Alegria de uma torcida, orgulho de uma região: o primeiro scudetto do Napoli

O domingo, 10 de maio de 1987, foi um dia histórico na Campânia. Sessenta anos após sua fundação, o Napoli encerrou sua longa espera pelo primeiro scudetto, conquistado de maneira brilhante por uma equipe muito forte, ponteada por um Diego Maradona no auge de sua trajetória. Diante dos tropeços dos rivais, o empate em 1 a 1 com a Fiorentina no San Paolo na penúltima rodada foi suficiente para iniciar uma festa como nunca se vira no sul da Itália. Festa de uma torcida, mas também o grito de vitória de uma região inteira.
Em busca de um Scudetto
Depois de passar as primeiras décadas do Calcio oscilando entre divisões, o Napoli se firmou como um clube de elite do bloco intermediário na Itália em meados dos anos 60. Nessa época, dirigido pelo ítalo-argentino Bruno Pesaola, antigo ídolo do clube, chega em terceiro lugar em 1965/66, quarto na temporada seguinte e logo depois ao vice-campeonato da Serie A (ainda que nove pontos atrás do campeão Milan). Nesse período, brilharam com a camisa napolitana nomes como Dino Zoff, “Totonno” Juliano, o argentino Omar Sivori e os brasileiros Cané e Altafini.
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Nos anos 70, depois de outro bom terceiro lugar em 1970/71, o Napoli viveu grande fase no meio da década, comandado pelo brasileiro Luís Vinícius (ou Vinicio, para os italianos), ex-atacante do clube nos anos 50. Novamente terceiro colocado em 1973/74, brigaria palmo a palmo pelo scudetto com a Juventus na temporada seguinte, com um futebol ofensivo, inspirado no Carrossel Holandês, contrariando a tendência hegemônica do Calcio da época.

Em 1975, o clube quebraria o recorde mundial de transferências pela primeira vez, ao tirar o atacante Giuseppe Savoldi do Bologna por dois bilhões de liras na moeda local. Na temporada 1975/76, pouco depois da saída de Vinícius, conquistaria pela segunda vez a Copa da Itália (a primeira havia sido em 1962, quando o clube ainda disputava a Serie B), chegando às semifinais da Recopa europeia na campanha seguinte, eliminado pelo Anderlecht.
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O último momento de brilho até então viria em 1980/81, no time do técnico Rino Marchesi, que contava com o líbero holandês Ruud Krol, em mais uma briga acirrada pelo título até as rodadas finais, desta vez com Roma e Juventus. Depois de desperdiçar mais uma chance de levantar seu primeiro scudetto, o clube viveria maus bocados em 1982/83 e 1983/84, brigando contra o rebaixamento. Na primeira temporada, chegou a virar o turno na lanterna, salvando-se ao fim graças a uma vitória por 1 a 0 diante do Cesena, na última rodada. Na segunda sofreu menos, mas a degola foi uma ameaça constante ao longo do campeonato. Os partenopei precisavam de uma revolução.
A chegada de Diego
Quando Maradona aportou em Nápoles em agosto de 1984, a expectativa era a de um recomeço no futebol europeu. Foi calorosamente acolhido pelo receptivo povo napolitano, com quem teve identificação imediata: para os habitantes da região tida como uma das mais pobres do país e frequentemente menosprezada pelos ricos e cosmopolitas italianos do norte, havia agora um ídolo vindo de origem tão humilde quanto, nascido e criado nas favelas de Buenos Aires, mas que buscava sua afirmação definitiva.
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O argentino vinha de duas temporadas frustrantes no Barcelona, nas quais pesaram as seguidas lesões, os problemas disciplinares fora de campo e até uma hepatite. Nenhum desses revezes, no entanto, impediu o Napoli de Corrado Ferlaino (presidente por um período quase ininterrupto entre 1969 e 1993) de apostar o valor que quebraria novamente o recorde mundial de transferências – ironicamente estabelecido quando da própria contratação de Diego pelos catalães ao Boca Juniors, em 1982.
Até porque dinheiro não era problema para o futebol italiano daquela época. Liga mais rica do mundo, o Calcio recebia anualmente a maioria das principais estrelas do futebol mundial. Mas outro trunfo jogava a favor de Maradona: a idade. A quase totalidade dos estrangeiros em atividade na Serie A naquele tempo era de jogadores já plenamente estabelecidos em seus países que chegavam ao Eldorado italiano perto dos 30 anos para fazer a independência financeira.

