A demissão de Celades é mais um reflexo da bagunça que vive o Valencia e não traz perspectivas de mudança
A temporada do Valencia é uma aula de má gestão, diante do bom trabalho que se fazia no Mestalla. A diretoria estragou o sucesso de Marcelino García Toral e, como era de se imaginar, Albert Celades não manteve a mesma toada. Apesar das oscilações, o novo treinador evitou um estrago maior e até levou os valencianos aos mata-matas da Champions, mas a ruptura seguia clara. Já nesta retomada de La Liga, os resultados ruins afastam os Ches do G-4. Depois da derrota para o Villarreal no final de semana, Celades perdeu o emprego nesta segunda-feira e a crise volta a se deflagrar com força no clube. É o sétimo técnico demitido desde que Peter Lim virou acionista majoritário, em 2014/15.
Marcelino só deixou o Valencia por causa da interferência da diretoria em seu trabalho. Os Ches haviam conquistado a Copa do Rei em 2019 e terminaram La Liga em alta, graças à recuperação que valeu a vaga na Champions. Apesar disso, as rusgas se ampliaram quando o treinador ignorou a ordem de seus superiores, que pediram para relegar a Copa do Rei a segundo plano na tentativa de salvar a lavoura no Espanhol. Nem mesmo o êxito em ambos os objetivos melhorou a relação e o racha aumentou quando os dirigentes queriam negociar alguns dos destaques do time para fazer caixa. Em setembro, Peter Lim pediu a cabeça de Marcelino.
Celades chegou ao Valencia com um histórico modesto na casamata, assistente da seleção espanhola e do Real Madrid, além de ter treinado as equipes nacionais de base. Mesmo com o descontentamento do elenco pela saída de Marcelino, o novo treinador não teve problemas em lidar com os jogadores, que o receberam bem. A questão era contornar o ambiente tumultuado, com protestos nas arquibancadas e uma guerra nos bastidores. O presidente Anil Murthy chegou a pedir silêncio aos torcedores no Mestalla, diante das vaias. Já o diretor Mateu Alemany (outro apontado como responsável pelo sucesso ao lado de Marcelino, mas motivo de ciúmes do dono Peter Lim) pediu demissão em novembro.
Apesar de toda a instabilidade, Celades tirou leite de pedra na Champions e conquistou a classificação às oitavas de final com uma vitória milagrosa sobre o Ajax, na rodada final em Amsterdã. Depois, sucumbiu à Atalanta com duas derrotas. Já no Campeonato Espanhol, a equipe nunca pegou grande embalo, mas fazia o suficiente para se manter na equilibrada disputa pelo G-4. O melhor momento aconteceu em janeiro, quando uma vitória sobre o Barcelona ajudou a impulsionar os Ches para a quinta colocação. Mas, eliminado pouco depois na Copa do Rei pelo Granada, o time despencou desde então.
O Valencia venceu apenas dois de seus últimos dez jogos pelo Campeonato Espanhol. Nem a paralisação ajudou. A equipe só ganhou um de seus cinco compromissos neste mês de junho, incluindo derrotas para Eibar e Real Madrid. O revés contra o Villarreal acelerou a demissão, deixando os valencianos na oitava colocação, a oito pontos da zona de classificação à Champions. Sem muitas chances de alcançar a competição continental nos seis compromissos restantes, Peter Lim mandou Celades para a rua.
A relação de Celades com o elenco também estremeceu durante os últimos meses. O treinador, com um perfil mais calmo, passou a ser confrontado pelos jogadores. Segundo o jornal El País, teve problemas em negociar com os capitães o corte salarial durante a pandemia e perdeu referências, com a recusa de atletas importantes em renovar seus contratos. Já nesta retomada de La Liga, o técnico bateu de frente com a colônia francesa do plantel, com críticas públicas, e viu jogadores se revoltarem com suas substituições – a exemplo de Maxi Gómez, que foi tirar satisfação nos vestiários. A situação era delicada.
Dá para reclamar do baixo rendimento de Celades nos últimos meses, especialmente pelos maus resultados como visitante, mas não tem como restringir o declínio apenas ao treinador. O Valencia possui um elenco carente em certas posições e a diretoria não fez muito para melhorar essas condições. Além do mais, a equipe também sofreu com as lesões, sobretudo pelos recorrentes desfalques na defesa – o ponto fraco nesta campanha. Com a queda de alguns jogadores, a má fase fica explícita. Peter Lim, todavia, tenta se eximir de sua culpa inicial por demitir Marcelino e procura um novo bode expiatório.
Como reflexo da demissão de Celades, o diretor esportivo César Sánchez igualmente pediu para sair. O ex-goleiro havia bancado a permanência do treinador diante do elenco e, contrariado por seus superiores, se sentiu impotente. Em suas redes sociais, o veterano publicou uma carta de despedida. Nas últimas seis rodadas do Espanhol, o Valencia será treinado por Voro, antigo ídolo que transita entre os papéis de assistente e interino nos últimos anos. Resta saber quem vai querer se meter nessa bagunça na próxima temporada, sabendo que terá que aturar os desmandos de Peter Lim e seus asseclas.