La Liga

A eliminação na Copa do Rei expôs ainda mais a encruzilhada que o Real Madrid se encontra com Zidane

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Quando o Real Madrid conquistou a última edição do Campeonato Espanhol, parecia ter uma base para conduzir seu trabalho durante os próximos anos. Zinédine Zidane dependeu bastante de seus protagonistas para o título, em especial Karim Benzema e Sergio Ramos. Porém, também indicava montar uma estrutura sólida pautada na defesa e contava com diversos jovens para ascender no Santiago Bernabéu. A juventude até aumentou para a atual temporada, no que se prometia um processo contínuo de renovação. Em compensação, aquela campanha vitoriosa hoje se sugere mais como algo ocasional do que um sinal positivo, impedindo o clube de acelerar mudanças como deveria. O Real Madrid se vê estagnado em seus resultados, em suas ideias e em seus nomes. A derrota para o Alcoyano, de virada e com um a mais, só escancara o tamanho da crise. E Zizou reforça a impressão de desânimo.

O Real Madrid campeão de 2019/20 se parece agora produto de uma fase, não de um projeto. Afinal, as dependências aumentaram desde então. Benzema continua sendo um oásis no ataque, mesmo que o setor não tivesse uma cara durante a campanha vitoriosa. O francês é a única certeza entre dúvidas que se aprofundam. Já a ausência de Sergio Ramos deixa os merengues sem identidade, e os questionamentos aumentam quando o capitão ainda discute a renovação de seu contrato. Nomes como Casemiro e Thibaut Courtois permanecem como homens centrais. Contudo, insuficientes para que seus esforços sustentem uma temporada minimamente decente a um clube com o poderio do Real Madrid.

No meio deste turbilhão, Zidane é a principal face. O treinador é um dos responsáveis pelo tricampeonato da Champions, com méritos evidentes, mesmo que a estrela de Cristiano Ronaldo prevalecesse. Neste retorno ao banco de reservas do Real Madrid, o comandante lidou com diferentes crises e superou problemas, mas sem necessariamente indicar um futuro tão reluzente aos merengues. E essa capacidade de indicar caminhos se perde, sobretudo diante de erros e teimosias cada vez mais evidentes do técnico. A derrota contra o Alcoyano não custou o emprego de imediato, como alguns urgiam. De qualquer maneira, mostra como uma mudança é provável ao final da temporada, a não ser que ocorra uma improvável revolução.

Na Espanha, a discussão após a eliminação não se concentrava apenas no vexame. Ela falava sobre a apatia de Zidane ao longo da noite. O treinador sequer reuniu os jogadores para dar instruções ao final do tempo normal ou no intervalo da prorrogação. Parecia alheio ao time, quando os merengues claramente precisavam de um puxão de orelha e orientações para melhorar sua atuação, em que dominavam e pouco agrediam. Quando os adversários anotaram o gol da virada, com um jogador a menos, Zizou se limitaria a esboçar um sorriso irônico na beira do campo. E o mesmo se notou depois do desastre.

Zidane deu uma entrevista minimizando o resultado. Disse que não era uma vergonha, ainda que a obrigação da vitória fosse dos madridistas. “Essas coisas acontecem, temos que seguir trabalhando. É outro dia doloroso, claro, mas não vamos enlouquecer. Eu assumo toda a responsabilidade e logo acontecerá tudo o que for necessário. Estou tranquilo, vamos ver o que se passa nesses dias”, apontou. Segundo o jornal Marca, a conversa nos vestiários depois do resultado foi branda, o que teria surpreendido os jogadores que desejavam palavras mais duras. O periódico afirma que a química com o elenco não é a mesma e que, desde seu retorno, o treinador está mais distante. Há um senso de acomodação, que começa pelo líder.

Coincidentemente, Zidane não poderá elevar o tom de suas duras e tentar corrigir os problemas da equipe durante os próximos dias. Nesta sexta-feira, o Real Madrid anunciou que Zizou permanecerá afastado de suas funções – e não pelos maus resultados, mas sim por contrair a COVID-19. Enquanto seguir em recuperação, o técnico até se manterá em contato com o assistente e os demais jogadores, mas não poderá coordenar diretamente o trabalho. Justo num momento tão necessário para mostrar seu pulso firme, os merengues precisarão se virar sozinhos. E sem uma direção clara.

