Inglaterra
Tendência

Cristiano Ronaldo arrisca sua idolatria ao forçar saída do Manchester United com atitude mesquinha

Ronaldo escolheu a dedo o momento de soltar uma bomba no clube, fez críticas que tornam inviável o seu retorno e tudo para forçar a sua saída do clube por não ser mais titular

O relacionamento entre Cristiano Ronaldo e Manchester United parece ter chegado ao limite neste domingo. Em entrevista a Piers Morgan, publicada no mais do que questionável jornal The Sun, traz declarações bombásticas do camisa 7, detonando o técnico Erik ten Hag, se dizendo traído pelo clube e criticando a gestão, na única parte que ele parece ter algum argumento (e alguma razão). Tudo feito em um tempo que parece estrategicamente pensado.

Ronaldo escolheu Piers Morgan, no The Sun, para desabafar. Ele foi até a casa de Ronaldo para fazer a entrevista e o português falou. Vale lembrar que desde a pré-temporada há conversas sobre uma saída do jogador, mas nunca se estabeleceu uma rota para isso. O clube nunca pareceu também estar completamente disposto a vendê-lo, o que vai de encontro ao que o próprio Ronaldo argumenta na entrevista.

Quando foi perguntado por Piers Morgan se a hierarquia do clube estava tentando forçá-lo para fora do clube, ele não teve dúvidas. “Sim, não apenas o técnico, mas outras duas ou três pessoas no clube. Me sinto traído”, disse Ronaldo. Perguntado novamente se pessoas da diretoria do Manchester United o queriam fora do clube, ele repetiu o que sente. “Não me importo. As pessoas deveriam ouvir a verdade. Sim, me sinto traído e sinto que algumas pessoas não me querem aqui, não apenas neste ano, mas ano passado também”, disse o atacante.

Ele ataca o técnico Erik ten Hag de uma maneira brutal, mas sem justificar: “Eu não tenho respeito por ele porque ele nunca mostrou respeito a mim. Se você não me respeita, nunca irei te respeitar”. O que Ronaldo considera falta de respeito do técnico? Ele não deixa claro. Talvez o fato de Ten Hag não o considerar um titular indiscutível do time em uma altura que Ronaldo nunca pareceu disposto a se envolver no projeto do clube e, além disso, tem 37 anos e não consegue ter o mesmo nível físico que antes.

Sobrou também para Wayne Rooney, ex-companheiro de Manchester United, agora técnico. “Não sei por que ele me critica tão duramente… Provavelmente porque ele acabou sua carreira e ainda estou jogando no alto nível. Não vou dizer que aparento estar melhor que ele. O que é verdade…”, disparou Ronaldo.

Vieram também críticas ao clube em si. “Não sei o que está acontecendo, mas desde que Sir Alex Ferguson saiu, não vi evolução no clube, o progresso foi zero. Por exemplo, temos um ponto interessante quando um clube como o Manchester United demite Ole [Gunner Solskjaer], eles trazem o diretor esportivo Ralf Rangnick, que é algo que ninguém entende. Esse cara não é nem técnico. Um clube grande como o Manchester United traz um diretor esportivo e não surpreendeu apenas a mim, mas todo mundo”, disparou.

Ao falar assim sobre Rangnick, Cristiano Ronaldo mostra desrespeito a ele e vai além disso: mostra também um orgulho de ser ignorante em relação ao assunto. Porque há diversos motivos para se criticar a gestão de Rangnick como técnico do Manchester United e certamente o jogador tem motivos para isso. Mas ao tratar Rangnick como um mero desconhecido, Ronaldo mostra um desprezo de quem não conhece o esporte que pratica.

Independente da relação desenvolvida ali no United, não conhecer Rangnick diz mais sobre Ronaldo do que ele gostaria. Porque Rangnick é alguém que trouxe diversos conceitos para o jogo, inspirando uma geração de treinadores, como Jürgen Klopp. Mesmo que não tenha dado certo – e essa atitude de Ronaldo agora mostra uma das razões -, não é orgulho nenhum tratar Rangnick como desconhecido. Ninguém é obrigado a conhecer tudo, mas se orgulhar de não conhecer algo é como se orgulhar da ignorância.

Ronaldo, então, passou a outra parte da crítica: à infraestrutura do United, não só física, mas em termos de conhecimento e tecnologias aplicadas no clube. “Nada mudou. Surpreendentemente. Não apenas a piscina, a jacuzzi, mesmo a academia… Em alguns pontos, a tecnologia, a cozinha, os chefs, que são, eu aprecio, pessoas adoráveis”, continuou. “Eles pararam no tempo, o que me surpreendeu muito. Achei que veria as coisas… Diferentes, como mencionei antes, tecnologia, infraestrutura. Mas infelizmente, vemos muitas coisas que costumava ver quando eu tinha 20, 21, 23. Então, isso me surpreendeu muito”.

