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Diakhaby se recusou a participar do ato de La Liga contra racistas, em protesto à impunidade no caso do qual foi vítima

Diakhaby foi vítima de racismo em 2021 e o agressor, Juan Cala, não foi punido por "falta de provas"

Mouctar Diakhaby foi uma das vítimas de racismo que acabaram ignoradas por La Liga e pela federação espanhola nas últimas temporadas. Em abril de 2021, o zagueiro do Valencia acusou Juan Cala de proferir ofensas racistas e se retirou de campo contra o Cádiz, acompanhado pelos demais colegas. Posteriormente, os valencianos voltaram a campo, mas não o defensor. Nos últimos dias, aquele episódio voltou à tona, com os ataques racistas contra Vinícius Júnior no Mestalla. Após o ocorrido, Diakhaby veio a público para apoiar o brasileiro e cobrar sanções firmes de seu clube. Porém, também teve um ato de coragem ao não participar dos atos antirracistas promovidos por La Liga. Sem que Cala fosse punido na ocasião, Diakhaby preferiu não posar ao lado de uma faixa que dizia “Racistas, fora do futebol” antes da partida contra o Mallorca, nesta quinta-feira. Indicava como o discurso da boca para fora das autoridades não tinha apelo com ele.

O episódio de 2021 é um grande exemplo da falta de ação de La Liga e da federação espanhola em relação ao racismo. O ataque aconteceu aos 30 minutos do primeiro tempo, quando Valencia e Cádiz empatavam por 1 a 1. Juan Cala se dirigiu a Diakhaby e teria o chamado de “negro de merda”. Revoltado, o francês saiu atrás de Cala até o centro do campo. Os dois se empurraram, antes que o beque do Valencia recebesse o cartão amarelo. Diakhaby explicou o que aconteceu ao árbitro e se recusou a ficar em campo. Os companheiros, então, o seguiram até os vestiários. Para não ser punido com a perda de pontos, o Valencia retornou ao campo, mas Diakhaby foi substituído e preferiu assistir ao jogo das arquibancadas. Já Cala sairia apenas no intervalo.

O caso gerou enorme repercussão, com o Valencia condenando publicamente o racismo. Diakhaby, por sua vez, cobrou uma postura mais dura de La Liga sobre casos do tipo. No entanto, o zagueiro chegou a declarar na época que “leu e riu” das declarações de Javier Tebas, presidente de La Liga, ao afirmar que o francês “havia entendido errado o que tinha sido falado”. No fim das contas, prevaleceu a impunidade. A investigação concluiu que não “havia provas suficientes” para sancionar Juan Cala e o jogador do Cádiz saiu ileso. Também não aconteceu qualquer mudança no procedimento diante do racismo no futebol espanhol. Se outro time quisesse se retirar de campo, continuaria pressionado a voltar por causa do regulamento, com risco de perder pontos.

Ainda naquela época, Diakhaby acusou La Liga e a federação espanhola de não terem feito o suficiente para investigar as denúncias contra Juan Cala e punir o jogador do Cádiz. Segundo o zagueiro, existiam alguns fios soltos no relatório apresentado pelo comitê disciplinar. O informe relata que o adversário diz “merda” e que posteriormente pede “perdão”, mas sem qualquer menção a “negro de merda”. Para o francês, a confirmação do racismo não aconteceu por falta de vontade das autoridades.

Diakhaby não estava em campo neste domingo, se recuperando de lesão, na partida em que Vinícius Júnior foi vítima de racismo no Mestalla. Contudo, foi um dos raros jogadores do Valencia que falaram abertamente em apoio ao brasileiro depois dos ataques. “Obviamente apoio Vinícius Júnior contra os insultos raciais que recebeu de alguns torcedores. Espero que meu clube faça o necessário para sancionar com firmeza aqueles que cometeram estes atos. Não dizer nada é ser cúmplice”, apontou o beque, em seu Twitter.

Isso não faria Diakhaby comprar as atitudes de La Liga e da federação desta vez, porém. O zagueiro se sentiu desprotegido no caso com Juan Cala. Assim, sem ser tratado da maneira como esperava, o francês preferiu não segurar a faixa contra o racismo proposta por La Liga e pela federação nesta semana. É uma ação mais cosmética do que efetiva, de fato. Bem mais forte foi a imagem do beque se aquecendo, alheio a tudo isso, enquanto o restante dos dois times posava para a foto. Vale lembrar que Vinícius Júnior também foi vítima de ataques racistas contra o Mallorca nesta temporada.

Em 2021, Diakhaby já tinha declarado ao jornal AS: “Espero uma sanção para Cala, claro. Ela precisa acontecer para dar um exemplo à sociedade. Se não há sanção é como apontar que podemos falar o que quisermos e, assim, não vamos lutar para erradicar o racismo. Fala-se muito de ‘parar o racismo', mas se buscam poucas soluções. É preciso ser duro com essas palavras e erros. As pessoas têm que saber que não se pode dizer tudo sem consequências. Não é um tema do futebol ou de clubes. É muito mais importante que isso, é uma questão racial. Não podemos diferenciar as pessoas pela cor da pele. Espero que as pessoas que investigam vão até o final. Reitero minhas palavras sobre o que escutei”.

“O que denuncio pode ser racismo e também falta de consciência social, as duas coisas, mas não se pode tolerar. Há racismo na sociedade e em todos os países. Não é um caso da Espanha. Isso ocorre na Espanha, na Inglaterra, na França, em todos os lados. Por isso é algo que precisamos erradicar. As pessoas têm que pensar melhor quando dizem algo, todos somos humanos e iguais. Também tenho amigos de todas as cores. Não conheço Cala, não posso dizer que ele é racista, mas ele disse uma palavra racista e por isso tem que pagar, porque se deixarmos essas coisas passarem… não vamos erradicar mais o racismo da sociedade. Insisto, não conheço Cala e não posso dizer que ele é racista. Mas disse uma palavra e precisa pagar, como eu deveria pagar se cometesse um erro como esse”, também apontaria.

Quando a bola rolou nesta quinta-feira, o Mallorca derrotou o Valencia por 1 a 0 em Son Moix. Vedat Muriqi anotou o gol decisivo, aos 19 do segundo tempo, numa cabeçada livre na área. O Mallorca subiu ao 11° lugar de La Liga, com 47 pontos. Já o Valencia é o 13°, com 40 pontos, somente dois acima da zona de rebaixamento. Na próxima rodada, os Ches terão um duelo decisivo contra o Espanyol, que pode definir a permanência.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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