Inglaterra se despediu da Copa do Mundo lamentando que ter feito um grande jogo não foi suficiente
A ironia é que um time tantas vezes criticado por um futebol abaixo do que pode foi eliminado justamente quando encaixou sua melhor partida em muito tempo

Preparar um time para a Copa do Mundo, o principal objetivo do futebol de seleções, é um processo complexo. Costuma haver anos entre o começo e o fim do trabalho. Jogadores sobem e descem de rendimento, aposentam-se, outros surgem. Poucas sessões de treinamento. O sonho de qualquer treinador é que sua equipe atinja o ápice no momento em que mais precisa, e foi o que a seleção de Gareth Southgate conseguiu fazer neste sábado. No entanto, nem um grande jogo foi suficiente para eliminar a França e a campanha inglesa terminou nas quartas de final pela sétima vez.
Esta foi a terceira competição de Southgate à frente da Inglaterra. Os resultados são ótimos: semifinal na Rússia, a primeira do país em Mundiais desde 1990; a decisão da Eurocopa do ano passado, a única em grande torneio desde 1966; e agora quartas de final, perdendo de maneira honrosa para uma das principais favoritas. Durante todo esse processo, porém, ele foi criticado, geralmente com razão, porque a sua equipe não jogava um futebol à altura dos talentos à disposição, principalmente no setor ofensivo. A ironia, figura de linguagem favorita da ilha, foi ter perdido justamente no momento em que o fez.
Havia algumas preocupações óbvias para a Inglaterra contra a França. A principal era tentar limitar Kylian Mbappé, melhor jogador da Copa do Mundo, ao máximo. Kyle Walker fez um trabalho excepcional, e o atacante do PSG teve sua pior partida no Catar. Claro que futebol é um jogo coletivo, e a atenção extra a Mbappé abre espaço para outros talentos, mas no geral a Inglaterra teve um bom papel defensivo, e os gols franceses saíram em lances de alta qualidade – um chute de fora da área de Tchouaméni, um passe brilhante de Griezmann. Quando vacilou, Pickford apareceu.
No outro lado, a fragilidade na transição defensiva que a França havia exibido nos primeiros jogos era interessante para os rápidos atacantes ingleses. No entanto, ela parou de ficar disponível muito cedo na partida, quando Tchouaméni abriu o placar logo aos 17 minutos. Colocou a Inglaterra na pior posição possível porque sua maior dificuldade na frente é justamente encarar equipes que se fecham e não permitem contra-ataques. Pior ainda no caso francês que tem tanto talento para castigar e matar o jogo no outro lado.
O ponto mais surpreendente da atuação inglesa foi ter conseguido lidar muito bem com isso. O gol de empate saiu em um pênalti que pareceu mais premiar o que o ataque havia produzido do que um lance isolado. Hugo Lloris teve que fazer pelo menos três defesas muito boas, duas contra Kane, outra em bomba de Bellingham, antes de sair o gol de empate. Saka foi espetado na ponta direita, entre as costas de Mbappé, que não é ótimo no trabalho defensivo, e em cima de Theo Hernández, que… não é ótimo no trabalho defensivo. Passou a ser mais acionado com a ajuda de Jordan Henderson e criou chances perigosas antes e depois de sofrer o pênalti.
A boa atuação de Saka compensou as poucas subidas de Walker, preocupado com coisas mais importantes no jogo, e o resto do setor ofensivo estava funcionando. Luke Shaw subia bem, Bellingham infiltrava na área, Kane continuava a circular, e Foden dava suas arrancadas pela esquerda. Nesse período, Pickford salvou um chute de frente de Rabiot imediatamente depois do empate, mas a Inglaterra teve uma cabeçada muito perigosa de Maguire e outra chance ótima com Saka, em cruzamento rasteiro de Shaw. Era o momento em que, se alguém fosse apostar em quem faria o próximo gol, colocaria seu dinheiro na virada da Inglaterra.
Mas o problema de enfrentar uma reunião tão exuberante de talentos é que eles não precisam de muito espaço ou de muito tempo. Griezmann encontrou um cruzamento que poucos encontrariam e, pouco depois de perder um gol claro, Giroud cabeceou com firmeza para fazer 2 a 1 para a França. A Inglaterra até conseguiu um pênalti para empatar, minutos depois, e Kane desperdiçou. O gol parece ter quebrado o espírito dos ingleses, que apenas abafaram na reta final, até Rashford mandar a última chance, em uma cobrança de falta, para fora.
Não foi uma atuação perfeita. Raras são, mesmo para os times que acabam levantando troféus. A saída de Saka, a 11 minutos do fim, parece ter sido prematura. Algumas finalizações poderiam ter sido melhores, e Maguire foi facilmente batido por Giroud no segundo gol. Sabe-se lá o que Southgate imaginava que Grealish conseguiria fazer entrando a dois minutos do fim. Mas foram problemas menores perto da totalidade da atuação inglesa que bateu de frente com a atual campeã do mundo, uma potencial bicampeã, e talvez tenha sido até melhor.
Esse time que entregou o período de seis anos mais estáveis da seleção inglesa desde Alf Ramsey, mais competitivo que os anteriores que contavam com estrelas como Beckham, Gerrard, Lampard e Rooney, bateu em seu maior nível de exibição na hora que deveria fazê-lo e perdeu por detalhes normais de um jogo de futebol, contra um excepcional adversário. Para um país tão acostumado a grandes desastres na Copa do Mundo, isso em si não é pouca coisa. O que acontece é que, com a Inglaterra há mais de 50 anos sem jogar uma final, em uma visão mais ampla, será tido como uma oportunidade desperdiçada.