Ligue 1

Protesto inusitado da torcida foi a culminação de meses de problemas para o Lyon

Problemas financeiros, mercado tímido, atritos entre John Textor e o antigo dono e técnico balançando por resultados ruins: a crise chegou com tudo ao Lyon

O último domingo foi complicado para o Lyon. A derrota por 4 a 1 para o Paris Saint-Germain, em casa, terminou com uma cena bizarra: os jogadores, unidos na entrada da área após o apito final, ouvindo um líder de torcida dar uma bronca daquelas pelo microfone. Não foi apenas por causa daquele resultado, mas a eclosão de um acúmulo de problemas, dentro e fora de campo.

Laurent Blanc balança

Apesar de ser um dos clubes mais bem estruturados da França, e com bons recursos para a realidade da Ligue 1, o Lyon não disputa a Champions League desde a temporada 2019/20. Em todo esse período, teve apenas uma campanha europeia, na Liga Europa, depois de ser quarto colocado em 2020/21. Está aquém do que pode fazer faz tempo. Foi oitavo e sétimo colocado, respectivamente, nos últimos dois anos. Então a paciência já não era abundante antes da temporada.

O Lyon conseguiu perder todos os amistosos de preparação (Manchester United, Molenbeek, Celta de Vigo e Crystal Palace), menos para o De Treffers, da terceira divisão holandesa. Laurent Blanc assumiu de Peter Bosz em outubro do ano passado e até melhorou os resultados, mas nada dramático. Faltaram cinco pontos para uma vaga na Conference League, e a nova campanha começou muito mal: três derrotas e um empate. Antes do PSG, o Montpellier também fez 4 a 1 na casa do Lyon.

Depois dessa partida, o próprio Laurent Blanc, que desde que deixou o PSG em 2016 teve apenas um trabalho breve no Catar, disse que a solução era simples: trocar o técnico. E parece que a diretoria está ficando afim de acatar a sugestão porque ele corre o risco de ser demitido em breve, talvez ainda nesta Data Fifa. Os nomes de Will Still, comandante do Stade Reims, e Thiago Motta são especulados. O L’Equipe acrescentou Graham Potter, ex-Chelsea e Brighton, à lista.

E não é que ele balança apenas por impressão.

– É verdade que o verão foi difícil, mas até onde eu sei, os órgãos de supervisão não jogam futebol. As equipes adversárias têm menos recursos que nós, os nossos jogadores são superiores aos de muitas formações. Não podemos tolerar maus resultados duradouros e ele (Blanc) sabe disso. Acho que é hora do treinador fazer seu trabalho como treinador. Peço que modere suas observações junto à imprensa e garanta que o seu trabalho fale por si. Ele sabe que espero que ele gerencie e motive talentos. Estamos todos avaliando a situação – disse Textor, semana passada, antes da goleada para o PSG, segundo o Le Parisien.

Ele depois pediu que os jornalistas “não escrevessem que Blanc está ameaçado” porque não disse isso com essas palavras, embora tenha dito com todas as outras.

Laurent Blanc durante jogo do Lyon no Campeonato Francês (Foto: Icon Sport)

Promessas vendidas

A atual temporada é a primeira completa com John Textor, que comprou o Lyon de Jean-Michel Aulas em dezembro. Significa que a janela de transferências que fechou na última sexta-feira também foi a primeira de verão, a mais importante das duas, sob nova administração. E os sinais não foram exatamente promissores. Não houve grandes reforços e, principalmente, duas grandes promessas das categorias de base foram vendidas.

Os gastos não chegaram a € 20 milhões. Os nomes mais conhecidos são o zagueiro Duje Caleta-Car, ex-Southampton, e Ainsley Maitland-Niles, ex-Arsenal. Chegaram alguns garotos, como Clinton Mata, do Club Brugge, e Skelly Alvero, do Sochaux, mas nada que pudesse impulsionar o Lyon a se aproximar do pelotão de frente. Por outro lado, os jovens Castello Lukeba e Bradley Barcola foram vendidos para RB Leipzig e PSG respectivamente.

Nomes mais experientes como Karl Toko Ekambi, Moussa Dembélé e Houssem Aouar também se foram, mas abrir mão de garotos pega pesado com a torcida porque a formação de jogadores faz parte da identidade do clubes. Embora relevantes, as propostas não chegaram a ser irrecusáveis (€ 45 milhões por Barcola, € 30 milhões por Lukeba).

Por que o Lyon está sem dinheiro?

O Lyon está com dificuldades financeiras no momento. A Direção Nacional de Controle de Gestão, órgão supervisor das finanças do futebol francês, decidiu punir o clube em meados de julho, monitorando as transferências e a folha salarial para a temporada 2023/24, porque não ficou satisfeita com as garantias financeiras apresentadas por Textor. O dono da SAF do Botafogo tentou mover alguns ativos dentro da sua holding, a Eagle’s Football, para reverter a decisão, sem sucesso.

