Dez anos depois, o milagre do Wigan ao conquistar a Copa da Inglaterra sobre o Manchester City parece ainda maior
Treinado por Roberto Martínez, o Wigan protagonizou um conto de fadas em que teve várias histórias de superação até a vitória emocionante sobre o City em Wembley

Quando tudo aconteceu em Wembley, naquele 11 de maio de 2013, dava para ter plena noção de que a Copa da Inglaterra acabava de eternizar uma das maiores zebras de suas finais. O Wigan derrotava o então “novo rico” Manchester City por 1 a 0, com um gol nos acréscimos do segundo tempo, para ficar com a taça pouco provável. Uma década depois, porém, o abismo se tornou muito maior. O City passou a colecionar troféus, de fato, a ponto de se tornar o maior vencedor do futebol inglês nos últimos dez anos. Enquanto isso, o Wigan experimentou muitos desencantos. O clube até então “incaível” na Premier League terminou rebaixado. Nunca mais voltou. Virou um ioiô entre a segunda e a terceira divisão, com sérios problemas financeiros mais recentemente. Nesta temporada, caiu de novo à League One. E o que já soava como um doce sonho em Wembley hoje mais parece um devaneio que mal dá para acreditar.
O Wigan é um clube relativamente novo dentro das estruturas do Campeonato Inglês. Sua fundação aconteceu apenas em 1932. E nunca foi um time muito expressivo, limitado às divisões regionais até 1978, quando finalmente passou a fazer parte da Football League. O acesso à quarta divisão significava a adoção de um modelo profissional. Mas não que os Latics fugissem muito da pequenez. A equipe até alcançou o acesso à terceira divisão em 1982, mas não deu um passo além. Inclusive cairia novamente para o quarto nível em 1992/93, a temporada em que surgia a Premier League. Somente depois disso é que a história dos alviazuis realmente começou a mudar.
O ponto de virada do Wigan aconteceu em 1995. O clube foi comprado por Dave Whelan, antigo defensor do Blackburn que depois faria fortuna com a JJB Sports, uma empresa de artigos esportivos. Crescido em Wigan, era torcedor fervoroso do clube. Seus planos ambiciosos prometiam não apenas tirar os Latics da quarta divisão, como também levá-los à Premier League. Exagero? Não quando as coisas começaram a dar certo. Whelan apostou em jogadores sobretudo da Espanha, onde tinha conexões. Um dos reforços mais importantes era o volante Roberto Martínez, revelado pelo Zaragoza. Com os investimentos, os sucessos começaram a acontecer. O Wigan subiu para a terceira divisão em 1997, dois anos antes de inaugurar seu novo estádio. Montava-se também uma estrutura.
O Wigan levou seis anos para conquistar o acesso na terceirona. A partir de 2003, com a estreia na Championship, a ascensão seria meteórica. Os Latics já fizeram um início de campanha arrebatador em seu início na segundona, mas não sustentaram a posição e terminaram no sétimo lugar. Já na segunda tentativa de acesso, o time alcançou a Premier League. Terminou na segunda colocação da Championship, o que valia a promoção à primeira divisão e cumpria os sonhos de Whelan. Mas não que os Latics estivessem dispostos a parar por aí. Seriam dignos participantes da elite.
Treinado por Paul Jewell desde 2001, o Wigan fez uma boa temporada de estreia na Premier League 2005/06. A equipe chegou a emendar uma sequência invicta de nove partidas no primeiro turno, que a levou para a vice-liderança. O nível de desempenho não seria tão alto até o final, mas o décimo lugar era pra lá de honroso. Nomes como Leighton Baines, Stéphane Henchoz, Pascal Chimbonda e Henri Camara formavam o elenco que superou as expectativas. De brinde, os Latics ainda chegaram à final da Copa da Liga Inglesa. Eliminaram Newcastle, Bolton e Arsenal, apesar da goleada sofrida para o Manchester United na final. A façanha liderada por Dave Whelan se tornava ainda maior.
