Europa

Janne Andersson encerrou ciclo na Suécia que começou promissor e terminou melancólico

A uma vitória da semifinal da Copa do Mundo em 2018, o trabalho de Andersson se desintegrou nos últimos dois anos

Janne Andersson chorou antes do apito inicial. Era a primeira vez que os seus netos estavam no estádio, segunda a esposa Ulrika Andersson. E a vitória contra a Estônia no último domingo era a última vez que ele seria o comandante da seleção sueca, depois de sete anos, quase 100 partidas e um trabalho que terminou de maneira melancólica, embora tenha tido alguns bons momentos.

A Federação Sueca havia confirmado no começo de outubro que Andersson deixaria o cargo que ocupava desde 2016 se não conseguisse classificação à Eurocopa. Foi basicamente o anúncio da sua saída porque a vaga ainda era possível, mas muito improvável. Precisava ganhar os últimos três jogos e torcer para a Áustria perder de Bélgica, Azerbaijão e Estônia. Nenhuma das duas coisas aconteceu.

Andersson falou em tom de despedida antes das partidas de novembro.

– O sentimento é especial, como antes do primeiro. Tivemos 92 jogos (agora 94). É muito tempo. Eu disse ao (auxiliar técnico) Peter (wettergren) que ficamos muito tempo na escola. Digamos que começamos na primeira série em 2016 e agora estamos na oitava série. É um pouco triste e melancólico quando você vai embora. Mas essa última reunião será divertida – disse.

A última reunião começou com uma derrota vergonhosa para o Azerbaijão, com direito a gol do meio-campo, o que poucas pessoas caracterizariam como divertida, e também deixou bem claro por que a Suécia decidiu que era a hora de mudar de direção.

O capítulo Ibrahimovic

Ibrahimovic, Suécia (Foto: Icon Sport)

Andersson chegou à seleção em 2016, após um longo trabalho no Norrköping, pelo qual havia sido campeão sueco no ano anterior. A Suécia acabara de decepcionar na Eurocopa da França. Foi lanterna do seu grupo, atrás da Irlanda do Norte, quando a expectativa era que pudesse incomodar Bélgica e Itália com um elenco que contava com Zlatan Ibrahimovic ainda em plena forma. O cara vinha de uma temporada de 50 gols em 51 jogos pelo Paris Saint-Germain.

Ibrahimovic foi um capítulo à parte do trabalho de Andersson. Aposentou-se da seleção depois da fraca campanha na Euro francesa e, três anos depois, acusou o técnico de não convocar jogadores de origem imigrante – Ibrahimovic é filho de pai bósnio e mãe croata. Andersson negou a acusação e ambos tiveram uma conversa em 2021 para aparar as arestas antes do retorno do craque à Suécia.

Ibrahimovic esclareceu que não quis chamá-lo de racista, mas estava incomodado com a falta de chances a Dejan Kulusevski e sentia que Andersson estava destruindo o que ele havia feito nos 20 anos anteriores, abrindo as portas da seleção para jogadores de diferentes origens. As conversas foram bem sucedidas. Ibrahimovic retornou e fez mais algumas partidas antes de se aposentar de vez, embora uma lesão o tenha impedido de disputar a Eurocopa de 2021.

Agora ex-jogador de clubes também, Ibrahimovic optou por não comparecer à despedida de Andersson, mas respondeu a uma mensagem da Federação Sueca dizendo que os dois “se divertiram juntos” e gravou uma mensagem para o técnico. Em entrevista recente ao Viaplay, Andersson falou sobre a polêmica e ainda parece guardar um pouquinho de ressentimento.

– Durante a Copa do Mundo (de 2018), ele inventou coisas muito engraçadas. Houve uma campanha “Janne está me ligando”, que achei muito engraçado. Ele tem uma maneira de se expressar e ocupar o seu lugar e faz isso também nesses contextos. Não fiquei tão preocupado ou irritado com isso. Depois, descobri que não convocava jogadores de origem imigrante e isso me prejudicou. Fiquei muito triste e decepcionado.

