Gabriel Sara desbrava novos caminhos ao ir para o Norwich e buscar uma possibilidade que se abre aos brasileiros
Gabriel Sara será o 24° brasileiro a atuar na Championship, mas num movimento incomum ao sair do Brasil

Até alguns anos atrás, a Premier League não era um destino tão comum aos jogadores brasileiros. As portas na Inglaterra foram abertas ainda na década de 1980, por Mirandinha, mas levou um tempo para os futebolistas do Brasil se fazerem mais presentes. Se a temporada de 2002/03 foi a primeira a encher mais que uma mão, com seis jogadores brasileiros, esse número já saltou para 15 em 2007/08. Outro marco veio em 2019/20, a primeira vez que a barreira dos 20 futebolistas foi superada. Já o recorde seria estabelecido na temporada passada, em que 29 brasileiros passaram pela competição. Com o poderio econômico dos clubes ingleses, é natural que muitos talentos busquem o país, acertando inclusive com times que não lutam pelo topo da tabela. E a Championship começa a se tornar uma alternativa. Prova disso é a escolha de Gabriel Sara, que vai se aventurar no Norwich. O meia de 23 anos deixa o São Paulo por €10,5 milhões, com contrato até 2026 prorrogável por um ano, e aposta em sua afirmação na liga.
O Norwich pode ser um destino que faz muita gente torcer o nariz. No entanto, a escolha de Gabriel Sara se explica pela vitrine que terá na Inglaterra. O meia atuará num clube com sua tradição, que nos últimos anos se estabeleceu como um ioiô entre a primeira e a segunda divisão. Se o favoritismo se provar e o acesso vier de novo, logo o jovem terá a chance de aparecer na Premier League. Além disso, o destaque dos Canários também é um facilitador a um contrato maior. Estará adaptado à liga local e se tornará um investimento mais seguro, caso consiga brilhar com a camisa auriverde.
É um ambiente bem mais duro que a Premier League, cabe dizer. A Championship não tem a qualidade técnica da primeira divisão, mas oferece um futebol ainda mais intenso e físico. Além do mais, o tipo de pressão é diferente. Até pela força financeira dos últimos anos, maior do que a dos concorrentes, o Norwich vai ser cobrado para subir diretamente. É uma competição que queima técnicos com mais facilidade e traz consigo outros tipos de exigência. Gabriel Sara vai ter que se encaixar nessa realidade, e com um preço alto para corresponder em pouco tempo, mesmo que seja alguém para se desenvolver.
Capacidade não falta ao ex-tricolor para dar certo. Gabriel Sara teve uma excelente formação no São Paulo e fez sua trajetória completa nas categorias de base do clube. Também teve bons momentos na equipe profissional e deu motivos para outros times acreditarem em sua projeção. É um meia talentoso, mas também participativo e com bom senso tático. Não deve ter muitos problemas para se encaixar na Championship, onde esse tipo de virtude também conta bastante.
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“Estou muito animado para me juntar ao Norwich. É um grande momento em minha carreira e mal posso esperar para ver o que posso fazer em campo por este clube. Falei com o treinador, Dean Smith, e estou muito animado para jogar com ele. Ele e o clube me fizeram me sentir muito acolhido. Sempre foi um sonho deixar o Brasil e jogar em outro país. Estou no São Paulo há nove ou dez anos. Estou muito empolgado para o novo desafio. O CT e as instalações em Norwich são magníficos, nunca vi nada parecido. Mal posso esperar para começar a trabalhar aqui. Sou um jogador intenso, que luta pelo time. Quando surge a oportunidade, vou para o gol. Estou ansioso para jogar diante dos torcedores e quero que isso aconteça o mais rápido possível”, declarou Sara.
Já o técnico Dean Smith complementou: “Estamos realmente empolgados por ter a oportunidade de trabalhar com Gabriel. Ele tem muitas habilidades. Pode criar e marcar gols, mas também cobre uma grande área no campo. Ele quer a bola e vai para cima, com corridas sem egoísmo e é cheio de energia. Quando falamos, estava claro que ele queria melhorar e se desenvolver. É o tipo de atitude e aplicação que desejamos neste clube. Também falamos sobre como trabalhei com Wesley e Douglas Luiz no Aston Villa, como eles chegaram à Seleção. Agora cabe a ele e ao clube trabalharem duro, para continuar o progresso. Ele sabe que chega a um clube que cuidará dele e esperamos dar tudo o que ele precisa para se desenvolver mais. Espero grandes coisas dele. Gabriel está no fim de uma recuperação, então espero que ele volte e se junte ao time antes da nossa estreia na temporada”.
