Utrecht e Vitesse: o lado bom do futebol holandês
O leitor talvez queira um texto sobre a crise no Ajax. Pois ficará querendo, pelo menos nesta semana. Porque talvez o vexame dos Ajacieden (já se sabe, fora de competições continentais pela primeira vez desde 1990/91, eliminado que foi pelo Rosenborg nos play-offs da Liga Europa) seja apenas o primeiro capítulo daquela que pode ser a pior semana do futebol holandês em muito tempo. Afinal, começou com as eliminações de Ajax e Utrecht na Liga Europa, e pode terminar na próxima quinta, caso a seleção holandesa perca para a França na sétima rodada do grupo A das eliminatórias da Copa de 2018 – o que deixaria a Laranja seis pontos atrás da segunda posição, virtualmente fora do Mundial.
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De mais a mais, já se falou muito aqui dos motivos que fizeram o otimismo do clube de Amsterdã decair velozmente, nestes 93 dias passados desde a final da Liga Europa contra o Manchester United: os desacertos da diretoria, o apego excessivo ao “estilo Ajax” que rendeu a saída de Peter Bosz, o planejamento desorganizado para a temporada etc. Então, ao invés de chover no molhado, é melhor começar citando outro clube holandês que, embora também eliminado da Liga Europa, deixou boa impressão, além de fazer bom começo de Campeonato Holandês: o Utrecht.
Poucas situações no futebol podem ser mais honrosas do que um time derrotado que recebe os parabéns do vitorioso. Foi exatamente o que ocorreu nesta quinta, via Twitter: o perfil oficial do Utrecht lamentou a queda (“Demos tudo, mas infelizmente não foi o bastante”), e o perfil do Zenit não só retuitou, mas também consolou (“Obrigado pelo grande jogo, vocês não poderiam ter deixado as coisas mais difíceis para nós”). De fato: para um clube atuando na frágil Eredivisie, os Utregs fizeram jogo duríssimo para o time de São Petersburgo nos play-offs. Ganharam o primeiro jogo (1 a 0), e na volta só se renderam na prorrogação (2 a 0, após 1 a 0 em 90 minutos). Chegaram até a ameaçar o Zenit, com chutes de fora da área.
Como se não bastasse, o início de Eredivisie do Utrecht mostra a sequência da boa temporada 2016/17: dois jogos, duas vitórias, sem gols sofridos (3 a 0 no NAC Breda, 2 a 0 no Willem II). Um estilo de jogo que segue mais moderno do que o envelhecido padrão tático do futebol holandês: um 4-2-3-1 relativamente forte na defesa, pelas boas atuações do goleiro David Jensen e do esforçado zagueiro/volante Willem Janssen, capitão da equipe. E que tem força e talento no meio e no ataque. A chegada de Urby Emanuelson turbinou os avanços pela esquerda (Edson Braafheid fica na lateral), enquanto Sander van de Streek, outro reforço, tem cuidado bem da marcação.
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Na armação das jogadas, Zakaria Labyad, que já ganhava espaço paulatinamente na temporada passada, virou titular absoluto após a saída de Nacer Barazite – e emplacou, com a ajuda de Yassin Ayoub. Assim como outra aposta, Cyriel Dessers. O atacante belga de ascendência nigeriana chamara a atenção na repescagem de acesso/descenso, ao marcar seis gols em quatro jogos e ser o destaque na promoção do NAC Breda. Foi prontamente contratado para substituir Sébastien Haller, e não tem decepcionado: dois jogos, três gols de Dessers pelo Utrecht. A comandar isso tudo, um Erik ten Hag já sendo considerado o melhor técnico da Eredivisie, há algum tempo – e que merecerá atenção, numa eventual reformulação da seleção holandesa. Mostra modernidade e sabe impor um estilo ofensivo, tão ao gosto de torcida e imprensa, sem descuidar da defesa.
Mas se o Utrecht começou tão bem assim, porque não lidera o Campeonato Holandês? Porque outro time acertou ainda mais nas contratações, e se mostra ainda mais ofensivo: o Vitesse. Entre os reforços para a temporada, já se esperava bastante do atacante Tim Matavz e do meio-campista Thomas Bruns. Pois estão trazendo: nos dois jogos, cada um marcou o seu gol. O que ajudou o time da cidade de Arnhem a conseguir bons resultados – como na goleada da estreia, 4 a 1 sobre o NAC Breda.
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Outro importante reforço foi mais útil para o esquema tático do técnico Henk Fräser: com sua velocidade e vitalidade, Thulani Serero consegue se desdobrar na marcação, para liberar Thomas Bruns e Navarone Foor, dentro do 4-3-3 típico com que o Utrecht joga. Some-se a isso o bom começo de gente que já estava vestindo aurinegro na temporada passada, como o atacante albanês Milot Rashica e o zagueiro Guram Kashia – capitão e ídolo da torcida -, e o Vitesse mostra capacidade para voltar a ser um clube médio logo abaixo do topo. Nem mesmo a saída do goleiro Eloy Room, agora reserva de Jeroen Zoet no PSV (pelo menos se Zoet não sair), perturba.
Sim, ainda é o começo. Sim, por piores que estejam, os três grandes devem monopolizar a disputa do título – e estar pior nem é o caso do Feyenoord, que também venceu os dois jogos e garantiu grande contratação (para o nível do futebol holandês, claro) com Sam Larsson, atacante do Heerenveen. Ainda assim, pelo começo e pelo que têm, Utrecht e Vitesse podem sonhar em desafiar os graúdos e fazerem boas campanhas. Claro, boas campanhas para o padrão técnico cada vez mais baixo do futebol holandês.