Bélgica, enfim, se fez respeitar

A Bélgica avançava na Copa do Mundo. Foi uma das quatro seleções com 100 por cento de aproveitamento na primeira fase. Mostrou evolução ao longo dos jogos – lenta, mas uma evolução. Só que exatamente por ter obtido dificuldades num grupo que aparentemente tinha nível técnico baixo, estava deixando descontentes os que apostavam tanto nela. No máximo, a defesa merecia algum destaque. De resto, só o que se perguntava era pela decantada geração belga. Se ela daria algum show.
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Obviamente, os Diabos Vermelhos não deram show na vitória contra os Estados Unidos, que os levou às quartas de final da Copa do Mundo. Mas mostraram uma maturidade que parecia faltar. Foram um time inegavelmente ofensivo. Não se desesperaram nem mesmo após o grande susto que foi a chance de Chris Wondolowski para dar a classificação aos norte-americanos, nos acréscimos do segundo tempo. Por isso, o time belga já recuperou o respeito que lhe fugira no começo da Copa.
E a seleção ganhou o respeito de volta, em grande parte, por causa de sua defesa. Algumas vezes, ela sofreu contra os Estados Unidos. Principalmente quando Yedlin avançava pela direita, aproveitando os buracos que Vertonghen deixava de vez em quando. Só que, invariavelmente, o miolo de zaga da Bélgica resolvia os problemas, pelo alto ou por baixo.
Poderia ter sido bem diferente, já que Kompany, capitão do time e líder da defesa, teve sua escalação confirmada somente horas antes do jogo. A lesão na virilha que já motivara sua exclusão do jogo contra a Coreia do Sul continuava preocupando. A ponto de Marc Wilmots ter advertido laconicamente, na entrevista coletiva da segunda, já em Salvador: “As chances dele jogar são de 50%. Conheço o tipo de lesão que ele teve, e ela pode dar sinais até um dia depois do teste [que seria na noite da segunda]”.
Mas o zagueiro passou pelo teste, não sentiu mais dores que o impedissem e foi para o jogo. E Kompany teve outra atuação segura, apenas tomando os devidos cuidados com Dempsey, enquanto Van Buyten também cuidou bem de Bedoya. E quando a zaga não evitava os avanços do US Team, Courtois estava lá. Embora não tenha sido espetaculoso como Howard, o goleiro belga seguiu sendo garantia de segurança, bem posicionado e fazendo defesas seguras.
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Vertonghen, por sua vez, merece destaque. Deixou para trás o nervosismo da primeira fase, crescendo a ponto de ter arriscado idas ao ataque como faz quando escalado como zagueiro, e também trouxe cruzamentos úteis pela direita – muito embora tenha tido trabalho com Yedlin, como mencionado. Alderweireld, por sua vez, começou do mesmo modo, mas aos poucos foi se concentrando nas funções defensivas.
No meio e no ataque é que começaram os problemas. Não em relação ao nível dos jogadores belgas. Fellaini seguiu no bom nível que tem demonstrado na Copa, Witsel foi correto na marcação, e De Bruyne é uma cabeça rapidíssima na criação de jogadas, assumindo cada vez mais o protagonismo que antes caberia a Hazard dentro da seleção belga. O primeiro gol foi um prêmio àquele que talvez seja o melhor jogador do time no Mundial, junto de Fellaini.
E o ataque também demonstrou vontade, pelo menos. Mertens caiu um pouco de produção, mas quis jogo enquanto esteve em campo. Seu substituto, Mirallas, também trouxe velocidade. E escalado merecidamente como titular, Divock Origi criou muitas jogadas para finalizar. Só que, na hora de tirar o 10, todos eles falhavam. Primeiramente, pelo excesso de preciosismo, pelo toque a mais. Segundo, porque quando a conclusão era direta, invariavelmente parava em Tim Howard, de atuação impressionante na Fonte Nova. De quebra, ainda veio o susto de Wondolowski.
Só então Marc Wilmots tirou a carta da manga. Ao colocar Origi como titular, indiretamente o técnico punia Romelu Lukaku pela inatividade demonstrada na área durante a fase de grupos. Camisa 9 posto em campo a partir da prorrogação, ele justificou sua entrada no segundo minuto da primeira parte do tempo extra, ao fazer o toda a jogada pela direita e deixar a bola fácil para De Bruyne, enfim, abrir o placar.
Depois, Lukaku fez o próprio gol. E enfim, provou o porquê de ser considerado o atacante belga mais capacitado desta seleção. Os Estados Unidos tentaram, fizeram o gol com Julian Green, mas aí pararam na segurança de Van Buyten, Kompany e Courtois. E a Bélgica, enfim, ganhou uma vitória madura o suficiente para poder considerar que já satisfez as expectativas de todos. E valorizou o rival, como Kompany postou em seu perfil no Twitter: “Duas palavras: Tim Howard. #respeitei”.
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O rival das quartas é desafiador. Sem dúvida, nenhum adversário que a Bélgica teve nesta Copa tem a técnica da Argentina. Principalmente quando se fala do ataque. Principalmente quando se fala de Di María e Messi, que podem atazanar De Bruyne e Kompany como Maradona, sozinho, infernizou a vida de Vervoort, Grün, Renquin e Gerets na semifinal da Copa de 1986.
Só que a Bélgica acredita em si. Sabe que não só afastou um eventual vexame, mas também já preencheu as expectativas básicas. E a Argentina mostrou que não é imune a pressões, conforme a Suíça mostrou no trepidante fim de prorrogação desta terça. As palavras de Marc Wilmots na coletiva após o jogo exibem confiança: “Nosso torneio não acabou, quero chegar entre os quatro. Talvez não sejamos os favoritos, mas tentaremos jogar impondo respeito de novo”. Claro, a tendência é de cuidados maiores na defesa. Mas se havia alguma dúvida sobre a qualidade belga, ela se foi nesta terça.