Eliminatórias da Eurocopa

O Azerbaijão impôs um dos maiores vexames da história da Suécia: 3×0, com gol até do meio do campo

Sem mais chances de classificação para a Eurocopa, a Suécia tomou uma sapatada do Azerbaijão em Baku, mesmo jogando com um a mais durante quase todo o segundo tempo

O Azerbaijão experimentou um dos momentos mais gloriosos da história de sua seleção nesta quinta-feira. Que, por tabela, é também uma das maiores vergonhas já vividas pela Suécia. Os azeris anotaram 3 a 0 sobre os suecos em Baku, sem qualquer piedade. Os dois primeiros gols dos anfitriões aconteceram em apenas seis minutos de bola rolando e, apesar de todo o tempo para a reação, os escandinavos sequer descontaram. Para piorar a situação, a Suécia jogou com um homem a mais desde os 12 minutos do segundo tempo. E nada foi mais bonito do que a pá de cal, que fechou o placar. Emin Makhmudov anotou um gol incrível, do meio do campo, encobrindo o goleiro Robin Olsen. Maneira perfeita de selar uma noite histórica aos azeris – e absolutamente traumática aos suecos.

Tudo bem que a Suécia não tinha mais chances de se classificar para a Euro 2024. A equipe nem fez cócegas em Bélgica e Áustria, classificadas por antecipação quando tinham jogos a mais que os suecos. Com apenas sete pontos no Grupo F, a campanha dos escandinavos é horrível. Mesmo assim, o que aconteceu em Baku é sem precedentes. E o Azerbaijão teve todos os méritos para isso. Construiu o resultado rapidamente, soube proteger a vantagem diante do desespero dos adversários e matou o jogo com um gol estupendo no final. Deu o troco depois dos 5 a 0 da própria Suécia em março.

Mesmo sem chances de se classificar para a Eurocopa via fase de grupos, o Azerbaijão ainda tem possibilidade de disputar a repescagem, ainda que a probabilidade seja pequena. A equipe precisa que Grécia, Cazaquistão ou Luxemburgo consigam uma vaga direta no torneio. Assim, o time azeri entraria no Final Four da Liga C, com semifinais e final em jogos únicos por um lugar na Euro 2024. A Suécia, patética, nem isso pode mais. A equipe não tem esperanças na repescagem, por causa de seu desempenho fraquíssimo na Nations, rebaixada na Liga B.

Como foi a partida

O Azerbaijão precisou de três minutos para abrir o placar. Foi um gol de méritos dos anfitriões na pressão, mas com uma entregada da Suécia. Renat Dadasov bateu a carteira de Victor Lindelöf na entrada da área e mandou um passe no alto para Emin Makhmudov, livre, fuzilar. Os suecos sentiram o baque e tomaram o segundo na sequência, aos seis minutos. Seria a vez de Alexey Isayev escapar pela esquerda e fazer o passe rasteiro na área. Dadasov teve muito tempo para dominar e bater no contrapé do goleiro Robin Olsen.

Com a vantagem estabelecida, o Azerbaijão recuou e passou a administrar o resultado. A Suécia tinha mais posse de bola, mas era inócua. Os escandinavos não tiveram uma finalização defendida sequer em todo o primeiro tempo. No máximo, aos 28, uma série de rebatidas não entrou porque a defesa da casa travou a bola na pequena área. E não que os azeris só assistissem. Ainda ofereceram suas escapadas, como num chute de Toral Bayramov que saiu com perigo. A partida se tornou mais díspar apenas no segundo tempo, especialmente a partir dos 12 minutos. Bahlul Mustafazada derrubou Viktor Gyökeres na entrada da área e matou um ataque claro. De início a árbitra Esther Staubli deu pênalti, mas corrigiu a marcação com a ajuda do VAR. A falta fora da área, contudo, rendeu a expulsão do beque.

O Azerbaijão se fecharia de vez com um homem a menos. Já a Suécia batia contra a parede. O goleiro Sahrudin Mahammadaliyev seria importante, inclusive para pegar a falta de Emil Forsberg após a expulsão. Porém, não havia necessariamente um senso de urgência nos escandinavos. A pressão era um tanto quanto letárgica, sem oportunidades tão claras. Os azeris defendiam o resultado com dez jogadores e ainda apostavam nos erros dos adversários. Não à toa, vez ou outra, levavam perigo nos contra-ataques. Isso até que a mágica realmente acontecesse aos 44 minutos.

Foi uma maneira de transformar a vitória histórica em algo sublime. Makhmudov percebeu Robin Olsen mal colocado e arriscou o chute do meio do campo. Estava na altura do círculo central, numa posição ainda mais à lateral direita, que dificultava o arremate. O atacante bateu ainda no quique da bola, com o peito do pé. Mandou um tiro cheio de efeito, em bola que girava e ainda fazia uma curva. A trajetória perfeita encobriu Olsen e o chutaço morreu na lateral. Antológico. A comemoração era digna de um feito enorme para os azeris, contra os impactados suecos. Já nos acréscimos, mesmo que os escandinavos ainda dessem um gás para diminuir o estrago, quase o quarto tento ainda veio.