A campanha seguinte do Wigan na Premier League teria a perda de nomes importantes, mas também guardaria as chegadas de Antonio Valencia, Kevin Kilbane e Emile Heskey. Só que o time não engrenou em 2006/07 e evitou o rebaixamento apenas na última rodada. A vitória por 2 a 1 sobre o Sheffield United fora de casa forçou o descenso das Blades. Paul Jewell deixou o comando técnico. Na Premier League 2007/08, o Wigan teve um início instável e também flertou com a queda. A equipe melhorou a partir da chegada de Steve Bruce, responsável por levá-la a um cômodo 14° lugar. Já na Premier League 2008/09, a caminhada foi mais tranquila. Os alviazuis ocuparam o sétimo lugar em boa parte do segundo turno e flertaram com as copas europeias. Caíram de nível só na reta final, mas o 11° lugar ainda era satisfatório. Dave Whelan apostava em jogadores de nacionalidades pouco usuais na Inglaterra – como os egípcios Amr Zaki e Mido, ou os hondurenhos Maynor Figueroa e Wilson Palacios. Havia um olhar para além da Europa.
Uma nova mudança no comando aconteceu em 2009/10. O Wigan se reencontrou com um velho conhecido: Roberto Martínez, que tinha iniciado sua carreira como treinador à frente do Swansea, onde também pendurara as chuteiras. Era um estilo de jogo um tanto quanto revolucionário para as divisões de acesso, com mobilidade ofensiva e amplitude pelos lados, num sistema que priorizava os alas. Uma ideia que o técnico também levou aos Latics. Nomes como James McCarthy, Victor Moses, Jordi Gómez e Hugo Rodallega começavam a despontar a essa altura.
Durante a primeira temporada de Roberto Martínez como técnico, o Wigan foi uma equipe capaz de ganhar de Chelsea, Liverpool e Arsenal, mas também tomou de 9 a 1 do Tottenham e de 8 a 0 do mesmo Chelsea. Ao menos, deu para escapar do rebaixamento sem passar pelo Z-3 ao longo da Premier League 2009/10. A fama de time “incaível” se reforçava. E se tornou maior em 2010/11, num elenco que ganhava opções como Ali Al-Habsi e Antolín Alcaraz. Com muitos empates, os Latics passaram a competição praticamente inteira na zona de rebaixamento, inclusive segurando a lanterna. Entretanto, havia equilíbrio na disputa contra o descenso e os oito pontos conquistados nas últimas quatro rodadas valeram a salvação de última hora.
Roberto Martínez tinha total confiança de Dave Whelan e não eram os riscos que botavam seu emprego em xeque. O objetivo do Wigan era mesmo a permanência na primeira divisão. A penas mais duras ainda, a meta seria alcançada na Premier League 2011/12. Os Latics chegaram a sofrer oito derrotas consecutivas no primeiro turno, o que afundou a equipe na lanterna. Uma breve resposta na virada de novembro para dezembro não aliviou a barra, com novas séries ruins. Após 29 rodadas, os alviazuis contabilizavam míseras quatro vitórias e 22 pontos. Mas, de novo, existia um equilíbrio na luta pela salvação. E a equipe virou a chavinha. Foram sete vitórias nos últimos nove compromissos. Bateram Liverpool, Arsenal, Newcastle e principalmente o líder Manchester United, num resultado que deu uma ajudazinha ao Manchester City na tabela para ser campeão. No fim das contas, o Wigan saiu do Z-3 a cinco rodadas do fim e terminou no 15° lugar. Era ótimo.
