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Sean Dyche é escolha segura para o curto prazo, mas oferece menos perspectiva ao Everton

Após esboçar um projeto mais longo com o interesse por Marcelo Bielsa, o Everton preferiu focar no urgente: escapar do rebaixamento

O Everton estava em uma cilada. Sabe que em algum momento precisará dar início a um projeto mais longo para ter uma chance de se aproximar do pelotão de frente da Inglaterra, depois de tantos investimentos ruins que não geraram os resultados esperados, mas ficaria muito mais complicado fazer isso se estiver na segunda divisão na próxima temporada. Então, depois de tentar contratar Marcelo Bielsa, sem sucesso, preferiu focar no que é mais urgente no momento e contratou Sean Dyche para substituir Frank Lampard.

Bielsa era o favorito do dono Farhad Moshiri, cansado de injetar dinheiro para ver o seu clube brigar contra o rebaixamento. O argentino tinha dúvidas legítimas sobre um clube que demitiu cinco treinadores em menos de sete anos e que tem necessidades imediatas de resultados, o que lhe daria pouco espaço para implementar seus métodos e ideias. Resistiu a assumi-lo no meio da temporada e, como é Bielsa, ofereceu um meio-termo incomum: treinar o sub-21 durante os próximos meses, enquanto um interino trata de tirar o Everton da vice lanterna da Premier League, segundo uma reportagem do Guardian.

A proposta, acredite se quiser, não foi aceita pelo Everton. Podemos deduzir que o clube toparia um processo mais demorado, desde que ele fosse tocado por Bielsa, que aparentemente encantou Moshiri. Mas, sem ele, preferiu não insistir na busca por uma identidade e preferiu favorecer o curto prazo. Tem que ser isso porque, em estilo de jogo, os dois candidatos são tão parecidos quanto uma banana e uma bicicleta, e isso não quer dizer que Dyche foi uma escolha ruim. Ele foi responsável por um dos melhores trabalhos da Inglaterra na última década.

Dyche sucedeu Eddie Howe à frente do Burnley, em 2012. O bicampeão inglês não disputava a elite desde 1976 e teve um longo período na quarta divisão nos anos oitenta. Conseguiu o acesso em dois anos. Bateu e voltou, mas, depois de subir novamente, conseguiu emendar seis temporadas na Premier League com um dos menores orçamentos à disposição. Entre 2016 e 2022, seu gasto total com transferências foi de € 188 milhões. Subtraídas as vendas, um saldo de apenas € 73 milhões. Em comparação com times estáveis daquele período, ou seja, excluindo os que tiveram apenas uma ou duas temporadas na primeira divisão, maior apenas que o de Bournemouth e Southampton – que vendeu muito, muito mais.

E não é que apenas sobreviveu. Dyche conseguiu ser sétimo colocado em 2017/18 e classificou o Burnley para competições europeias. Com um elenco curto, não chegou à fase de grupos, eliminado pelo Olympiacos nos playoffs, mas a vaga em si foi um grande feito. Ocasionalmente atrapalhava a vida os grandes e teve outra campanha na parte de cima da tabela, em décimo lugar em 2019/20, mas o modelo se esgotou. A espinha dorsal envelheceu ou foi negociada, e Dyche não teve os fundos para contratar reposições à altura. Chegou a reclamar em público da falta de apoio financeiro.

O problema foi a maneira como alcançou esses resultados. Dyche era uma espécie de último bastião do velho estilo inglês no alto nível: força física, chegadas duras, atacantes fortes e altos no meio da área, muitos cruzamentos e ligação direta, cobranças de falta do meio-campo direto para a boca do gol. O forte era uma organização defensiva muito coesa que se especializou em bloquear chutes. A fórmula foi eficiente para o que o Burnley precisava, e talvez seja para o Everton somar pontos suficientes para escapar do rebaixamento, a primeira preocupação do momento.

Desde a chegada de Moshiri, o Everton deixou de ser um clube austero e passou a investir pesado no mercado de transferências para tentar subir de patamar. Dizer que deu errado seria o eufemismo da década. Foi um desastre. O elenco é desequilibrado, com lacunas em várias posições e jogadores encostados com altos salários. Um novo estádio no horizonte apenas pressiona mais as contas em um primeiro momento. Mesmo que a situação não seja a melhor, e mesmo que sejam verdadeiros os rumores de que o clube está à venda, a ambição de ser mais do que um sobrevivente na Premier League é clara – não apenas dos escritórios, também das arquibancadas.

Será que Dyche, agora com mais recursos, conseguirá ir além do que fez no Burnley? A resposta é difícil porque ele não tem outro trabalho. Se quisermos lhe dar o benefício da dúvida, adotou os métodos necessários para a situação específica em que estava. No entanto, pelo que fala sobre futebol, e pela sua personalidade – o famoso no nonsense, que em tradução livre seria algo como sem frescura -, seria uma grande surpresa se de repente implementasse o Futebol Total em Goodison Park. Um cenário realisticamente otimista seria, com jogadores melhores, um estilo parecido, ainda focado em força física e objetividade, talvez um pouco mais sofisticado, mais solto e com mais posse de bola.

Se bem executado, pode levar o Everton ao meio da tabela. A situação não é desesperadora. Está a três pontos do 14º lugar. A moral, porém, raras vezes esteve tão baixa, após uma única vitória nas últimas 12 rodadas. Dyche tem experiência navegando nesse ambiente. Passou por muitas brigas contra o rebaixamento pelo Burnley e se salvou na maioria delas. No entanto, ele oferece menos perspectiva do que Bielsa, ou mesmo um Ralph Hasenhüttl, a um time que está sedento por alguma. Pode solucionar o agora, até deve, mas mais uma vez o futuro ficou para depois.

Dyche prega “suor na camisa, esforço e voltar alguns princípios básicos”

“É uma honra me tornar técnico do Everton. Minha comissão técnica e eu estamos prontos e ansiosos para ajudar este grande clube a voltar aos trilhos. Conheço a base apaixonada de torcedores e como este clube é precioso para eles. Estamos prontos para trabalhar e prontos para dar a eles o que querem. Isso começa com suor na camisa, esforço e voltar a alguns princípios básicos do que o Everton Football Club defendeu por muito tempo”, afirmou Sean Dyche em sua primeira entrevista como técnico do clube.

“Queremos trazer de volta um bom sentimento. Precisamos dos torcedores, precisamos de unidade e precisamos de todos alinhados. Isso começa conosco na comissão técnica e jogadores. Nosso objetivo é colocar um time que trabalhe, que lute e que vista o escudo com orgulho. A conexão com os torcedores pode crescer muito rapidamente porque eles são muito apaixonados. A qualidade está no elenco. Mas temos que fazer com que eles brilhem. Esse é o meu trabalho e da minha comissão técnica”, continuou o novo treinador.

“Queremos mudar a forma como o clube está andando, remodelar ao nosso estilo, mas de um modo que possamos vencer. Essa é a tarefa à nossa frente, ter certeza que estamos construindo, taticamente e tecnicamente, dando organização aos jogadores e permitindo que eles tenham liberdade para jogar, para ir e aproveitar o seu futebol, porque é brilhante quando o time está jogando com um sorriso, mas temos que vencer”.

Foto de Bruno Bonsanti

Bruno Bonsanti

Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de aterrissar no site que sempre gostou de ler (acredite, ele está falando da Trivela). Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.
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