Assim, dos brasileiros de maior destaque, Zico tinha 31 anos, Sócrates, Falcão e Junior tinham 30, Edinho e Cerezo tinham 29 – sem falar em Dirceu (32) e Batista (31), que atuavam e equipes com ambições menores. Dos outros astros internacionais, Passarella tinha 31, os alemães Rummenigge (Inter) e Briegel (Verona) completariam 29 logo no início da temporada. Na dupla da Juventus, Platini tinha 29 anos, um a mais que Boniek. Dos britânicos da Sampdoria, o escocês Graeme Souness tinha 31 e o inglês Trevor Francis, 30. Ao chegar, Maradona tinha 23 e muito chão pela frente.
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O começo, no entanto, não foi um mar de rosas. O Napoli largou mal na temporada 1984/85. Na 13ª rodada, a última antes da pausa de fim de ano, somava apenas duas vitórias (contra os pequenos Como e Cremonese, em casa) e ocupava a primeira posição logo acima da zona de rebaixamento. A reação veio com a virada do ano: nas 17 partidas dali em diante, a equipe perderia apenas para o Milan no San Siro, com oito vitórias e oito empates, pulando para um aceitável oitavo lugar.
Na segunda temporada do argentino, a de 1985/86, o Napoli – agora dirigido por Ottavio Bianchi (jogador do clube nos anos 60 e 70) em lugar de Rino Marchesi – aboletou-se num confortável terceiro lugar a partir do terço final da temporada, distante da briga pelo título entre Juventus e Roma, mas também sem ser incomodado no posto por Fiorentina, Torino, Inter e Milan, que viriam a seguir na classificação. Valeu para ajeitar o elenco e completar a ambientação de Maradona ao Calcio. O plano agora era subir dois degraus no pódio.
Entre aquela temporada e a posterior, Maradona simplesmente arrebentou na Copa do Mundo do México, carregando a Argentina rumo ao título. Jogando solto, marcando gols antológicos e dando passes decisivos, o meia protagonizaria uma das maiores atuações individuais já vistas na história dos Mundiais. E o Napoli sabiamente capitalizaria em cima do auge de seu melhor jogador.
A formação do elenco
Oficialmente “congelado” desde o encerramento do período de contratações da temporada 1984/85 (apenas os clubes recém-promovidos tinham permissão para importar atletas), o mercado italiano apresentaria uma certa retração na de 1986/87 em relação aos anos anteriores. Apenas 26 das 32 vagas de estrangeiros estavam preenchidas, o menor número desde 1982/83, quando passaram a ser permitidos dois por equipe aos 16 clubes da Serie A. E vários dos craques em atividade no país quando da chegada de Maradona já haviam deixado o Calcio ou viviam seus últimos anos no futebol italiano.
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Platini fazia sua temporada de despedida na Juventus (que agora começava a direcionar suas apostas para o jovem dinamarquês Michael Laudrup). O Milan dava uma última chance a sua dupla inglesa Ray Wilkins e Mark Hateley. A “cara nova” da Inter era Passarella, 33 anos, ao lado de um Rummenigge também em seu último ano no país. E outros jogadores de expressão se preparavam para descer de patamar dentro da liga: o irlandês Liam Brady trocava a Inter pela Ascoli, Trevor Francis deixaria a Sampdoria rumo à Atalanta, Junior viveria sua última temporada no Torino antes de seguir para o Pescara.
Maradona, por sua vez, mantinha intacto seu lugar de rei no Napoli – e era também o único estrangeiro do elenco. E para potencializar seu talento, o treinador dos partenopei Ottavio Bianchi foi ao mercado de transferências. Em primeiro lugar, era preciso repor as perdas do jovem lateral Massimo Filardi (revelação da temporada anterior) e do meia Costanzo Celestini, titulares que haviam sofrido lesões graves e seriam desfalques por toda a campanha.

Mas, mais do que isso, ainda havia a intenção de rejuvenescer a equipe. Diante disso, veteranos como o regista Eraldo Pecci, o meia Ruben Buriani e o ponta argentino Daniel Bertoni, todos com 31 anos, foram negociados durante o verão. Os dois primeiros desciam para divisões inferiores ao retornarem a seus clubes de formação, Bologna e SPAL, respectivamente. Já o último tomaria o posto (e a vaga de estrangeiro) do peruano Geronimo Barbadillo na Udinese.
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Os principais reforços baixariam bastante a média de idade do elenco. O primeiro deles já estava no clube: era o promissor lateral Ciro Ferrara, 19 anos ao começo da temporada, que ocuparia o lugar de Filardi. Do Avellino viria o volante Fernando de Napoli, de 22 anos, surpresa da convocação da Azzurra para a Copa do Mundo do México. O também meia Francesco Romano, de 26 anos, revelação do Milan no começo da década, era resgatado da Série B após três temporadas na Triestina. E da mesma Udinese que seria o destino de Bertoni viria em contrapartida o centroavante Andrea Carnevale, 25 anos.