Embora as críticas à estrutura do Manchester United sejam verdadeiras, o timing da crítica é claramente pensado para usar a chamada opção nuclear. Ronaldo sabia como era a estrutura do clube, porque é algo conhecido até para nós, que estamos a milhares de quilômetros, e certamente era do conhecimento da enorme equipe do jogador e do seu muitíssimo bem-relacionado empresário. Ele escolheu fazer essa crítica agora para empilhar mais motivos para deixar o United.

Isso tudo gera um desgaste enorme, que coloca em xeque inclusive o seu status de ídolo em um clube que ele diz amar – mas que por pouco não acertou de ir para o rival Manchester City, convencido do contrário de última hora por pessoas importantes ligadas ao clube, como Alex Ferguson. Todo o comportamento de Cristiano Ronaldo nesta temporada é negativo e trouxe prejuízos ao time.

A forma como ele escolheu soltar essa bomba é terrível para o clube e, no fim, para ele mesmo. Ele coloca a idolatria com uma torcida apaixonada por ele em risco por um objetivo mesquinho de não querer ser reserva em um time que ele acha que tem que girar ao seu redor – sem, desta vez, justificar em campo que isso aconteça. Porque enquanto ele entregou tanto em campo, nenhum clube que ele esteve mediu esforços para tê-lo e fazê-lo feliz.

Desde a pré-temporada o clima é ruim porque Cristiano Ronaldo queria saber. Se ele não quisesse sair e os relatos fossem falsos, ele poderia tranquilamente ter vindo a público falar sobre isso. Qualquer veículo do mundo que ele escolhesse abriria as portas para que ele falasse sobre como ele queria sim estar no Manchester United e estava comprometido com o clube. Ele não fez isso, mesmo sabendo que a sua ausência no começo da temporada faria com que a impressão fosse que ele forçava a saída. Ele não falou nada e nem fez nada para dizer que não era isso, porque interessava a ele que sim, fosse essa a impressão.

Poucos clubes no mundo podem pagar o que Cristiano Ronaldo recebe de salários – algo em torno de £ 25 milhões por ano (cerca de € 28 milhões). Os clubes que podem pagar isso a ele não o querem, como PSG, Bayern de Munique ou Manchester City. Os demais não chegam perto desse salário. Na Itália, onde Cristiano jogava pela Juventus, os jogadores mais bem pagos ganham entre € 7 milhões e € 9 milhões anuais. Para ir para outro clube, Cristiano Ronaldo terá que necessariamente baixar o seu salário. Ou que o Manchester United pague grande parte do seu salário para ele jogar em outro lugar, o que não faz muito sentido.

Se ele quer jogar Champions League e acha que o Manchester United não está mais à sua altura por todas as críticas que fez, ele tem todo o direito. Só que terá que achar quem queira pagar por ele e onde ele possa se encaixar. O Chelsea parecia um clube capaz de fazer isso, mas a janela de transferências de janeiro mostrou outra coisa e, com Graham Potter por lá, não parece ser um caminho provável. Restam, então, poucas opções. Talvez o Milan, mas não restam muitos outros clubes.

Cristiano implodiu sua relação com o Manchester United, mas não tem um destino claro a seguir. O técnico Erik Ten Hag enfrentou muitas dificuldades e, até aqui, tem conseguido superar bem os problemas. Parece pouco provável que a torcida fique ao seu lado diante do que está acontecendo. Suas atitudes foram negativas o tempo todo em relação ao clube e mesmo em relação à torcida. Há pouca discussão sobre ele não ser titular do Manchester United atualmente. Ao que parece, Ronaldo geriu e avaliou mal essa situação e esse comportamento mancha parte da sua rica história no futebol. Seu lugar na história do futebol está garantido. Mas seu lugar no coração dos torcedores não.

Foto de Felipe Lobo

Felipe Lobo

Formado em Comunicação e Multimeios na PUC-SP e Jornalismo pela USP, encontrou no jornalismo a melhor forma de unir duas paixões: futebol e escrever. Acha que é um grande técnico no Football Manager e se apaixonou por futebol italiano (Forza Inter!). Saiu da posição de leitor para trabalhar na Trivela em 2009, onde ficou até 2023.
Botão Voltar ao topo