Itália

Dono da Fiorentina: “O mesmo agente representava o Porto, Sérgio Oliveira e Gattuso. Não parece aceitável negociar nessa posição”.

Os detalhes do que levou Fiorentina e Gattuso a se separarem em apenas 23 dias reforçam a importância de uma reforma no sistema dos empresários

O dono da Fiorentina, Rocco Comisso, não se sentiu confortável em negociar uma transferência na qual o clube vendedor, o jogador e o seu próprio técnico eram representados pelo mesmo agente, o todo-poderoso Jorge Mendes, e essa foi uma das causas da rápida deterioração das relações entre o clube italiano e o treinador Gennaro Gattuso.

Desde que comprou a Fiorentina, em 2019, Comisso persegue objetivos ambiciosos, mas o comando técnico tem sido uma grande pedra no sapato. Em apenas dois anos, ele havia contratado quatro treinadores (Vincenzo Montella, Giuseppe Iachini, Cesare Prandelli e Iachini novamente) antes de chegar a Gattuso, cujo forte nome ele esperava que se transformasse em um importante impulso ao seu projeto esportivo.

No entanto, sem comandar um jogo e antes mesmo de conhecer os jogadores, Gattuso deixou a Fiorentina após apenas 23 dias, com a imprensa italiana relatando desentendimentos em relação a contratações. Comisso, em uma entrevista ao Calcio e Finanza, e uma reportagem do New York Times deram mais detalhes da situação, um festival de conflito de interesses que apenas aumenta a importância de uma regulamentação mais rígida ao trabalho dos agentes e empresários.

Tudo começou quando Gattuso apresentou a sua lista de reforços. As prioridades eram três jogadores: Gonçalo Guedes, do Valencia, Sérgio Oliveira e Jesús Corona do Porto. Como todos os portugueses do mundo que já encostaram em uma bola de futebol, Guedes e Oliveira são clientes da Gestifute, empresa de Mendes. Mas, além disso, tanto o Porto quanto o Valencia são clubes com relações próximas ao super-agente e frequentemente recorrem a ele para encontrar bons preços pelos seus jogadores.

Segundo a reportagem do New York Times, Mendes informou a Comisso que Oliveira e Corona estariam disponíveis por € 20 milhões, com salários de € 3,5 milhões por temporada e um contrato de cinco anos. Os valores, para jogadores de qualidade e no mercado de atualmente, não são tão altos em um vácuo, mas para um clube do tamanho da Fiorentina, ainda sob os efeitos econômicos da pandemia, e por atletas próximos de 30 anos, foram considerados fora da realidade.

Em condições normais, há duas maneiras de progredir: tentar convencer o treinador a buscar alternativas ou negociar com o clube vendedor. A Fiorentina seguiu ambas e nenhuma funcionou. Gattuso, ainda de acordo com a matéria do Times, insistiu na sua lista, e o Porto não cedeu nos valores de venda. O máximo foi conseguir de Mendes um desconto na comissão que receberia da Fiorentina.

Ao ser informado que a Fiorentina não tentaria mais contratar os jogadores que havia sugerido por causa das relações com Mendes, Gattuso afirmou que não se sentia mais querido no clube, e uma saída foi negociada, segundo o New York Times. A Viola acabou acertando com Vincenzo Italiano, ex-Spezia.

A faixa bônus: Mendes, em meio à procura por um novo treinador para o Wolverhampton, clube no qual ele desova todos seus clientes na Inglaterra, tentou negociar uma cláusula de rescisão de apenas € 2 milhões para poder tirar Gattuso da Fiorentina a hora que quisesse e levá-lo à Premier League. Comisso achou naturalmente um absurdo construir todo um projeto em torno de Gattuso e correr o risco de perdê-lo por praticamente nada do dia para a noite. Chegaram a um acordo por € 10 milhões por uma eventual rescisão, mas o contrato nunca foi assinado.

“Eu amo os agentes, quero que ganhem muito dinheiro, mas há sérios problemas em como esse mundo foi formado, aceito e evoluído”, afirmou Comisso, ao Calcio e Finanza. “Existem muitos conflitos de interesse que em um lugar como os Estados Unidos não seriam aceitos. Vou dar um exemplo relativo ao caso Sérgio Oliveira: o seu agente representou o Porto, o jogador e o treinador Gattuso. Isso certamente não é aceitável. Que eu tenha que negociar em tal situação não me parece aceitável, mesmo se os custos fossem justos. Algo precisa ser feito. Não quero dizer que todos os empresários são iguais, mas é o sistema que precisa ser consertado. Você não pode tirar dinheiro de todos os lados”.

A Fifa publicou uma série de medidas que pretende colocar em ação durante a próxima temporada que inclui a proibição de múltipla representação por um mesmo agente – ou seja, que Jorge Mendes possa trabalhar para Sérgio Oliveira, o Porto e Gattuso ao mesmo tempo. Há uma exceção que permite que o empresário represente o jogador e o clube comprador, desde que todos concordem.

Além disso, o pacote de propostas traria um teto nas comissões, de acordo com o salário do jogador, um licenciamento obrigatório para trabalhar como empresário e a obrigação de que todas as comissões sejam expostas em público para o torcedor saber exatamente quanto o seu clube está pagando para intermediários.

A Fifa tem conduzido um processo de consulta com empresários e deve levar as propostas finais para aprovação do seu conselho, com a expectativa de entrar em voga entre setembro e janeiro.

De volta à Fiorentina, Comisso preferiu investir no argentino Nico González, um dos destaques da seleção argentina e do Stuttgart. Ele explicou em detalhes que os valores dessa transferência, a maior da história da Viola, eram parecidos com os de Sérgio Oliveira. Mas faz mais sentido para a Fiorentina contratar González porque – com seis anos a menos – o argentino tem potencial de venda futura.

“Estamos falando de € 29 milhões em custo de transferências e todos os outros custos, incluindo comissões. Depois, vem o seu salário, cerca de € 2 milhões brutos por ano, um total de € 11,7 milhões em cinco anos: total de € 40 milhões no intervalo de cinco anos por um menino de 23 anos”, começou.

“No caso de Sérgio Oliveira, o que havia sido apresentado por Mendes era um custo de repasse de € 20 milhões mais outros custos relativos a comissões, que davam no mínimo € 22 milhões. Mas o salário quase dobrava nos cinco anos, para um menino de 29 anos. Estamos falando de € 22,5 milhões em cinco anos”.

“Quando você pega os custos de transferência e os custos de cinco anos de salário, chega a € 44,5 milhões para Sérgio Oliveira e € 40,7 milhões para Nico González. Além disso, e o mais importante, em cinco anos, o primeiro terá 34 anos e o segundo 28 anos”.

“Acreditamos que Nico González, depois de cinco anos, poderá ser vendido por um determinado preço. Digamos que € 20 milhões. O custo líquido para o clube seria de € 20 milhões. Mas Sérgio Oliveira tem 34 anos e acho que não dá para ganhar um dólar vendendo-o após cinco anos. Isso significaria que o custo seria mais do que o dobro que pagamos por Nico González. Achamos que era muito melhor pegar o Nico González do que o Sérgio Oliveira”, completou.

Embora sejam jogadores de posições diferentes, parece um argumento perfeitamente razoável e fica o questionamento sobre até que ponto as relações com Jorge Mendes impediram Gattuso de compreendê-lo e levaram à abrupta ruptura de um projeto que se desenhava interessante.

Foto de Bruno Bonsanti

Bruno Bonsanti

Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de aterrissar no site que sempre gostou de ler (acredite, ele está falando da Trivela). Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.
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