O tamanho do buraco da Suécia

A derrota para o Azerbaijão aumenta a melancolia ao redor da Suécia nas eliminatórias da Euro e estende o momento horrível da seleção. É uma queda abrupta do time que ainda teve campanhas razoáveis na Copa do Mundo de 2018 e na Euro 2020. O começo da derrocada aconteceu sobretudo nas Eliminatórias para a Copa de 2022, quando os suecos pareciam capazes de desbancar até a Espanha em seu grupo, mas desabaram com uma derrota para a Geórgia em Batumi e sucumbiram para a Polônia na repescagem. Na Liga das Nações, foram dois rebaixamentos recentes, inclusive na Liga B. A Suécia segurou a lanterna na chave com Sérvia, Noruega e Eslovênia. Já nas eliminatórias da Eurocopa, o time não venceu um jogo sequer contra Áustria e Bélgica, seus principais concorrentes no Grupo F.

Olhando no papel, a Suécia não conta mais com o time forte de outros tempos. Ainda há jogadores interessantes como Dejan Kulusevski e Viktor Gyökeres, titulares no ataque nesta quinta. Porém, as lacunas ficam claras, especialmente com o declínio daqueles que deveriam ser protagonistas a esta altura, como Victor Lindelöf e Emil Forsberg. As lesões recorrentes de Alexander Isak são um problema, mas longe de servirem de desculpa. No geral, o elenco é modesto e mesmo os mais jovens não animam tanto. Não parece que talentos como Anthony Elanga, Hugo Larsson e Sebastian Nanasi segurarão a bronca sozinhos.

Além do mais, o trabalho coletivo da Suécia também é fraco. O técnico Janne Andersson está no cargo desde 2016 e, por aquilo que se nota nos últimos anos, sua permanência é insustentável. O comandante merece créditos especialmente pela forma como tirou a Itália da repescagem para a Copa de 2018, formando um time sólido e competitivo que honrou sua história rumo às quartas de final do Mundial da Rússia. Mesmo na Euro 2020, não foi uma Suécia de encher os olhos, apesar da caminhada digna até as oitavas. De qualquer maneira, o desastre nas duas últimas eliminatórias, da Copa e da Euro, pesa bastante. Especialmente com rebaixamentos seguidos na Nations.

Esta é a primeira vez desde 1996 que a Suécia não vai para a Eurocopa. Também é a primeira vez desde 1998 que, num ciclo de quatro anos, os suecos não vão para Copa ou Euro. Curiosamente, a bancarrota acontece num momento em que o Campeonato Sueco se vê fortalecido, especialmente pelo aumento na média de público. Não é uma competição endinheirada e até se fechou ao investimento estrangeiro com o sistema do “50+1”, mas valorizou a cultura de arquibancada. Agora, os clubes e a federação precisam pensar um pouco mais no processo de formação, que se mostra problemático. Buscar novas ideias para resgatar uma seleção parada no tempo.

O tamanho da façanha do Azerbaijão

O Azerbaijão é uma seleção de destaque bastante limitado. Desde que a república se tornou independente da União Soviética, as campanhas no geral são modestas. São somente sete vitórias em 66 partidas de Eliminatórias da Copa, sem nunca passar da quarta posição em seu grupo. Já no qualificatório da Euro, também os azeris ficam tradicionalmente na rabeira da tabela, com oito vitórias em 75 aparições. O momento mais relevante da equipe aconteceu na Liga das Nações, com a acesso na Liga D em 2018/19. Desde então, conseguiu se manter na Liga C e até brigou pela promoção em 2022/23, superada pelo Cazaquistão.

O maior destaque do futebol do Azerbaijão vem mesmo por seus clubes – até pelo financiamento de um governo autoritário. O Qarabag bate cartão nas copas europeias, enquanto Neftchi Baku e Gabala também disputaram fase de grupos na última década. Isso permite que a base da seleção esteja em bom nível competitivo. Dos titulares contra a Suécia, seis atletas atuam na liga local e quatro vêm do Qarabag. Há também aqueles que abrem as portas em ligas secundárias da Europa, como o Campeonato Turco, de laços culturais com os azeris. O goleiro Mahammadaliyev (Adana Demirspor) e o centroavante Dadasov (Hatayspor) jogam na Süper Lig. Já o capitão Makhmudov veste a camisa do Neftchi Baku, clube mais tradicional do país e principal representante local nos tempos de Campeonato Soviético – foram 27 aparições na elite da antiga Top League, com direito a uma terceira colocação.

No âmbito da seleção, o investimento do Azerbaijão quase sempre aconteceu ao redor de seus treinadores. Figurões como Carlos Alberto Torres, Berti Vogts e Robert Prosinecki passaram pelo banco da equipe nacional ao longo deste século. Já em 2020, os azeris resolveram confiar num nome de sucesso em seleções menores da Europa: o italiano Gianni De Biasi, responsável por levar a Albânia à Euro 2016. Ainda não foi possível repetir a façanha, mas alguns dos resultados empolgam. Nenhum como essa vitória sobre a Suécia.

O Azerbaijão também possui alguns triunfos notáveis contra seleções médias da Europa. O primeiro deles aconteceu em 1996, nas Eliminatórias para a Copa de 1998, com o 1 a 0 sobre a Suíça. Em setembro de 2004, a equipe também bateu Sérvia & Montenegro pelas eliminatórias da Euro. Também vale mencionar o 2 a 0 sobre a República Tcheca, num torneio amistoso em 2009. Já em 2010, veio o 1 a 0 sobre a Turquia nas eliminatórias da Euro 2012. E se nos últimos dez anos foi mais comum ver os azeris pontuarem, não conseguiram derrotar oponentes tradicionais. Esse triunfo sobre a Suécia talvez seja também um empurrão para ciclos mais promissores do Azerbaijão. Se a sorte ajudar, até com presença na repescagem da Euro 2024.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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