Com essas amarras em vigor, uma transferência em especial chamou a atenção. O Molenbeek, outro clube sob o guarda-chuva de Textor, comprou o garoto Ernest Nuamah, do Nordsjaelland, por € 25 milhões, mais € 5 milhões em bônus. A transferência mais cara da história do clube, de longe, e também do Campeonato Belga. Foi um claro drible às restrições financeiras.

– A transação é uma operação tradicional de compra e empréstimo, realizada em total conformidade com os regulamentos da Fifa, sob a supervisão da Direção Nacional – respondeu Textor – É verdade que esta operação de compra e empréstimo é excepcionalmente importante para um clube recentemente promovido na Bélgica. Também é verdade que o Molenbeek, que não é propriedade integral do Eagle, poderá se beneficiar do valor crescente dos direitos econômicos do jogador se ele tiver sucesso no Lyon. Não é a primeira vez que um clube pequeno pode se beneficiar da associação com uma empresa mãe multi-clube.

O americano afirmou também que o dinheiro para a transferência foi garantido por um banco comercial brasileiro e faz parte dos mesmos fundos que foram apresentados à Direção Nacional. E aproveitou para culpar a gestão anterior pelas dificuldades.

– Os reguladores da saúde financeira do futebol, a DNCG, desafiaram-nos a executar nosso plano de negócios com austeridade, como era necessário para restaurar as nossas fundações que tinham sido gravemente danificadas após três anos de decepções esportivas e baixos rendimentos. Elas também foram fortemente afetadas pelo aumento dos níveis de dívida, ligados aos impactos da Covid, cujas consequências continuam até hoje – disse.

– Não estamos satisfeitos em iniciar o nosso mandato de gestão (no Lyon) com limites de gastos na nossa primeira janela de transferências. Não é tão divertido quanto eu gostaria, mas é nossa realidade atual. As decisões da DNCG podem parecer dolorosas, mas suas preocupações com a saúde financeira do nosso clube são certamente justificadas – completou.

Textor x Aulas

Na mesma entrevista em que ameaçou-mas-não-ameaçou o cargo de Laurent Blanc, Textor acusou Aulas de ter omitido informações importantes sobre a saúde financeira do Lyon durante o processo de negociação, citando um e-mail, três dias antes da concretização do negócio.

– Embora o assunto do e-mail se intitulasse ‘DNCG: decisão positiva’, um aviso da DNCG foi enterrado em uma enxurrada de informações. Esse e-mail foi enviado apenas para mim, não para os advogados ou outras partes (envolvidas). Se eu soubesse dessas restrições, teria pedido para parar de negociar. Em vez de dar meio bilhão aos vendedores, eu teria baixado o preço de compra e colocado mais dinheiro nas costas do clube. Essa é de fato uma das razões das nossas dificuldades com Jean Michel. Acho quase engraçado, mas na verdade trágico, que ele diga que teria resolvido a situação porque foi ele que presidiu a deterioração do negócio e escondeu as más notícias – disse, de acordo com o Le Parisien.

Claro que Aulas ameaçou processá-lo.

– Imagino que esses comentários não sejam de John Textor porque, ao fazê-los, ele se expõe a um processo por difamação e ainda arrisca sanções catastróficas ao Lyon da DNCG e da liga francesa – escreveu o ex-dirigente no Twitter.

E ao Téléfoot, cutucou as vendas de Lukeba e Barcola.

– Eu não esperava ver Lukeba e agora Bradley saírem. Eu nunca teria vendido Barcola. Nunca – disse o ex-presidente.

O protesto da torcida

Depois de tudo isso, fica mais fácil entender por que a torcida perdeu a paciência.

– Para vocês, elenco 2023/24 do Lyon, a mensagem é para vocês, pelo menos alguns de vocês. Aos que assuem o status de líderes do vestiário, a mensagem é clara. Se existem líderes no vestiário, eles perderam o direito de ficarem quietos. Vocês estão vestindo a camisa do Olympique Lyonnais e têm que nos ouvir. São vocês que usam a camisa do Lyon. Outros que a vestiram antes de vocês a glorificaram. Vocês não têm o direito de manchá-la – disse o rapaz do microfone.

– Agora que a janela de transferências fechou, este é o time. Pedimos apenas uma coisa: esteja no nosso lado. Mas, para isso, vocês têm que fazer por merecer. Amamos e respeitamos esta camisa. Pedimos apenas para gritar o nome de vocês com amor, não como gritamos os dos merdinhas que deixaram o clube nos últimos seis meses. Queremos cantar o nome de vocês com respeito e amor. Porque nós sabemos que vocês jogam com o coração. Mas esperamos que vocês respeitem nossa camisa e deem de tudo em campo. E se perdemos, vamos manter a cabeça erguida. Vai, OL!

Foto de Bruno Bonsanti

Bruno Bonsanti

Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de aterrissar no site que sempre gostou de ler (acredite, ele está falando da Trivela). Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.
Botão Voltar ao topo