Por tudo o que ele jogou na final, também é preciso lamentar o novo vice de Perisic
O lamento maior sobre a Croácia vice da Liga das Nações gira ao redor de Modric, mas Perisic era outro que merecia demais um troféu - e se empenhou muito por isso
Luka Modric para sempre será o grande craque da Croácia que não se cansou de lutar no mais alto nível durante os últimos anos. O craque liderou os croatas rumo à decisão da Copa do Mundo de 2018 e às semifinais de 2022, assim como flutuou em campo na Liga das Nações. No entanto, o maestro teve ótimas companhias ao longo dessas jornadas. Nomes como Ivan Rakitic, Mario Mandzukic, Marcelo Brozovic, Mateo Kovacic e Ivan Perisic ganharam status igualmente lendários no país. O vice na Nations é doloroso especialmente a Modric, porque parecia a ocasião perfeita para que os croatas enfim se eternizassem como campeões, num dos últimos atos da carreira do capitão. Entretanto, outros tantos se prontificavam à coroação. E, por aquilo que jogou na decisão, Perisic foi quem mais se esforçou pelo título. Merecia demais a glória em Roterdã.
Perisic possui um lugar muito alto na hierarquia da seleção da Croácia. O ponta é o terceiro jogador com mais aparições pela seleção, com 127 partidas. Ainda está distante dos 166 jogos de Modric, mas superar os 134 de Darijo Srna parece apenas questão de tempo. Além disso, Perisic é também o segundo maior artilheiro da história da equipe nacional. Igualar os 33 tentos de Mario Mandzukic soa até como uma façanha, embora provavelmente não vá passar os 45 de Davor Suker. Números que exaltam a onipresença de Perisic nos grandes feitos desta geração.
Perisic estreou pela Croácia em 2011, pouco antes de tomar a posição de titular. Jogou a Euro 2012, foi um dos melhores do time na Copa de 2014 e também causou grande impacto na Euro 2016. Os croatas começaram a indicar sua verdadeira capacidade competitiva naquela campanha, sobretudo pela vitória por 2 a 1 sobre a Espanha, que teve gol e assistência de Perisic. Entretanto, o duro duelo nas oitavas contra Portugal encurtou o caminho. Teriam que esperar mais dois anos até que a sensação realmente se confirmasse, na Copa de 2018.
Diferentes jogadores da Croácia tiveram seus momentos de brilho na Copa de 2018. Perisic se agigantou exatamente nos mais importantes. Arrebentou contra a Inglaterra, nas semifinais, ao lado de Mandzukic. O ponta fez o gol de empate e garantiu a assistência decisiva. Também deixou sua marca na final, mas nada suficiente para evitar o título da França. Sua influência seria menor na Euro 2020, numa campanha em que os croatas não engrenaram. Mesmo assim, fez uma partidaça contra a Escócia, na única vitória do time, e sua ausência seria lamentada contra a Espanha, desfalque por pegar covid. Já na Copa de 2022, Perisic de novo se transformou num monstro. Fez um torneio muito consistente e desequilibrou sobretudo nas oitavas de final, contra o Japão.
A carreira de Perisic por clubes possui ótimas passagens. Virou xodó precocemente do Club Brugge, depois fez parte do Borussia Dortmund bicampeão alemão, seria excelente num Wolfsburg que jogou o fino na Alemanha. Virou um trunfo na Internazionale, quando contribuiu à reconstrução do clube como campeão. Mesmo no Bayern de Munique, em poucos meses, foi um reserva útil para conquistar a Tríplice Coroa. E tenta criar sua identificação no Tottenham, com alguns bons momentos, embora uma temporada abaixo na Premier League. A trajetória respeitável em diferentes países, ainda assim, é menor do impacto que Perisic provoca na seleção da Croácia. Com a camisa xadrez, provavelmente só Modric é maior nesta geração.
O auge de Perisic na seleção sempre aconteceu na ponta. Zlatko Dalic, no entanto, resolveu aproveitar o veterano como uma arma na lateral esquerda durante a Liga das Nações. Sua estreia no torneio não chamou tanta atenção assim, com pouca influência na épica vitória por 4 a 2 sobre a Holanda nas semifinais. Já na decisão, Perisic sobrou como o melhor em campo. Luka Modric e Marcelo Brozovic foram muito bem na final, assim como Rodri e Jordi Alba estiveram entre os melhores da Espanha. Nada comparado à forma como o veterano reluziu pelo lado esquerdo da Croácia.
Perisic tinha duelos particulares contra a Espanha. Marco Asensio entrou para ser um incômodo maior ao veterano. Acabou no seu bolso. Era o jovem quem precisava se preocupar com Perisic, que toda hora partia para cima de Jesús Navas e causava pesadelos no ídolo do Sevilla. Impressionou o fôlego do croata ao longo dos 120 minutos. Alguns dos melhores lances da Croácia dependiam do apoio de Perisic, avançando à linha de fundo e mesmo criando a partir de lançamentos. Para sua infelicidade, os companheiros não estavam ligados na intensidade máxima como ele. E não foram poucas vezes em que Perisic também apareceu para finalizar, até para aproveitar sua capacidade de cabeça no segundo pau. Deu trabalho. Quando precisou ajudar atrás, até na defesa o camisa 14 foi decisivo. Ansu Fati só não marcou porque ele estava lá, para salvar em cima da linha.
Na disputa por pênaltis, a cobrança mais tensa caiu nos pés de Perisic. Lovro Majer tinha acabado de perder para a Croácia e, no quinto chute, um erro do veterano poderia culminar na derrota do time. Ele não titubeou e converteu, dando sorte ainda quando viu Aymeric Laporte desperdiçar. O problema é que Bruno Petkovic também parou em Unai Simón e o troféu escapou das mãos croatas. Seria mais um vice para uma geração excepcional. Nem todos mereciam aquele amargor.
Modric está prestes a completar 38 anos e sua própria continuidade na seleção está em xeque. A aproximação do fim da carreira gera, obviamente, uma impressão grande de que a almejada taça com a Croácia nunca virá. Mas não é apenas ele que lamenta. Sem Modric, as dificuldades para buscar o troféu são muito maiores. E não que Perisic tenha tanto tempo a mais, aos 34 anos. O senso de oportunidade do veterano estava claro neste domingo, pela forma como ele se empenhou em Roterdã e ofereceu seu máximo. Desta vez, porém, não seria suficiente. Fica a lacuna numa carreira cheia de façanhas – outras tantas pela seleção, mas não um caneco.