Mesmo que tenha razão, Conte usou opção nuclear e piorou ainda mais a situação do Tottenham
A entrevista coletiva no sábado, com um tom de desabafo e cobrando de forma dura os jogadores, parece ser o último capítulo de Conte no Tottenham

Antes mesmo do frustrante empate do Tottenham contra o Southampton por 3 a 3, em um jogo que estava vencendo por 3 a 1, a sensação já era que o tempo de Antonio Conte como comandante do time está chegando ao fim. Não só porque o seu contrato acaba no fim da temporada, mas porque parece que o treinador e o grupo já parecem estar desgastados um com o outro. Depois do jogo, porém, a situação se agravou muito com as declarações fortíssimas de Antonio Conte. Ele cobrou de forma dura os jogadores, criticou o clube e parece ter rompido o último laço que o ligava ao clube.
Quando Richarlison fez críticas ao treinador e ao próprio futebol e à sua temporada com palavras duras, já dava a impressão que alguns jogadores estavam insatisfeitos e, mais do que isso, que sabiam que o italiano não ficaria além dessa temporada. Conte minimizou as declarações do brasileiro, ainda que tenha concordado que a temporada dele é ruim. Em outros tempos, ou em outras situações, talvez ele tivesse afastado Richarlison. O brasileiro foi titular no jogo seguinte – e acabou sendo destaque.
Só que o caminho que Conte decidiu tomar neste sábado, depois de uma partida realmente muito decepcionante, implode tudo no clube. A relação com os jogadores, com a diretoria e mesmo com os torcedores. Na Inglaterra, se fala sobre a “opção nuclear”, que é quando o jogador ou treinador chuta o pau da barraca, como se fala no Brasil, ou chuta o balde, outra expressão usada por aqui.
“Não estou acostumado a ver esse tipo de situação. Vejo um monte de jogadores egoístas e não vejo um time”, afirmou o treinador. “Somos 11 jogadores que vão a campo. Vejo jogadores egoístas, vejo jogadores que não querem ajudar um ao outro e que não colocam o coração no jogo”.
O Tottenham já está eliminado da Copa da Inglaterra, da Copa da Liga e da Champions League. Está fora também da disputa do título da Premier League. Isso tudo significa que o clube continuará sem um título desde 2008, quando ganhou uma Copa da Liga. Quando foi perguntado por que isso está acontecendo, o técnico deu uma resposta forte.
“Porque eles estão acostumados a isso aqui, eles estão acostumados. Eles não jogam por algo importante. Eles não querem jogar sob pressão, não querem jogar sob estresse. A história do Tottenham é assim”, disse Conte. “São 20 anos que há um dono e eles nunca ganham algo, mas por quê? A culpa é apenas do clube ou de todo técnico que esteve aqui. Você corre o risco de atrapalhar a figura do técnico e proteger outra situação em todo mundo”.
“Até agora tentei esconder a situação, mas agora não, porque eu repito, não quero ver o que eu vi hoje porque é inaceitável e também é inaceitável para os torcedores. Eles nos acompanham, pagam pelo seu ingresso e para ver o time novamente, para ter esse tipo de desempenho, é inaceitável. Temos que pensar muito sobre isso”.
O contrato de Antonio Conte vai só até o fim da temporada e frequentemente esse é um assunto nas coletivas do técnico. Quando perguntado isso após o empate com o Southampton, o técnico mais uma vez disparou. “Vocês estão procurando um álibi, outro álibi. Vocês tentam encontrar uma desculpa para os jogadores”, disse Conte.
“O clube tem responsabilidade pelo mercado de transferências. Todo técnico que esteve aqui tem responsabilidade e os jogadores? E os jogadores? Onde estão os jogadores? Na minha experiência, posso dizer que se você quer ser competitivo, você tem que lutar, você tem que melhorar esse aspecto e esse aspecto, posso te dizer, neste momento, está muito, muito baixo”, afirmou.
“Vejo apenas 11 jogadores que jogam por si mesmos. Há 10 jogos e algumas pessoas pensam que podemos lutar. Lutar pelo que com esse espírito, com essa atitude, com esse comprometimento? O que? Para ser sétimo, oitavo, décimo? Não estou acostumado com essa posição”, continuou Conte.
“Estou realmente incomodado e todo mundo tem que assumir sua responsabilidade. Não apenas o clube, o técnico e a comissão técnica, os jogadores tem que estar envolvidos nessa situação porque é tempo de mudar essa situação, se o Tottenham quer mudar. Se eles querem continuar desse jeito, eles podem mudar o técnico, muitos técnicos, mas a situação não vai mudar. Acredite em mim”.
Conte ainda comentou sobre o seu trabalho e acredita que as coisas ficaram piores. “Se você comparar esta temporada e a melhora que estamos fazendo nesta temporada comparada à última, eu acho que em vez de melhorar, a situação é que estamos perdendo o trabalho que fizemos na temporada passada”.
“Não falo sobre o aspecto tático, falo sobre o espírito, o senso de responsabilidade, sobre o coração que temos que ter para colocar em campo. Hoje (sábado) contra o Southampton estávamos ganhando por 3 a 1 e você sente sua percepção e minha percepção é que qualquer coisa pode acontece a qualquer momento. E estar com medo, com medo do que pode acontecer”.
“Os jogadores precisam assumir a responsabilidade, porque o que estamos vendo neste último mês eu não gosto. Não gosto”, finalizou Conte.
Mesmo que Conte tenha razão em alguns pontos, a forma que ele colocou deixa os jogadores certamente em uma posição ruim. É possível que ele tenha feito essas cobranças internamente e isso não tenha surtido efeito. Quando se externa, porém, a situação fica muito difícil. O trabalho de Conte não é dos melhores, embora ele tenha razão que a atitude dos jogadores também tem sido um problema e normalmente isso é minimizado para que colocar nas costas do treinador.
A situação de Conte era difícil. Que ele sairia ao final da temporada parecia inevitável, agora parece provável que o técnico possa deixar o seu cargo antes disso. Com uma relação que parece destruída com os jogadores, a permanência dele parece um peso. Com a data Fifa pela frente, não é difícil imaginar que essa seja uma possibilidade que passe na cabeça dos dirigentes dos Spurs – que também têm a sua parcela de culpa em um time que parece não ser o suficiente mais uma vez.