendendo dessa forma”. O atacante Luis Garcia foi ainda mais longe: “Nos sentimos roubados”. O jornal The Telegraph foi ácido na crítica: “o time que já teve Gérson, Careca, Leonardo, Cafu e Kaká concentrou-se puramente na vitória e não no entretenimento”.

“Meu nome está na história do São Paulo”

Josué, Aloísio (centro) e Amoroso (direita) comemoram o título do São Paulo (TOSHIFUMI KITAMURA/AFP via Getty Images/OneFootball)

“O que vale é levantar caneco, amigo”, responde o bem-humorado Aloísio. “O Brasil de 1994 (campeão da Copa do Mundo) jogou bonito? Decepcionou a torcida brasileira? Jogou para dar espetáculo? Não jogou.” Cicinho diz que é muito difícil jogar contra um adversário europeu que abusa das jogadas aéreas.

“Era o que a gente tinha em mãos. Sabíamos que depois de fazermos o gol tínhamos que partir para o contra-ataque”, explica. Amoroso usa um discurso mais contemporizador e exalta a estratégia de Paulo Autuori: “Não foi uma crítica. Nossa estratégia sempre foi aquela. Sair na frente, furar a defesa do Liverpool e nos defender. Não adianta jogar bonito, ter 90% de posse de bola e perder o jogo”.

A imprensa internacional destacou o feito do São Paulo. O jornal italiano Gazzetta dello Sport e o francês L’Equipe colocaram a conquista nas suas páginas principais. O jornal argentino Olé lembrou que o clube brasileiro sofreu, mas “foi campeão”, apesar de o Liverpool ter dominado a partida.

“Foi uma experiência única. Meu nome está na história do São Paulo”, comemora Cicinho. “Não pode perder final de Mundial. Seríamos criticados por todo mundo”. Aloísio ainda comentou sobre o quanto isso significou não só para ele, mas para a sua cidade, em Alagoas. “Esse título representou tudo. Minha terra parou para ver aquela final e me ver levar o nome de Atalaia (Alagoas) para o mundo. Um atalaiense campeão mundial”.

Foto de Felipe Lobo

Felipe Lobo

Formado em Comunicação e Multimeios na PUC-SP e Jornalismo pela USP, encontrou no jornalismo a melhor forma de unir duas paixões: futebol e escrever. Acha que é um grande técnico no Football Manager e se apaixonou por futebol italiano (Forza Inter!). Saiu da posição de leitor para trabalhar na Trivela em 2009, onde ficou até 2023.
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