Eurocopa 2024França

Momento excepcional de Benzema e necessidades da seleção abriram o caminho para a reconciliação do jogador com Deschamps

Atacante do Real Madrid foi novamente convocado para a seleção francesa depois de mais de cinco anos e meio sem defender a equipe

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Mais de cinco anos e meio após a sua última partida pela seleção francesa, Karim Benzema foi enfim convocado novamente para defender os Bleus. O técnico Didier Deschamps incluiu o atacante em sua lista de 26 nomes para a disputa da Eurocopa, que começa em 11 de junho. A reconciliação, que por muito tempo pareceu impossível, acontece em um momento de “necessidade recíproca”, como bem definiu Deschamps, e em que a potência de Benzema e o valor que ele poderia trazer à equipe já não podiam mais ser ignorados.

Desde a saída de Cristiano Ronaldo para a Juventus em 2018, Karim Benzema assumiu o posto de líder técnico do Real Madrid e acumulou grandes atuações e muito protagonismo nos melhores momentos da equipe merengue no período.

Enquanto parceiro do português, o camisa 9 havia desenvolvido a sua contribuição coletiva ao se sacrificar para o sucesso do antigo camisa 7, sobre quem estava naturalmente concentrado o jogo ofensivo madridista. Após a saída de Ronaldo, Benzema acrescentou ao seu jogo mais gols, já que havia se tornado o ponto focal ofensivo. Multiplicou seus tentos, indo de 19 em 2016/17 e 12 em 2017/18 para 30, 27 e 29 gols marcados nas últimas três temporadas.

À medida que foi acumulando estas campanhas bem-sucedidas, a pressão foi crescendo pelo retorno de Benzema à seleção francesa, mas a reconciliação com Didier Deschamps parecia impossível. Desligado dos Bleus em 2015 após o escândalo da sextape de Mathieu Valbuena, seu então companheiro de seleção e vítima de uma chantagem por parte de um amigo de infância de Benzema, o atacante do Real Madrid havia complicado a sua situação ao conceder uma entrevista ao Marca em 2016, falando de sua ausência na Eurocopa sedeada na França e sobre como o selecionador havia “cedido a uma parte racista do país” ao tirá-lo da equipe. Como consequência da fala, Deschamps teve o muro de sua casa pichado com a palavra “racista”, e o que a imprensa francesa relata é que desde então os dois não se falaram – até cerca de um mês atrás.

Na última data Fifa, em março deste ano, enquanto Benzema vivia um dos pontos altos de sua temporada, a seleção francesa fazia jogos pelas eliminatórias europeias para a Copa do Mundo de 2022. O saldo daquela sequência de partidas, positiva nos resultados, foi preocupante para Didier Deschamps. Um empate contra a Ucrânia por 1 a 1 foi acompanhado de duas vitórias nada convincentes contra Cazaquistão (2×0) e Bósnia (1×0).

A movimentação ofensiva e a qualidade no terço final, em especial, reforçaram ao técnico a insuficiência de suas opções de momento para o posto de atacante, impactadas por suas circunstâncias em seus respectivos clubes. Olivier Giroud havia perdido espaço desde a chegada de Thomas Tuchel no Chelsea, Anthony Martial vivia temporada decepcionante pelo Manchester United e sofria também com problemas físicos, enquanto Wissam Ben Yedder nunca foi o nome imaginado pelo treinador para ocupar o posto.

O contraste desta insatisfação com o brilho das atuações de Benzema foi um primeiro caminho para a mudança de direção no pensamento de Deschamps, mas faltava uma etapa importante, e ela veio nos meses seguintes: o reestabelecimento do contato entre jogador e técnico. Em sua entrevista coletiva de anúncio da lista de convocados, Deschamps se recusou a entrar em detalhes sobre o diálogo com o atacante, mas afirmou que tirou o tempo necessário para “pensar, sentir e analisar o que havíamos conversado. (…) A partir do momento em que a necessidade era recíproca, estava feito. Sem esta etapa, não teria sido possível”.

O jornal L’Équipe informa que, antes do diálogo, Deschamps se viu confrontado por aquilo que havia observado especialmente na data Fifa de março e compartilhou sua ideia de reaproximação com Benzema com Guy Stéphan, seu assistente, e Noël Le Graët, presidente da Federação Francesa. Deschamps então teria recebido a benção do último, que sempre manteve o desejo de ver o atacante novamente com a camisa da seleção. “Conversamos sobre isso (retorno de Benzema) há um mês. Evidentemente, eu imediatamente dei meu apoio. Sempre desejei que a história terminasse assim, vocês sabem bem”, contou Le Graët ao jornal francês.