– Minha liderança se baseia 100% em dar valor igual a todos como seres humanos. Não suporto nenhum tipo de bullying ou punitivismo e, se estamos falando de racismo, eu enlouqueceria se fosse algo assim. Isso não existe no meu mundo. Nós sentamos e conversamos sozinhos e falamos sobre o que havia acontecido. Eu compreendi o que ele pensava e ele passou a me compreender. Decidimos esclarecer o que havia acontecido – contou.

Do promissor ao melancólico

Mesmo sem Ibrahimovic, Andersson foi abençoado com alguns jogadores de qualidade especial ao longo do seu trabalho à frente da Suécia. Em um primeiro momento, o principal era Emil Forsberg, ainda um líder do RB Leipzig. Também ganharia nomes como Victor Lindelöf, Alexander Isak e Dejan Kulusevski. Sua melhor campanha, porém, foi antes dos dois últimos estarem prontos para a seleção. A Suécia foi líder do Grupo F da Copa do Mundo, à frente de México e Alemanha, e bateu a Suíça nas oitavas de final. Ficou a uma vitória de chegar à sua quinta semifinal.

A Inglaterra conseguiu prevalecer em um jogo equilibrado, mas a Suécia havia exibido uma ótima base que poderia fazer barulho à medida em que os novos talentos fossem integrados. A missão seguinte era a edição inaugural da Liga das Nações. Conseguiu a promoção para a primeira divisão superando Rússia, que havia feito uma boa campanha no Mundial que sediou, e Turquia. Mas a Suécia acabou voltando imediatamente para a Liga B, com apenas uma vitória em seis jogos, antes da Eurocopa de 2020, adiada para o ano seguinte por causa da pandemia.

A classificação para o torneio realizado em múltiplas sedes foi bem sólida. Perdeu apenas para a Espanha, no Santiago Bernabéu. Deixou para trás a Noruega, que apenas começava a contar com Erling Haaland, que perdeu alguns jogos das eliminatórias por lesão, e a Romênia. Na Eurocopa em si, ficou à frente dos espanhóis na fase de grupos, com duas vitórias e um empate, e ia se estabelecendo como uma das seleções mais seguras entre o segundo e o terceiro escalão da Europa.

Mas foi derrotada pela Ucrânia nas oitavas de final, no finzinho da prorrogação, e tudo começou a degringolar. A Suécia não estava mais competindo tão bem com seleções do seu porte. A participação seguinte na Liga das Nações terminou em rebaixamento para a terceira divisão, em um grupo que tinha Sérvia, Noruega e Eslovênia. Mas o pior aconteceu em março.

Caiu novamente ao lado da Espanha nas Eliminatórias para a Copa do Mundo e repetiu o segundo lugar, mas dessa vez não havia duas vagas diretas. Teve que passar pela repescagem. Depois de uma vitória sofrida contra a República Tcheca na prorrogação, perdeu para a Polônia, a qual havia superado na Eurocopa do ano anterior, e ficou fora do Mundial do Catar.

A campanha por vaga na Eurocopa de 2024 começou mal, com derrota em casa por 3 a 0 para a Bélgica, e nunca se recuperou. A Suécia fez o seu dever de casa, goleando Azerbaijão e Estônia, mas não conseguiu competir com a Áustria. A eliminação se deu principalmente nos dois confrontos diretos: 2 a 0 em Viena e 3 a 1 em Solna. Essa segunda derrota foi o sinal mais claro de que o ciclo de Andersson havia chegado ao fim. O último jogo antes do anúncio de que sairia se não conseguisse a classificação.

A campanha fraca na Liga das Nações acabou cobrando um preço também porque ficou no fim da fila da repescagem, e um trabalho que começou promissor terminou com melancólica vitória por 2 a 0 sobre a Estônia.

Foto de Bruno Bonsanti

Bruno Bonsanti

Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de aterrissar no site que sempre gostou de ler (acredite, ele está falando da Trivela). Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.
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