A insatisfação com o trabalho realizado pelo Real Madrid passa por diferentes pontos, que não se restringem aos seguidos tropeços nesta temporada. A falta de consistência, na verdade, serve de reflexo a muita coisa que não vem dando certo. Na última semana, os merengues jogaram fora duas chances de título, na Supercopa e na Copa do Rei. Pelo Campeonato Espanhol, o time encontra dificuldades para competir com o Atlético de Madrid. Até venceu os dois clássicos do primeiro turno, mas acumula sete tropeços, de derrotas em casa para Cádiz e Alavés, à goleada fora contra um cambaleante Valencia. E nem a Champions salva a essa altura, sobretudo pelas duas derrotas diante do Shakhtar Donetsk. A Atalanta exige que os madridistas abram os olhos.

O elenco não rende tão bem quanto em outros momentos. E a questão é a falta de inventividade de Zidane para fugir da dependência de Sergio Ramos ou Benzema. As chances no time titular parecem cada vez mais restritas, com o treinador se agarrando em homens de confiança e pouco testando os jovens que deveriam ser prioritários à renovação. Contra o Alcoyano, muitos dos titulares estavam crus demais ou sofriam com uma clara falta de ritmo. Com o passar dos minutos, o técnico preferiu acionar os medalhões no banco, no que também seria insuficiente. Há um abismo na hierarquia e o técnico parece mais atrapalhar que ajudar para reduzir isso, apegado aos veteranos. Não se vê uma rotação funcional – algo que foi exatamente uma virtude de Zizou em sua primeira passagem, sobretudo quando faturou La Liga e Champions na mesma temporada.

A preferência eterna por Lucas Vázquez é inexplicável, assim como a acomodação de Eden Hazard. O mesmo cabe a Isco e Marcelo, embora reservas, mas com parca contribuição quando o comandante insiste em ambos. Nos últimos tempos, o meio-campo tem segurado um pouco mais a bronca, mas a passividade de Toni Kroos também cobra seu preço. E é impressionante como, mesmo repleto de pontas, Zizou não consiga encontrar uma formação mais incisiva ofensivamente e mesmo refém de Benzema.

Isso se notou bastante contra o Alcoyano. O Real Madrid chegou a beirar 80% de posse de bola, mas não tinha agressividade e precisou de um gol de Éder Militão para sair em vantagem. O time seguiu passivo quando os nanicos reagiram e se entregou quando tinha um jogador a mais, sem uma pressão contundente que pudesse forçar ao menos os pênaltis no final. O problema não passa por um nome, mesmo que vários jogadores estejam em mau momento técnico. Mas há um sistema que não funciona e um protecionismo problemático de Zidane, quando este era o momento ideal de cobrar mais e testar.

As insatisfações se ampliam especialmente por quem fica no banco de reservas. Neste ponto, a prometida renovação de Zidane peca demais. Os exemplos são notórios nas últimas semanas. Apesar de certa insistência, o técnico não soube tirar o melhor de Luka Jovic e o atacante precisou de um jogo em seu retorno ao Eintracht Frankfurt para fazer muito mais que em seus últimos meses no Real Madrid. Agora, é a vez de Martin Odegaard sair. O norueguês vinha de uma excelente temporada emprestado à Real Sociedad e parecia agregar qualidades diferentes para que os merengues ganhassem alternativas na criação. Jogou apenas 367 minutos desde a volta à capital e, deixado de fora contra o Alcoyano, deve ser muito mais útil no Arsenal diante do iminente novo empréstimo.

