Doenças cerebrais como demência são mais comuns em ex-jogadores de futebol, segundo estudo no Reino Unido

Os ex-jogadores de futebol têm três vezes e meia mais chances de sofrer de demência e outras doenças neurológicas sérias, segundo um estudo da Universidade de Glasgow descobriu. O estudo confirma assim uma suspeita antiga que a prática profissional do esporte tem relação com dano cerebral e com doenças mentais.
[foo_related_posts]O estudo foi conduzido pelo Grupo de Lesões Cerebrais na Universidade de Glasgow e durou 22 meses. Os resultados mostram que há um aumento de cinco vezes no risco de ter Alzheimer, quatro vezes em doenças nos neurônios motores e aumento de duas vezes na chance de desenvolver a doença de Parkinson.
A Football Association (FA, a federação de futebol inglesa) ajudou a financiar a pesquisa e afirmou que irá estabelecer uma força-tarefa para examinar as potenciais causas mais profundamente. O relatório divulgado não foi capaz de estabelecer se a causa para maiores níveis de doenças cerebrais são as repetidas concussões, cabecear bolas de couro ou algum outro fator.
Jeff Astle foi um jogador do West Bromwich e morreu em 2002. Segundo o legista, a causa da sua morte foi uma “doença industrial” causada parcialmente por cabecear pesadas bolas de futebol ao longo da carreira. A sua família afirmou que ficou chocada com o tamanho do problema entre os ex-jogadores.
“Meu sentimento geral é que estou desconcertado, mesmo que pela minha própria pesquisa e pelo instinto sempre foi que havia um sério problema”, disse a filha do jogador, Dawn Astle. Ela foi contatada por mais de 400 famílias de ex-jogadores que desenvolveram demência.
“Não haverá celebrações. Nós sabíamos que o papai não era o único. Nós apenas queríamos que essa pergunta fosse respondida. Nós queremos apenas ver o futebol se importar o suficiente para entender a escala do problema, fazer a coisa certa e estar lá para essas pessoas quando elas mais precisarem. Seja o que for feito a seguir, deve ser por todas as partes do jogo. E esses jogadores que sofreram demência não devem ser apenas uma estatística, eles nunca devem ser esquecidos”, continuou Dawn Astle.
Former pro footballers had an approx 3.5 times higher rate of death due to neurodegenerative disease, but were less likely to die of diseases such as heart disease and some cancers, says new @UofGMVLS study led by @WillSTEWNeuro in @NEJM
👉 https://t.co/3RlEtHoZx6 pic.twitter.com/imTDKhNyNo— University of Glasgow (@UofGlasgow) October 21, 2019
Pressão sobre a International Board
O estudo usou dados digitalizados do NHS Escócia (National Health Service, ou Serviço Nacional de Saúde, o sistema público de saúde do Reino Unido, equivalente ao SUS) para comparar as causas das mortes de 7.676 homens ex-jogadores de futebol profissionais que nasceram entre 1900 e 1976 com mais de 23 mil pessoas da população geral. Apesar disso, a FA confirmou que não há ainda prova suficiente para mudar nenhum aspecto do jogo.
“Nossa pesquisa mostra que o número de disputas aéreas já reduziu significativamente ao longo dos anos já que mudamos para campos menores e um futebol baseado em posse de bola”, afirmou o chefe-executivo da FA, Marc Bullingham. “Contudo, como as novas provas vem à tona, nós iremos continuar a monitorar e reavaliar todos os aspectos do jogo”.
Os dados da Opta Sports, que começou a coletar estatísticas e informações na Premier League em 2006, mostra que o número de cruzamentos na liga diminuiu de 38,2 por jogo em 2008/09, o número mais alto já atingido, para 24,2 na temporada passada, 2018/19.
Só que esse dado, por si, será pouco para impedir que haja uma pressão ainda maior para que a International Football Association Board (IFAB) discuta a questão, criando um protocolo mais exigente e mesmo incluindo uma substituição temporária para casos de concussão, algo que já acontece no rúgbi, por exemplo. A IFAB se reúne nesta quarta-feira, 23 de outubro, para discutir vários aspectos das regras do jogo.
Ex-jogadores e médicos fazem pressão para que a Professional Footballers’ Association (Associação de Jogadores Profissionais) faça alguma coisa. Os ex-jogadores cobram que justamente a associação precisa defender os interesses dos jogadores, que sofrem com as consequências de doenças neurológicas depois do fim das suas carreiras.
O estudo da Universidade de Glasgow também descobriu que os jogadores são menos propensos a morrerem de outros problemas comuns, como doenças cardíacas e alguns tipos de câncer e, além disso, vivem em média 3,25 anos a mais que o resto da população.
Por isso, a doutora Carol Routledge, diretora de pesquisa da Alzheimer’s UK, que pesquisa a doença, afirmou que os benefícios de jogar futebol superam as desvantagens. “Demência é causada por doenças complexas do cérebro e nosso risco é influenciado por nossos genes, estilo de vida e saúde”, disse a médica. “A melhor evidência sugere que uma boa saúde do coração é o melhor modo de manter o cérebro saudável, então quando jogado de forma segura, um futebol com os amigos ainda é uma grande forma de ficar mentalmente e fisicamente ativo”.
Limite de cabeceio para jovens
Um dos atores que defende que haja uma substituição temporária é John MacLean, consultor médico chefe da FA Escocesa, a federação de futebol do país. Ele é parte do comitê médico da Uefa também.
O atual protocolo de concussão do futebol prevê que haja três minutos para avaliação do jogador que pode ter sofrido uma concussão, com diagnóstico da equipe médica. Se for necessário tratamento, o jogador tem que deixar o gramado. O tempo é considerado curto por muitos médicos e muitas vezes os jogadores voltam a campo mesmo com suspeitas de terem sofrido uma concussão.
“Isso vai para a International Board e eu espero que em um futuro relativamente próximo as regras do jogo sejam alteradas para incluir isso”, afirmou MacLean à BBC Escócia. “Isso, espero, permitirá um período de 10 minutos com uma substituição livre, como o rúgni faz, que dá aos médicos a oportunidade para avaliar o jogador no silêncio do vestiário, sem o técnico ou árbitro fiquem pressionando a equipe médica para fora de campo”.
“Apenas 10% das concussões e lesões na cabeça envolveram perda de consciência, então é relativamente uma porcentagem pequena. Qualquer jogador que perda a consciência deve ser removido do jogo, não importa qual é a idade”, declarou ainda o médico.
MacLean afirma que ainda é preciso ter mais estudos para analisar os efeitos de cabecear a bola. “Até que nós saibamos o lugar real do cabeceio, seria errado para nós dizer, vamos esperar outros 10 anos até que este estudo esteja completo”, disse ainda o médico. “Pelo trabalho com a Federação Escocesa e a Uefa, o que nós começamos a fazer é estabelecer algumas diretrizes sensíveis. Algumas coisas simples como limitar o cabeceio nos treinamentos para jovens jogadores, talvez para uma sessão por semana para permitir que o cérebro se recupere”.