Espanha

Após falas machistas, nome de Alfonso Pérez é retirado de estádio do Getafe

Campeão olímpico com a Espanha, Alfonso Pérez foi preconceituoso ao tentar transformar luta por respeito em questões econômicas

Casa do Getafe desde 1998, o Coliseum Alfonso Pérez mudará de nome e passará a ser apenas “Coliseum”. A alteração foi informada pela prefeitura de Getafe, que concedeu o estádio ao clube, na quarta-feira (4) e motivada pelas falas machistas do ex-atacante sobre a seleção espanhola feminina, em entrevista ao jornal espanhol El Mundo.

As declarações preconceituosas de Pérez apareceram quando o ex-jogador foi perguntado sobre os recentes episódios envolvendo as campeãs mundiais, que vão desde o beijo forçado de Luis Rubiales em Jenni Hermoso na premiação da Copa do Mundo até a obrigatoriedade em se apresentar à seleção espanhola. Provando-se completamente desconexo da realidade e tentando transformar uma luta por respeito e condições ideias de trabalho em um assunto econômico, o antigo camisa 11 do Real Bétis afirmou que não é possível equiparar os salários recebidos no futebol masculino e feminino.

— Bom, eu tenho uma opinião bem diferente da maioria com tudo o que está acontecendo. Acho muito bom que as mulheres tenham o seu espaço e os seus direitos, como acredito que tenham atualmente e há muitos anos. Há mulheres ocupando todos os cargos nas grandes empresas e ninguém fecha mais as portas para elas. Mas penso que o futebol feminino e o masculino não podem ser comparados porque tudo depende do rendimento que se gera e do impacto mediático. E não há comparação aí — disse Pérez.

— Certamente há outros atletas de outras modalidades que gostariam de ser remunerados como as jogadoras da seleção feminina espanhola e não podem, como eu gostaria de ser remunerados por Cristiano Ronaldo, mas não posso ser tão bom. É o que há. Cada um tem que saber onde está e o que gera. Não dá para reclamar do que é o futebol feminino atualmente. Eles evoluíram, mas devem ter os pés no chão e saber que não podem ser comparados de forma alguma a um jogador de futebol masculino — completou.

Como o argumento não tinha qualquer relação com o real motivo dos recentes protestos das jogadoras espanholas, Alfonso Pérez ainda recebeu uma segunda chance ao ser perguntando novamente sobre o assunto, dessa vez com a pergunta contendo explicitamente as razões das reivindicações, mas pouco adiantou.

— Olha, parece-me muito honesto dizer: “Não me sinto espanhol, não vou para a seleção”. Não compartilho, mas considero-o mais honesto do que outros que, por prestígio e dinheiro, vi vestir a camisa espanhola sem se sentir espanhol. Isso é falso. A questão aqui é se você quer ou não ir — afirmou, lembrando da tentativa de boicote das jogadoras à seleção.

— No caso (de Pep Guardiola, criticado pelo ex-companheiro de seleção olímpica por ir em manifestações pró-independência da Catalunha), como em outros ou no das meninas, eu as obrigaria a beijar a bandeira espanhola para saberem que defendem a camisa do seu país com honra e honestidade. Isso, primeiro e depois você pode protestar pelo que quiser. Acho bom que peçam o que consideram, mas a seleção está acima de tudo — finalizou.

Prefeitura de Getafe age rapidamente e faz o certo

Dois dias após a publicação da entrevista, veiculada na segunda-feira (2), a prefeitura de Getafe anunciou a remoção do nome de Alfonso Pérez de seu estádio municipal. Segundo comunicado oficial, a decisão foi tomada em consenso com o clube que leva o nome da cidade e com majoritária aprovação dos torcedores.

— O estádio municipal da cidade de Getafe, cedido ao Getafe C.F. por um período de quarenta anos, passará a se denominar unicamente “Coliseum” após as declarações de Alfonso Pérez, natural de Getafe e campeão olímpico com a seleção espanhola. O ex-futebolista apontou a impossibilidade de uma jogadora cobrar o mesmo que seus companheiros masculinos, transmitindo a ideia do futebol como mero negócio econômico ao invés de exaltar aspectos tão importantes no esporte como a superação, o esforço e a igualdade; minimizando as conquistas sociais obtidas pelas atuais campeãs do mundo dentro e fora do campo de jogo — informou a prefeitura em nota.

— Ambas as instituições concordam com a necessidade de preservar os valores positivos que emanam do esporte, que são promovidos na cidade através das escolas desportivas. A maioria dos torcedores do Getafe C.F. se manifestou no mesmo contexto — acrescentou.

Por fim, ainda foi lembrado que o Getafe tem o direito de incluir um patrocínio publicitário junto ao nome do Coliseum durante o período em que o estádio lhe foi concedido.

As ironias de Alfonso Pérez pré e pós falas machistas

Ironicamente, Alfonso Pérez já havia previsto que o Coliseum deixaria de ter seu nome. Ele só não imaginava que seria tão rapidamente. Na mesma entrevista ao El Mundo, ele foi abordado sobre ser o único futebolista homenageado em um estádio da primeira divisão espanhola, mas sua resposta não envelheceu bem.

— De momento sim, embora suspeite que no futuro acabem por me tirar, porque alguns partidos já o tentaram. Sinceramente, é algo que me emociona, principalmente porque foi escolhido por voto popular do povo de Getafe. Sou o atleta mais importante que saiu de lá, mas se o retirarem por uma boa causa ou porque o clube pode obter ganho financeiro com o nome de uma empresa, parece-me perfeito. Outra questão é que querem retirá-lo por questões políticas e de pressão sobre o clube… Resumindo, não serei lembrado pelo nome de um estádio, mas pelo que tenho contribuído para o mundo do futebol — comentou.

Pérez possivelmente acredita que a mudança de nome foi uma espécie de perseguição por ter viés políticos diferentes da socialista Sara Hernández, prefeita de Getafe, e deve achar que sua previsão foi correta. O pensamento não é nada distante do de outros que perderam espaço no futebol após se mostrarem preconceituosos, assim como suas declarações depois da alteração.

Em vídeo publicado em suas redes sociais, Alfonso Pérez tentou se defender do rótulo de machista com o clássico “tenho mãe, esposa e filha”, mas reforçou tudo o que disse na entrevista.

— Acho que não contei nenhuma mentira, é uma realidade, é uma comparação do que o outro gera. Se alguém não gosta disso, critica. Não tenho nada contra as mulheres, muito pelo contrário. Tenho mãe, esposa e uma filha que joga futebol e espero que possa chegar à primeira divisão, mas mesmo sendo minha filha, ela nunca poderá se comparar com o que um jogador pode ganhar. Isso é inevitável, mesmo que ela seja minha filha — disse em determinado momento do vídeo de quase dez minutos de duração que publicou.

Foto de Felipe Novis

Felipe NovisRedator

Felipe Novis nasceu em São Paulo (SP) e cursa jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. Antes de escrever para a Trivela, passou pela Gazeta Esportiva.
Botão Voltar ao topo