Não se esperava nada de muito diferente do Wigan na Premier League 20212/13. Era uma equipe que chegava para não cair. Roberto Martínez estava melhor cotado no mercado inglês, mas permanecia na casamata. Já o time reunia uma série de jogadores que, se não eram astros de primeira prateleira, formavam um grupo competitivo. Trazido do Levante, o atacante Arouna Koné era o reforço mais tarimbado, numa lista que incluía coadjuvantes como Joel Robles e Mauro Boselli. O restante da espinha dorsal se conhecia há mais tempo. Ali Al-Habsi permanecia como goleiro titular. A defesa tinha Antolín Alcaraz, Iván Ramis e Gary Caldwell entre as opções para o meio, enquanto as alas podiam rodar figuras como Maynor Figueroa, Jean Beausejour e Emmerson Boyce. James McCarthy e James McArthur fechavam o meio, com Jordi Gómez e Shaun Maloney entre os nomes mais criativos. Já no ataque, além de Koné, outros nomes bastantes presente eram os de Franco Di Santo e de Callum McManaman.
A primeira metade da Premier League só reforçou a impressão do que seria a temporada do Wigan. Os Latics somaram cinco vitórias nas primeiras 21 rodadas. Derrotaram o Tottenham, mas nada que tivesse muito peso numa campanha que deixou o time na zona de rebaixamento na virada dos turnos. De qualquer maneira, os alviazuis já apresentaram um pouco mais de força na Copa da Liga Inglesa. A campanha se iniciou com duas goleadas por 4 a 1 fora de casa, diante do Nottingham Forest e do West Ham. Pararia diante do Bradford City, numa derrota nos pênaltis para a zebra daquela edição, vice-campeã em decisão disputada contra o Swansea.
A caminhada na Copa da Inglaterra se iniciou logo no início de 2013, em janeiro. O primeiro adversário era o Bournemouth, que acabara de contar com o retorno de Eddie Howe na casamata e conquistaria o acesso na terceira divisão. As Cerejas forçaram o replay, depois do empate por 1 a 1 no Estádio DW. Assim, os Latics tiveram que se impor em Dean Court com a vitória por 1 a 0, gol de Boselli. O caminho seguiu aberto com o magro 1 a 0 diante do Macclesfield Town, da quinta divisão, tento de Jordi Gómez. Mais confortável seria o resultado das oitavas, contra o Huddersfield Town, ameaçado pelo rebaixamento na Championship: goleada por 4 a 1 em que Arouna Koné anotou dois gols, enquanto Jordi Gómez e James McArthur também lideraram as ações. Alcançar as quartas já era um feito inédito aos alviazuis.
O primeiro grande resultado do Wigan naquela campanha aconteceu nas quartas de final. Os Latics visitaram o Everton no Goodison Park. O time de David Moyes fez uma campanha razoável na Premier League, com a sétima colocação. Tinha alguns bons nomes à disposição, como Steven Pienaar, Marouane Fellaini e Kevin Mirallas, além do velho conhecido Leighton Baines. O Wigan ganhou por 3 a 0, ao provocar uma pane nos adversários entre os 30 e os 33 minutos do primeiro tempo. Os três gols saíram neste curtíssimo intervalo, com Maynor Figueroa, Callum McManaman e Jordi Gómez. A vitória dava até um gás aos Latics na Premier League, com triunfos sobre Newcastle e Norwich, que permitiam uma esperança de salvação.
E o clima positivo ao redor do Wigan auxiliou na visita a Wembley para as semifinais. O adversário era acessível: o Millwall, numa campanha que despencava na tabela da Championship. A vitória dos Latics por 2 a 0 levava o time para a decisão. Shaun Maloney abriu a contagem com uma chicotada na bola aos 25 minutos, após o cruzamento de Koné. O Wigan sobrava em campo, com as melhores chances, até matar a partida durante o segundo tempo. Com muita calma, Jordi Gómez deu uma enfiada de bola na medida e McManaman se infiltrou na área sozinho, driblando o goleiro antes de bater às redes vazias. Os Latics voltariam a Wembley em cerca de um mês.