Por mais que a reação geral da opinião pública na França seja de êxtase pelo acréscimo de um dos melhores jogadores do mundo a um conjunto já campeão e bem-sucedido, existe uma pequena parcela que suscita preocupação com como a volta de Benzema poderia afetar o equilíbrio de um vestiário bem estabelecido. Vale lembrar, afinal, que um dos pontos fortes do trabalho de Didier Deschamps desde que assumiu a equipe em 2012 foi criar uma unidade e um sentimento de instituição à frente dos indivíduos, colocando fim à propensão da seleção francesa a problemas internos como os ocorridos na Copa do Mundo de 2010, com uma greve do elenco, e na Eurocopa de 2012, com múltiplos problemas de indisciplina, o principal deles o “cala-boca” de Samir Nasri ao jornal L'Équipe e seus insultos a um jornalista da agência de notícias AFP.

Se levarmos em consideração algumas das reações de atuais representantes dos Bleus após o anúncio da convocação de Benzema, no entanto, tudo aponta para um clima cordial e uma recepção calorosa ao atacante. Em entrevista à emissora BFMTV, Kingsley Coman, do Bayern de Munique, destacou a “carreira extraordinária” de Benzema e afirmou que “todo amante do futebol está contente de vê-lo no grupo. (…) Será uma oportunidade de aprender a conhecê-lo, é um grande acréscimo ao time”. À rádio RMC, Tolisso, companheiro de Coman no Bayern, acrescentou: “Estou muito feliz, é um jogador que eu via jogar quando estava no centro de formação (do Lyon), quando ia ao estádio com o meu pai”. O veterano Steve Mandanda foi outro a expressar sua felicidade, ressaltando que, “visto o nível que ele tem demonstrado há vários anos, será claramente uma vantagem (para o time)”.

Nenhuma dessas reações, no entanto, repercutiu tanto quanto a de Kylian Mbappé. Como um garoto que ganha a chance de jogar com uma estrela que acompanhou enquanto crescia, o atacante do PSG publicou uma montagem em seu Instagram em que aparece celebrando um gol com Benzema, acrescentando a legenda “KB x KM”, acompanhada de vários emojis de chama, na melhor expressão de expectativa pelo que a dupla pode fazer junta que poderíamos pensar nos dias atuais.

De volta à seleção, o momento agora é de imaginar como Benzema pode se encaixar nesta equipe e como isso deverá potencializar o jogo francês. Com um elenco repleto de estrelas, Didier Deschamps tem inúmeras possibilidades, mas, olhando para o padrão recente da seleção francesa, as preferências do treinador e os testes que já realizou, três sistemas principais se destacam.

O esquema mais provável a ser adotado é o 4-2-3-1. O próprio Deschamps afirmou em entrevista recente à Bein Sports que o sistema é o seu preferido por permitir que a equipe seja mais sólida “seja em termos de largura, profundidade ou de intervalos, e quando digo sólida não penso especialmente no aspecto defensivo”. Neste esquema, Benzema assumiria o posto normalmente ocupado por Giroud, à frente de Griezmann, com Mbappé e Coman ou Dembélé abertos pelas pontas.

Levemente diferente, mas parecido nas peças que seriam utilizadas, temos o 4-3-3. Nele, Griezmann seria levemente deslocado para um dos lados, mais provavelmente o direito, com Benzema no comando de ataque e Mbappé pela esquerda. Isso possibilitaria maior solidez no meio de campo, com Kanté e Pogba ganhando a contribuição de um terceiro homem, possivelmente Adrien Rabiot ou Tolisso.

Por fim, testado no ano passado, o 3-4-3 também aparece como opção. Pavard e Hernández seriam empurrados para as posições de alas, garantindo a largura e possibilitando uma atuação um pouco mais centralizada de Mbappé e Griezmann ao lado de Benzema no ataque.

Independentemente da escolha de esquema de Deschamps, a expectativa será grande sobre o que Benzema pode entregar no auge de sua carreira e sobre o nível que esta seleção poderá apresentar, com um teto de potencial tão alto. O grande palco da Eurocopa é a oportunidade perfeita para colocar isto à prova.

Paralelamente a este lado esportivo, no entanto, o escândalo da sextape de Valbuena que desencadeou toda a crise entre jogador e seleção não teve seu desfecho, e isso pode condicionar o futuro de Benzema na seleção. Para sua sorte, o desenrolar da história acontecerá apenas após a Euro.

Em janeiro, o Ministério Público de Versalhes anunciou que o jogador seria julgado no tribunal criminal de Versalhes em outubro deste ano. Benzema é acusado de “tentativa de chantagem”, suspeito de ter incitado Valbuena a pagar seus chantageadores, e pode ser condenado a até cinco anos de prisão e a uma multa de € 75 mil. Além do atacante, outras quatro pessoas também serão julgadas no caso por tentativa de chantagem, com uma delas também respondendo por abuso de confiança.

Foto de Leo Escudeiro

Leo Escudeiro

Apaixonado pela estética em torno do futebol tanto quanto pelo esporte em si. Formado em jornalismo pela Cásper Líbero, com pós-graduação em futebol pela Universidade Trivela (alerta de piada, não temos curso). Respeita o passado do esporte, mas quer é saber do futuro (“interesse eterno pelo futebol moderno!”).
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