? “It’s magnificent. I’ve never seen anything like it here. I’m really excited and it’s an honour to be here.”
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Gabriel Sara pode ser um diferencial ao Norwich, que precisa de um novo gás. Os Canários não devem passar por mudanças tão sensíveis, com a manutenção do técnico Dean Smith e de boa parte do elenco que disputou a Premier League. Entretanto, vão ter que buscar uma nova fórmula, se não quiserem de novo conquistar o acesso e sofrer um rebaixamento inapelável. Se é necessário buscar talentos diferentes e jogadores que amadureçam nesse processo, Sara é uma escolha interessante. Terá o desafio de se adaptar ao novo país, num elenco sem outros brasileiros, em um clube no qual será o primeiro jogador do país na história.
Os exemplos para Gabriel Sara ficam em outros jogadores brasileiros que passaram pela Championship durante os últimos anos. O caminho direto de um clube do Brasileirão à segunda divisão inglesa não é muito comum, mas alguns que já estavam na Europa conseguiram emplacar. O caso principal é o de Matheus Pereira, protagonista no último acesso do West Brom e que se deu bem também na Premier League, antes de aceitar uma proposta polpuda do Al-Hilal. Léo Bonatini também foi de grande valia à subida do Wolverhampton, embora mal tenha jogado na elite. Tempos antes, foi a vez de André Moritz contribuir à subida do Crystal Palace, o que também fez Guly do Prado pelo Southampton. Dos 23 brasileiros que passaram pela Championship até então, a amostra de sucesso é razoável.
Mais recentemente, são dois os outros espelhos para Gabriel Sara. Outro caso que saiu do Brasil, Rodrigo Muniz não teve tanto espaço no Fulham que subiu em 2021/22, até pela fase iluminada de Aleksandr Mitrovic, mas vai poder buscar seu lugar ao sol na Premier League. Já no Watford, João Pedro chegou com o time na primeira divisão, fez gols importantes no acesso em 2020/21 e teve brilhos pontuais na queda em 2021/22. Tal bagagem é importante para quem tem apenas 20 anos e poderá encarar a Championship de uma maneira diferente agora, um pouco mais maduro. Vai ser um dos concorrentes de Sara pela promoção, ao lado do zagueiro Sammir, também do Watford – os três brasileiros que figurarão nesta edição da segundona inglesa.
O que Gabriel Sara fizer poderá até servir de parâmetro a outros brasileiros. A Championship não tem o prestígio das cinco grandes ligas europeias, mas possui mais força econômica e mais tradição que outros rincões menores da Europa – onde muitos jogadores do Brasil costumam se testar. Mais do que isso, a segundona inglesa se transforma numa janela aberta. Com o Brexit e a diminuição de facilitadores na contratação de atletas da União Europeia, apostar num jogador de França ou Espanha não será tão vantajoso quanto comprar uma boa promessa do Brasil. As próprias diferenças no câmbio servem como impulsos. Pelo nível técnico, Sara tende a sair mais em conta que um atleta de €10,5 milhões da Europa continental – que, agora, ocupa um lugar extracomunitário.
As respostas virão em campo. Gabriel Sara possui respaldo suficiente, como principal contratação feita até o momento pelo Norwich, e também tempo de contrato para se provar. Não realizará exatamente o sonho comum, de jogar na elite inglesa. Mas deseja abrir portas e sabe que sua atitude no novo passo será fundamental. De certa maneira, dá para comparar com o movimento feito por Ederson rumo à Salernitana. No Norwich, mesmo sem estar na primeira divisão, Sara encontrará uma estrutura melhor e até mais visibilidade interna para almejar novos patamares – e sem necessitar de um milagre como os italianos. O volante, vendido à Atalanta, provou como é possível superar as adversidades e emplacar.