A empolgação ao redor do Wigan não auxiliou dentro da Premier League. A equipe sofreu derrotas de peso para West Ham e Swansea que atrapalhavam suas pretensões de permanecer na elite, por mais que tivesse batido o West Brom. Os Latics ocupavam a antepenúltima colocação, dentro do Z-3, quando partiram à finalíssima da Copa da Inglaterra. E teriam seu maior desafio na decisão. O Manchester City não fazia sua temporada mais empolgante após conquistar o histórico título da Premier League no ano anterior. Caiu ainda na fase de grupos da Champions League, sem uma vitória sequer, e passou longe de brigar com o Manchester United pelo Campeonato Inglês. Mesmo assim, ficou com o vice na liga e vinha de eliminar o Chelsea nas semifinais da FA Cup. Roberto Mancini podia escalar um elenco estrelado o suficiente com Sergio Agüero, Carlos Tevez, Yaya Touré, David Silva, Vincent Kompany e Joe Hart. O favoritismo estava todo com os celestes.
O principal desfalque do Wigan para a decisão era Maynor Figueroa, embora o lesionado capitão Gary Caldwell tenha sido limitado ao banco de reservas. Em compensação, o retorno de Alcaraz para o miolo da zaga, após se recuperar de contusão recente, tinha grande importância. Roberto Martínez escalou a equipe num 4-3-3. Joel Robles era o goleiro na copa, com a linha defensiva formada por Emmerson Boyce, Paul Scharner, Antolín Alcaraz e Roger Espinoza. James McArthur e James McCarthy formavam a dupla de volantes, com Jordi Gómez na armação. Já na frente, uma trinca composta por Callum McManaman, Arouna Koné e Shaun Maloney. Longe de ser uma equipe que inspirava confiança, mas era um time que não tinha muitos problemas para encarar as potências da Premier League, com as vitórias recorrentes ao longo das temporadas na primeira divisão. Essa era uma das virtudes dos “incaíveis”.
Para motivar o elenco, o Wigan contratou um psicólogo, que acertou em cheio em sua metodologia. “Tivemos o apoio de um psicólogo às vésperas da final e, na véspera, fizemos um exercício no qual jogadores e outros funcionários tinham que escrever por que estavam orgulhosos de entrar em Wembley ao lado uns dos outros. Entregamos o exercício e não sabíamos como seria usado. Na manhã seguinte, todos acharam envelopes sob suas portas. Abrimos e vimos as mensagens de cada companheiro. Foi bastante emocionante e potente. Você realmente sentia o espírito de equipe e foi uma coisa fantástica de se fazer”, recontou o capitão Gary Caldwell. Isso injetou confiança nos Latics.
O primeiro tempo em Wembley teve sua dose de equilíbrio. O Wigan conseguia assustar o Manchester City a partir de suas subidas em velocidade. McManaman era quem mais causava problemas, ao flutuar da esquerda para o centro do ataque. Teve um chute que passou muito perto da trave de Joe Hart e também uma bola em que fintou o goleiro, embora Pablo Zabaleta tenha chegado no momento preciso para travar a finalização. Mas não que os Citizens também não criassem suas chances. O goleiro Joel Robles era um dos destaques dos Latics, com duas boas defesas. Chegou a pegar uma bola de Tevez no contrapé, na sorte, com o pé esticado. Por mais que os alviazuis acreditassem, os celestes tinham mais qualidade.
O segundo tempo teria menos emoções. O Manchester City travou na bem postada defesa do Wigan. E os azarões causavam problemas nos contragolpes. Se não tinham tantas chances de gol, limitados a uma falta cobrada por Maloney, pelo menos forçavam contra-ataques que expunham a linha defensiva dos Citizens. Aos 39 do segundo tempo, Zabaleta tomou o segundo amarelo por matar um contragolpe e acabou expulso. E não que Roberto Mancini tenha ido bem em suas mexidas. As decisões de trocar Carlos Tevez e Samir Nasri por James Milner e Jack Rodwell parecem péssimas hoje em dia. Especialmente quando Roberto Martínez acertou em cheio em sua única troca do lado alviazul.