Assim, o time=base daquele Napoli começava com o folclórico goleiro Claudio Garella. Titular em outro scudetto histórico defendendo a meta do Verona dois anos antes, era um arqueiro que alternava milagres com frangos espetaculares. Teve sua cota de ambos na campanha napolitana, mas não chegou a comprometer. Na defesa, pela direita jogava o lateral Giuseppe Bruscolotti, veterano de 35 anos, jogando sua 15ª temporada pelo clube, bom marcador, ainda que limitado no apoio. Pelo meio, havia o stopper Moreno Ferrario, outro há muito tempo no clube (uma década) e mais eficiente do que brilhante.
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Os destaques do setor eram o líbero Alessandro Renica e o lateral-esquerdo Ciro Ferrara, a revelação do campeonato. Renica, trazido da Sampdoria em meados de 1985, mostrava a mesma desenvoltura na marcação e na saída de bola, chegando a fazer algumas partidas como volante. Ferrara, por sua vez, se não era o ala esquerdo essencialmente ofensivo, comumente empregado na posição no Calcio da época, conseguia unir a marcação implacável à qualidade técnica e à visão de jogo.
No meio, havia a dupla de cães de guarda formada por Salvatore Bagni e Fernando De Napoli, o primeiro mais duro no combate e o segundo mais dinâmico e atuando um pouco mais pelo lado direito. Ambos vindos da experiência de ter disputado a Copa do Mundo do México no ano anterior. A criação era providenciada por um Maradona em fase exuberante e pelo bom organizador Francesco Romano.

Essa configuração foi a principal alteração tática proposta por Ottavio Bianchi, suprimindo o tradicional “tornante”, ponta-direita característico do gioco a italiana. A mudança foi levada a cabo já durante a temporada: pouco impressionado com o rendimento do titular da posição, Luigi Caffarelli, o treinador descartou o 4-3-3 e passou a implementar um 4-4-2 (ou 4-2-2-2), com Romano – trazido na janela de outubro – fazendo a função de segundo armador pelo lado esquerdo, auxiliando Maradona.
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Na frente, bem ao estilo tradicional do país, havia uma dupla de goleadores: Andrea Carnevale (vestindo a camisa 7 e flutuando mais pelo ataque) e o experiente Bruno Giordano fazendo o 9 clássico, enfiado entre os zagueiros. Na reserva, outra peça importante do elenco, bastante utilizada ao longo da temporada, era Giuseppe Volpecina, lateral-esquerdo veloz que também podia atuar do lado oposto, e de características mais ofensivas em relação tanto a Bruscolotti quanto a Ferrara. Também participaram com certa frequência da campanha o volante Luciano Sola e o meia-armador Ciro Muro.
A campanha
A estreia dos napolitanos na temporada da Serie A veio contra o recém-promovido Brescia (que contava com o lateral-esquerdo brasileiro Branco) no estádio Mario Rigamonti. Assim como havia feito no México, Maradona foi decisivo, marcando o gol da vitória aos 41 minutos do primeiro tempo, após receber passe de Bagni por elevação, matar no peito, girar sobre o marcador e passar por três adversários antes de chutar cruzado.
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Depois de empates com a Udinese em casa e com o Avellino fora, o Napoli se recuperou com duas vitórias convincentes: 3 a 1 sobre o Torino e 2 a 1 diante da Sampdoria em Gênova. E a empolgação começou a tomar conta do ambiente partenopeo. Ânimo que o empate em 2 a 2 diante da Atalanta no San Paolo logo a seguir, com falha de Garella no segundo gol dos visitantes, tratou de conter. Aos jornais, Maradona tratou de colocar os pés no chão: “Todos falaram em scudetto ao longo da semana, mas ainda não estamos na liderança. Assim, a palavra scudetto é como uma maldição. Acho que não devemos falar mais nela”.
A desvantagem de um ponto para a Juventus logo seria resgatada: enquanto os bianconeri param num empate em 1 a 1 com a Inter em Turim, o Napoli obtém uma grande vitória por 1 a 0 sobre a Roma no Estádio Olímpico. E a liderança segue dividida na rodada seguinte quando a Juve empata fora com o Como e o time de Maradona também empata com a Inter em seus domínios, em jogo que provocou protestos dos partenopei. Carnevale reclamou de um pênalti cometido nele por Ferri. E De Napoli abriu o verbo contra o esquema defensivo do adversário: “O Napoli fora de casa ataca, dita o jogo, vence. Os nerazzurri vêm ao San Paolo armando uma retranca gigante. É indecente”.