Odegaard acabará se tornando apenas mais um na longa lista de talentos que Zidane não aproveitou no Real Madrid. Diversos garotos não foram prestigiados pelo treinador e, fora do Santiago Bernabéu, figuram entre os melhores de seus clubes – ou mesmo de suas posições no futebol europeu, em alguns casos. Theo Hernández é um dos donos do Milan que hoje lidera a Serie A, onde também é bastante útil o emprestado Brahim Díaz. Sergio Reguillón fez uma baita temporada no Sevilla e merece a chance que ganha no Tottenham. Já Achraf Hakimi também arrebentou nos empréstimos, embora sua venda à Internazionale tenha acontecido para fazer caixa. Há ainda o caso de Marcos Llorente, que virou herói no Atlético de Madrid e um coringa importante com Diego Simeone.

Não seria surpreendente se Vinícius Júnior virasse um desses nomes. O ponta não foi bem contra o Alcoyano, com erros cruciais, mas muitos questionavam a falta de minutos nos últimos tempos. Entre a falta de regularidade para ser titular e a falta de chances para corrigir suas deficiências, vai ficando pelo meio do caminho, já em sua terceira temporada na Espanha. A mesma indagação cabe a outros jogadores atualmente emprestados – como Takefusa Kubo ou o próprio Luka Jovic, além de Reinier, que ficará mais um tempo no Borussia Dortmund. Na falta de um aproveitamento real desses jogadores e de um plano de desenvolvimento dentro do próprio Real Madrid, o natural é desconfiar.

A geração campeã pelo Real Madrid vai ficando para trás. A idade de Sergio Ramos e Benzema é um claro alerta, assim como de Luka Modric, aceitando ser coadjuvante. Marcelo e Toni Kroos são outros que passam dos 30 anos, enquanto Hazard gera mais dúvidas se algum dia vai justificar seu alto investimento. Hoje, são poucos que realmente parecem desfrutar de confiança e ao mesmo tempo têm idade para seguir em frente a médio prazo, citando ainda Marco Asensio, Ferland Mendy ou Federico Valverde. Para tanto, a renovação se faz mais urgente – e, sem contar com os garotos ignorados por Zidane, a solução seria gastar um dinheiro que hoje os merengues não possuem, investindo na renovação do Bernabéu e apertando os cintos por causa da pandemia.

Em 2008, quando o Real Madrid foi eliminado por outro time da terceirona na Copa do Rei (o Real Unión), a resposta viria com uma nova era galáctica. A temporada sem títulos em 2008/09, somada ao sucesso do Barcelona de Pep Guardiola, resultou nas chegadas de Cristiano Ronaldo e Kaká. A solução não foi imediata, com o “Alcorconazo” em 2009/10 e a sexta queda consecutiva nas oitavas de final da Champions. Apesar disso, havia uma direção, complementada depois pela aposta em José Mourinho. Desta vez, o momento não permite movimentos tão arrojados. E o próprio gasto exorbitante em Hazard reforça como tal caminho nem sempre vai ser a solução. Não há outro Cristiano Ronaldo. Faltam ideias e Zidane não parece tê-las.

O mais provável é que o Real Madrid mantenha Zidane em sua direção, a não ser que os resultados continuem despencando. O treinador ainda tem uma história que o respalda, mesmo que a situação pareça fora de seu controle e seus próprios sinais não animem. Todavia, Mauricio Pochettino não está mais dando sopa no mercado e é bem provável que um treinador de primeira linha não queira correr o risco de se queimar neste final de temporada apático. Também não parece o cenário ideal para se apostar em outro sebastianismo, tirando Raúl do Castilla. Diferentemente do que aconteceu com Zidane em 2016, o elenco de hoje não se mostra tão autossuficiente quanto aquele para uma reviravolta.

Assim, Zidane ganhará mais uns meses em busca de seu milagre, para evocar o copeirismo na Champions ou aproveitar um deslize do Atlético de Madrid em La Liga. O problema é que, pelo que se nota hoje, os merengues não indicam competitividade suficiente em nenhuma das duas frentes. E resta saber se os jogadores, diante da acomodação contra o Alcoyano, não vão preferir seguir os passos de Gareth Bale e cuidar de suas próprias vidas, em vez de se doarem por um treinador que não consegue contagiar da mesma forma como antes e nem parece confiar no conjunto à disposição.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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