Aos 36 do segundo tempo, Ben Watson entrou no lugar de Jordi Gómez. O meio-campista revelado pelo Crystal Palace era um mero coadjuvante do Wigan. Chegou em 2008, mas passou duas temporadas emprestado por QPR e West Brom na Championship. Geralmente esquentava o banco e ficou até alguns períodos com o time reserva. Durante aquela temporada 2012/13, aliás, disputou apenas 15 partidas. Foram cinco meses no estaleiro por conta de uma fratura na perna. Voltou no início de maio e estava no lugar certo, na hora certa, para garantir o gol que marcou a história dos Latics.
O tento da vitória do Wigan saiu aos 46 do segundo tempo, a partir de um escanteio. Maloney mandou uma bola com curva e Ben Watson meteu uma testada cruzada, no primeiro pau. O arremate firme não deu chances a Joe Hart. Num momento em que a prorrogação já parecia próxima em Wembley, o gol dos Latics afundava o Manchester City em desespero. Mancini tentou sua última cartada com a entrada de Edin Dzeko para os minutos finais, o que geraria pouquíssimos resultados. A façanha se consumava, com o título inédito do Wigan, um clube que sequer tinha disputado a elite inglesa até oito anos antes.
Depois da partida, Roberto Martínez exaltou o conto de fadas de Ben Watson: “A jornada completa do Wigan nesta Copa da Inglaterra foi sobre pequenas histórias como a de Ben. Todos no departamento médico nos disseram que ele estaria fora pelo restante da temporada. Ele trabalhou durante horas extras todos os dias e se empenhou, então veio para Wembley e marcou o gol da vitória. Já vi filmes com roteiros piores que este. Foi fantástico vê-lo marcar um gol. O maior orgulho para o Wigan é que não jogamos em redução de danos. Produzir esse nível de desempenho e ser o melhor time ao longo da partida foi muito prazeroso”.
O presidente Dave Whelan ainda vivia uma emoção especial com a conquista da FA Cup. O antigo jogador do Blackburn teve a oportunidade de disputar a decisão do torneio em 1960, aos 24 anos. Porém, no fim do primeiro tempo, o defensor levou a pior numa dividida e fraturou a perna. Precisou ir direto para o hospital e, em tempos sem substituições, viu os Rovers perderem por 3 a 0 diante do Wolverhampton, potência da época. Aquela contusão também abreviaria a carreira de Whelan. Nunca mais atuou pelo Blackburn e voltou apenas dois anos depois, mas sem engrenar no modesto Crewe Alexandra. Aposentou-se aos 30 anos e passou a se dedicar aos negócios, que um dia o permitiriam comprar o Wigan. Aquela taça representava uma enorme volta por cima em Wembley.
“Dave Whelan nos levou a campo e falou conosco antes da partida. Obviamente, todos nós sabíamos sobre a sua fratura na decisão de 1960 – as pessoas sempre faziam piadas com a gente de que ele contaria sua história mais uma vez. Mas, daquela vez, ele apenas recordou as memórias que tinha de Wembley, então nós tínhamos que sair e criar as nossas próprias memórias. Disse que isso seria fantástico e que deveríamos jogar para não termos arrependimentos. Então, Dave cumprimentou cada jogador antes de entrarmos em campo. Foi provavelmente seu momento de maior orgulho: liderar o time numa final de Copa da Inglaterra em Wembley, depois do que tinha acontecido 53 anos antes”, contou Emmerson Boyce, dono da braçadeira durante os 90 minutos contra o City, à BBC. A festa na cidade de Wigan seria ampla durante a comemoração, com direito a desfile em carro aberto e tudo. Era um momento simbólico para a localidade.