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O jogo seguinte, o confronto dos líderes em Turim válido pela nona rodada, seria um bom termômetro para o resto da temporada. E o Napoli se mostrou inteiramente à altura de um grande feito. Dominou o jogo, não se abalou nem mesmo quando a Juventus abriu o placar com Laudrup no início do segundo tempo, virou com dois gols praticamente seguidos de Ferrario e Giordano, fechando a contagem no último minuto com Volpecina. Vitória categórica que valeu a ponta isolada da tabela.
O Napoli manteve sua boa vantagem na frente pelas próximas quatro rodadas, goleando o caçula Empoli por 4 a 0 (em partidaça de Romano, firmando-se como o novo ‘regista’ da equipe), empatando com Verona e Milan e batendo o Como, que vinha fazendo excelente campanha, por 2 a 1 no San Paolo. Porém a série invicta que vinha desde a estreia, cai na visita à Fiorentina, vencedora por 3 a 1 numa partida em que os partenopei reclamaram muito da arbitragem, mas também erraram além da conta, não se encontrando em nenhum momento da partida.
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O resultado colocaria a Inter, que vinha em ascensão enquanto a Juventus definhava aos poucos, como nova líder ao lado do Napoli. Na última rodada do turno, no entanto, uma derrota dos nerazurri diante do Verona e a vitória dos napolitanos por 3 a 0 sobre a Ascoli – em jogo muito mais complicado do que o placar indica – dariam ao time de Maradona o título simbólico de campeão de inverno.
Naturalmente, daí em diante os adversários não deixariam barato. No jogo da abertura do returno, contra o Brescia no San Paolo, Maradona é caçado em campo e sai na metade do segundo tempo, lesionado no tornozelo, com a partida então empatada em um gol. A vitória dos partenopei, porém, vem num pênalti em De Napoli muito contestado pelos jogadores do Brescia.
Na rodada seguinte, mesmo sem estar em plenas condições físicas e sem jogar os 90 minutos, Maradona é fundamental na vitória por 3 a 0 sobre a Udinese no Friuli, marcando dois gols. Com o Napoli em grande fase, o argentino não mede as palavras: “Somos uma maravilhosa realidade”, declara após o jogo. E, de fato, o momento era tão bom que mesmo sem Diego os napolitanos não têm dificuldade para bater o Avellino por 3 a 0 em casa no derby da Campânia na semana seguinte.

Quando volta, no jogo com o Torino fora de casa, Maradona é marcado implacavelmente pelo zagueiro Giacomo Ferri, mas é novamente decisivo: aproveita um cochilo do zagueiro para servir Giordano, autor do gol da vitória a cinco minutos do fim. O resultado, aliado à preciosa vitória da Roma sobre a Inter na capital, faz o Napoli abrir quatro pontos na liderança, num momento crucial do campeonato.
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Em estado de graça, Maradona marca de cabeça o gol que salva os napolitanos no empate em 1 a 1 em casa diante da Sampdoria e comemora o tento de número 200 na carreira. Enquanto isso, a Juventus aproveita a derrota da Inter no clássico diante do Milan e reassume o segundo posto, mas ainda quatro pontos atrás do líder. Na rodada seguinte, contra a Atalanta em Bérgamo, mesmo com Diego anulado por Prandelli (ele mesmo, o futuro técnico da Azzurra), o Napoli mostra ter outros jogadores decisivos: Giordano marca logo aos 12 minutos após cobrança de escanteio e garante o resultado.
Quem esperava por tropeços dos partenopei, porém, começou a ter esperanças nas duas rodadas seguintes. Primeiro, um travado 0 a 0 com a Roma no San Paolo. Depois uma derrota diante da Inter no San Siro por 1 a 0, num jogo em que tudo deu errado para os sulistas: Maradona, em atuação abaixo da crítica, perde dois gols feitos, Zenga fecha o gol interista e, como o castigo final, Bergomi marca num rebote de escanteio o gol da vitória dos nerazzurri a quatro minutos do fim. Próxima parada? Juventus.
Mas a alegria dos eventuais secadores acabou na rodada seguinte, quando o jogo virou completamente. Em mais uma atuação magistral de Romano no meio-campo, o Napoli bate a Juve por 2 a 1 enquanto assiste às derrotas da Roma (para a Udinese fora de casa) e do Milan (para a Sampdoria no San Siro), além do empate sem gols da Inter com o Torino no Comunale. A seis rodadas do fim da competição, os partenopei abrem cinco pontos de vantagem. O scudetto inédito já parece a caminho.

