A renovação de Xavi com o Barcelona parecia uma questão de tempo. Campeão de La Liga na temporada passada, o treinador só tinha vínculo com os blaugranas até o fim da atual temporada, 2023/24, mas todos no clube e o técnico verbalizavam publicamente que a renovação aconteceria. A renovação foi enfim anunciada nesta sexta-feira (22) e vai somente até 2025. As razões para isso explicam muito do estado do clube e os planos futuros.
A renovação de Xavi era um assunto recorrente desde o fim da temporada passada, quando ele conquistou o primeiro título de La Liga do clube desde 2018/19, quando Lionel Messi ainda era o craque do time. Desde então, muita coisa mudou no clube. A começar pela revelação de uma condição financeira terrível, mas os escândalos foram muito além de má gestão. De questões criminosas, como fraude financeira, até questões imorais, como perseguição a opositores e até jogadores, além de um pagamento absolutamente suspeito para o vice-presidente da Comissão de Árbitros por anos a fio.
Xavi é uma figura que une e se tornou um símbolo do barcelonismo. Ele é um defensor quase intransigente do Cruyffismo, um modo de ver o jogo que começou, evidentemente, com Johan Cruyff, mas que influenciou o clube de forma decisiva na forma como muitas pessoas do clube pensam no futebol, com mecanismos de controle do jogo como prioridade.
Questão financeira pesa para acordo ser curto
A renovação de contrato de Xavi até 2025 vem com um significativo aumento salarial. Segundo The Athletic, o técnico passará a receber o dobro do seu salário atual, que é de €4 milhões por temporada. A sua comissão técnica também teve bons aumentos. A duração curta do contrato também tem a ver com isso.
O Barcelona segue estrangulado financeiramente. O tempo todo tem precisado fazer contas, cortas gastos e fez reduções de salários e venda de propriedades do clube — incluindo fatias de diretos de transmissão por décadas — para poder fazer contratações, encaixar salários de alguns contratados. E sempre no fio da navalha.
Xavi não queria ser um fardo para o clube. Inicialmente, as conversas sobre a sua renovação foram até 2026. De fato, as duas partes chegaram a um acordo com essa duração. Mas tanto Xavi quanto o clube consideraram melhor que a duração fosse menor, porque isso pesa menos no Fair Play Financeiro que o clube precisa se ajustar, o que aumenta o orçamento para o próprio Xavi fazer contratações. Além disso, permitiu um aumento de salário, o que em um contrato longo não seria possível.
Somado a tudo isso, Xavi tem uma ideia de contratos similar àquele que é uma das suas principais influências, e que vem da mesma escola do Cruyffismo: Pep Guardiola. Os dois costumam fazer contratos mais curtos, o que dá liberdade ao clube e a eles para mudar de ideia, caso queiram.
Sendo assim, tudo caminhou bem: tanto clube quanto Xavi concordam que o contrato tinha que ser curto, por todas as razões que se apresentaram. Assim, o acordo anterior, que tinha sido fechado até 2026, nunca foi assinado e Xavi assinou até 2025.
It's official: Xavi 2025 ✍️ pic.twitter.com/h5U6CX1NIP
— FC Barcelona (@FCBarcelona) September 22, 2023
Trajetória com altos e baixos que se consolidou no título
A chegada de Xavi ao Barcelona era muito esperada por muito tempo. Como jogador, Xavi se tornou uma lenda. Foram 767 jogos em 17 anos de carreira e uma lista de títulos impressionante, com oito títulos espanhóis e quatro Champions League, três Copas do Rei, dois Mundiais de Clubes, para ficar só nos principais. Deixou o clube como jogador em 2015, depois do título da Champions League conquistado naquele histórico ataque MSN, Lionel Messi, Luis Suárez e Neymar.
Ainda jogou até 2019 pelo Al Sadd, do Catar, onde fez a sua transição para técnico. Comandou a equipe catariana de julho de 2019 até novembro de 2021, quando, enfim, realizou o sonho de voltar ao Barcelona. O clube que ele reencontrou já era muito diferente daquele que ele deixou, campeão da Europa, uma potência em cada temporada.
Vivendo uma crise técnica sob o comando de Ronald Koeman, Xavi chegou com o respaldo de ser um ídolo, de ter a filosofia que o clube acredita ser a ideal, mas nada disso era garantia de sucesso. E seus primeiros meses foram difíceis. Foi já com ele no comando que o Barcelona acabou eliminado na fase de grupos da Champions League, embora a situação que ele tenha recebido o time já era muito difícil. Ele terminou bastante distante do Real Madrid, campeão da temporada na Espanha — e que ainda terminaria com o título europeu, de quebra.
Na sua primeira temporada completa no comando da equipe, o desafio era grande e a barra estaria mais alto. Houve problemas. O time novamente caiu na fase de grupos da Champions League, em uma chave muito difícil, é verdade, mas em um resultado que foi catastrófico para a equipe em termos esportivos e financeiros. Restavam Copa do Rei e Campeonato Espanhol.
A campanha em La Liga era avassaladora. Mesmo longe de apresentar o futebol que o próprio técnico queria, a verdade é que o time se tornou uma máquina de vencer. Venceu jogos atuando bem, atuando mal, sendo pior ou sendo melhor que o adversário. Contou com uma defesa histórica e espetacular em termos de números. Em 38 rodadas, foram apenas 20 gols sofridos. Média de 0,52 gol por jogo.
O título parecia assegurado quando o time decidia seu destino na Copa do Rei. Parecia um momento decisivo para o técnico do outro lado, Carlo Ancelotti, com o clube em situação complicada em La Liga e mais uma vez dando a sensação que não ganharia a Champions League — como de fato acabaria não ganhando. A semifinal, então, valia tudo para os merengues.
Pior para o Real Madrid que o Barcelona venceu o jogo de ida daquela semifinal por 1 a 0 em pleno Santiago Bernabéu. A temporada parecia consagradora para Xavi. Só que tinha o jogo de volta. Naquele que talvez tenha sido a grande atuação de Karim Benzema na temporada, os merengues foram até o Camp Nou e enfiaram 4 a 0 na fuça dos rivais, conseguindo uma classificação histórica. Um jogo que certamente teve um peso enorme para que Ancelotti ficasse mais uma temporada em Madri.
O abalo da eliminação existiu, mas Xavi seguiu conduzindo o Barcelona a um título que seria conquistado com muita sobra: foram 10 pontos de vantagem para o Real Madrid, o único que ameaçou os catalães em algum momento na temporada. A conquista deu a Xavi moral e reforçou a convicção dos dirigentes — embora, como bem sabemos, convicção de dirigentes só dura até a primeira crise aparecer.
Seja como for, o Barcelona gosta da ideia de ter Xavi e ele também gosta da ideia de seguir no clube que cresceu e se tornou tudo que é. O Barcelona ganha mais tranquilidade para seguir trabalhando e buscando recuperar o protagonismo que já teve na Europa há alguns anos. Aquele título da Champions League de 2014/15 que Xavi ainda participou como reserva, foi o último que o clube ganhou nessa era. A missão de Xavi é fazer o clube voltar a ser competitivo e chegar nas fases decisivas para, enfim, ter chance de ganhar. E isso precisa acontecer logo.