As consequências da derrota foram pesadas para Roberto Mancini. Dois dias depois, o treinador foi demitido pelo Manchester City. Vinha em crise interna e a aproximação com Manuel Pellegrini, em alta pelo trabalho à frente no Málaga, acelerou a saída do italiano. Já o Wigan precisou lidar com sua própria ressaca: o time incaível, no fim das contas, caiu três dias depois. Uma goleada do Arsenal por 4 a 1 no Estádio Emirates culminou no descenso dos Latics com uma rodada de antecedência. Seria agridoce o reencontro com a torcida na rodada final, em empate por 2 a 2 diante do Aston Villa no Estádio DW. De qualquer maneira, os alviazuis não deixariam de comemorar. Rebaixamentos vêm e vão para um time do tamanho do Wigan. Outra Copa da Inglaterra talvez nunca mais.
O Wigan lidou com um desmanche para a temporada 2013/14. Roberto Martínez assinou com o Everton e levou vários homens de confiança – James McCarthy, Arouna Koné, Antolín Alcaraz. Outros jogadores renomados também saíram, como Maynor Figueroa e Franco Di Santo. Entretanto, os Latics fizeram suas apostas em figuras como James McClean, Grant Holt, Scott Carson e Marc Albrighton. Apesar da Championship, não deixava de ser um atrativo a Liga Europa no horizonte. Os alviazuis caíram ainda na fase de grupos, numa chave que também contava com Rubin Kazan, Maribor e Zulte Waregem. E não conseguiram o acesso imediato na segundona, com a derrota para o QPR nos playoffs. Ao menos, deu para alcançar novamente as semifinais da Copa da Inglaterra. Os azarões eliminaram o Manchester City de novo, nas quartas de final, antes da queda nos pênaltis contra o Arsenal.
Pouca gente daquele Wigan emplacou. Mesmo os heróis em Wembley, Callum McManaman e Ben Watson, tiveram trajetórias modestas em clubes medianos da Inglaterra. E o próprio Wigan passaria a lidar com anos bem duros. Os Latics foram rebaixados na Championship em 2014/15. Dave Whelan deixou a presidência em março de 2015, com o cargo assumido por seu neto. Em 2016, uma estátua do mandatário com o troféu da FA Cup seria inaugurada diante do Estádio DW, num momento em que os alviazuis conquistavam também o acesso na League One. Mais um rebaixamento à Championship aconteceu em 2017, antes do novo acesso em 2018. Foi o momento em que Whelan preferiu sair de cena. A família do octogenário vendeu o clube para a International Entertainment Corporation, uma companhia baseada em Hong Kong.
Os novos donos do Wigan não tinham qualquer questão sentimental com o clube e qualquer compromisso além do lucro. A relação conturbada não demorou a desatar, com a pandemia aumentando a insatisfação dos investidores. Não à toa, os Latics foram colocados à venda em maio de 2020. Uma outra empresa de Hong Kong chegava e sequer os fundos prometidos foram depositados, o que levou a agremiação à insolvência. O Wigan entrou em recuperação judicial e passou a ter uma administração externa para contornar a crise, mas terminou a temporada 2019/20 rebaixado. Mesmo Dave Whelan, aos 83 anos, prometia voltar à cena para tentar melhorar a situação de seu clube do coração.
O Wigan teria novos donos do Bahrein a partir de 2021. A equipe passou duas temporadas na League One, até conquistar o acesso em 2021/22. Porém, caiu de imediato na Championship 2022/23. Foi uma campanha bastante ruim, em que os Latics passaram quase todo o segundo turno na zona de rebaixamento. Nem mesmo a volta do ídolo Shaun Maloney, agora como treinador, aliviou a situação. Os problemas estavam bem mais nos bastidores, com salários atrasados constantemente e falta de compromisso dos proprietários. A próxima temporada terá os Latics mais uma vez na terceirona, e sem muitas perspectivas sobre o que será do futuro. Parece um sonho pensar em dez anos atrás, especialmente quando o rival derrotado, o Manchester City, mira para uma tríplice coroa.