“Parece” porque os napolitanos ainda precisarão passar por algumas provações. Primeiro, o empate sem gols com o Empoli fora de casa, no qual Carnevale tem um gol validado e logo em seguida anulado por impedimento. Depois, uma derrota acachapante diante de um Verona em ascensão: 3 a 0 com todos os gols marcados ainda no primeiro tempo. O Napoli escapa de uma goleada, mas Maradona perde um pênalti, e a imprensa volta a questionar a estabilidade da equipe para a reta final, além de apontar uma suposta dependência excessiva do argentino no rendimento do time.
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Novamente, a resposta viria na rodada seguinte. Os partenopei derrotam o Milan por 2 a 1 em grande partida de Giordano, autor das assistências para os gols de Carnevale e Maradona. Após o jogo, o centroavante não perde a chance de alfinetar: “Derrotamos o Milan e os falastrões”. E o scudetto ficaria ainda mais perto no jogo seguinte – um suado empate em 1 a 1 diante do Como com gol de Carnevale (ajeitando a bola no braço, reclamaram os jogadores do adversário) – graças à derrota da Inter para a Ascoli pelo placar mínimo fora de casa. O Napoli vai para a penúltima rodada, contra a Fiorentina no San Paolo, três pontos à frente dos nerazurri e com quatro de vantagem sobre a Juventus. Uma vitória garante o título, mas mesmo um empate pode valer a volta olímpica, no caso de uma combinação de resultados.
Com a bola rolando, os partenopei abrem o placar aos 29 minutos: Maradona dá um passe longo a Carnevale, que abre no bico da área para Giordano, e este devolve de calcanhar para o camisa 7 tocar rasteiro, por baixo do goleiro Landucci. A Fiorentina, porém, não se entrega e empata com sua revelação da temporada, o meia-atacante Roberto Baggio, em cobrança de falta. A torcida da casa fica apreensiva, mas ainda confia no título – especialmente quando sabe que a Inter vai perdendo mais uma vez, agora para a Atalanta em Bérgamo.
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Ao apito final, o fim da agonia: depois de 60 anos de fundação, o Napoli finalmente alcança sua glória maior, o scudetto inédito. Na declaração de Maradona após o fim do jogo, rodeado por jornalistas e torcedores, a expressão da comunhão completa do clube com seu lugar: “Vencemos nós (jogadores), venceram as pessoas que estão aqui (no estádio), venceu a cidade de Nápoles”.
Festa completa
Como se não bastasse sair da fila histórica na Serie A, o clube venceria também a Copa da Itália em junho, completando uma rara dobradinha no Calcio (conquistada antes apenas pelo lendário Torino de Valentino Mazzola em 1943 e pela Juventus de Sivori e John Charles em 1960). Na primeira partida da decisão, um 3 a 0 sobre a Atalanta no San Paolo deixou a conquista bem encaminhada. Na volta em Bérgamo, novo triunfo, desta vez por 1 a 0, gol de Giordano, sacramentou o feito.
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Embora o caminho dos partenopei estivesse longe de ser tortuoso (dos nove adversários, apenas dois – a própria Atalanta e o Brescia – eram da elite, e mesmo assim acabariam rebaixados), a campanha impressiona: o Napoli venceu absolutamente todos os jogos, desde a fase de grupos até o mata-mata em ida e volta iniciado nas oitavas de final.
Na temporada seguinte, o atacante brasileiro Careca chegaria para o posto vago de estrangeiro, tornando o ataque napolitano ainda mais mortífero. Porém, não foi uma campanha bem-sucedida inicialmente: o clube foi eliminado na Copa dos Campeões logo na primeira fase, num sorteio ingrato que o colocou direto para enfrentar o Real Madrid de Butragueño e Hugo Sánchez – um dos poucos clubes daquele período em condições de fazer frente às potências do Calcio.
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E na Serie A, liderou com folga durante quase toda a competição e chegou a ter cinco pontos de vantagem sobre o Milan na metade do returno. Mas derrapou feio na reta final e acabou perdendo o scudetto para os rossoneri, agora reforçados pelos holandeses Gullit e Van Basten. Trauma do qual os partenopei só se recuperariam duas temporadas depois, dando o troco e ultrapassando os rivais na penúltima rodada. Entre uma campanha e outra, o clube trouxe mais um brasileiro – o volante Alemão – e levantou também a Copa da Uefa de 1989, diante do Stuttgart. Mas o grande ciclo do Napoli se encerraria com a suspensão de Maradona por doping por uso de cocaína em março de 1991.
Emmanuel do Valle é jornalista e dono do blog Flamengo Alternativo