Marinho Peres foi um zagueiro de inteligência ímpar, respeitado por vários gênios da bola
Pelé e Johan Cruyff integram qualquer lista minimamente lúcida de maiores craques da história. Assim como Rinus Michels, Telê Santana e Rubens Minelli são comumente citados entre os maiores treinadores de todos os tempos. Os cinco tiveram um elo em comum em suas carreiras. Um zagueiro impositivo e de excelente leitura tática, que facilitava o trabalho de todos eles dentro de campo. Marinho Peres foi um companheiro respeitado de Pelé e de Cruyff. Foi um pupilo de Michels, Telê e Minelli. Foi um dos melhores defensores do Brasil nos últimos 50 anos, mesmo que sua passagem pela Seleção tenha sido relativamente curta. Mesmo assim, bastou para que pintasse como capitão na Copa do Mundo de 1974.
A carreira de Marinho se iniciou no São Bento de Sorocaba. Depois conquistaria o respeito na Portuguesa, no Santos, no Barcelona, no Palmeiras e sobretudo no Internacional, onde viveu seu auge técnico. Era um zagueiro forte, inteligente, eficaz. E autoconfiante, com uma inteligência ímpar que se notava dentro de campo, garantindo sua consideração diante de alguns gênios da bola. Formado em economia e um treinador também muito lembrado em Portugal, Marinho podia ser chamado de craque. Deixou sua marca no futebol, exaltada muito além da vida, diante de sua despedida aos 76 anos nesta segunda-feira.
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Os primórdios em Sorocaba
Mário Peres Ulibarri nasceu em Sorocaba, em 19 de março de 1947. Cresceu numa família de imigrantes espanhóis, o pai de origem madrilena e a mãe com raízes navarras. Era o único menino, ao lado de seis irmãs. O futebol não era necessariamente um caminho ao garoto, filho de um respeitado clínico geral da região. Pelo contrário, o desejo era o de que Marinho também estudasse medicina. Entretanto, seu envolvimento com a bola aconteceu desde cedo, quando o futebol era uma mera brincadeira nos campinhos sorocabanos. Um evento especial, aliás, marcou a infância do menino torcedor do Corinthians: a conquista da Copa do Mundo de 1958, na Suécia. Foi quando ele e outros tantos garotos conheceram um rapaz um pouquinho mais velho, chamado Pelé.
Os sonhos vividos pela Seleção na Suécia chegaram aos ouvidos de Marinho Peres através das ondas do rádio, no interior de São Paulo. A partir daquele momento, o menino passou a ver o futebol como uma possibilidade além. “O Pelé começou a jogar com 16 para 17 anos, não é isso? Então, aquilo levantou o intuito de toda a garotada também querer ser um atleta, porque o Pelé sai do interiorzão, lá de Bauru, vai já para o Santos e vai para a Seleção. Isso aí deu um salto e a gente começou a se apegar à seleção brasileira”, relembrou Marinho, em 2011, durante entrevista ao Centro de Referência do Futebol Brasileiro, do Museu do Futebol. “As duas Copas que o Brasil conquistou levantaram o astral e todo mundo queria praticar esporte, ser jogador de futebol. Dava vontade para isso e a gente tinha um amparo, que era essa realidade”.
Marinho Peres chegou a lidar com a frustração na sua adolescência, dispensado pelo time da Estrada de Ferro Sorocabana quando tinha 16 anos. No entanto, logo uma oportunidade pintaria no São Bento. O clube subiu para a primeira divisão do Campeonato Paulista e precisava formar um time de aspirantes para disputar as preliminares. A peneira foi anunciada nos jornais e Marinho seria um dos 20 garotos que compareceram. Acabou aprovado. Não que isso sensibilizasse a família. O pai desconfiava da “bola quadrada” do filho e ainda acreditava que ele pudesse escolher a medicina. De fato, o novato não se saiu bem em sua estreia pelos aspirantes. Mas em pouco tempo se soltou e decolou. Bastaram quatro partidas para que ele chegasse à equipe principal.
Marinho Peres evoluiu bastante no time de cima do São Bento, que emendou participações consecutivas na elite do Paulistão e se tornou um digno figurante no meio da tabela. Marinho ficou um mês praticando apenas exercícios físicos durante sua ascensão à primeira equipe, algo essencial em sua transição. O adolescente ainda conciliava seus estudos com os treinos pelo Bentão. Mesmo assim, não demorou a agradar. Já sua adaptação como zagueiro aconteceu pelas mãos do técnico Wilson Francisco Alves, o Capão, que viu seu potencial para a posição. Diante da boa estatura do novato e também de sua impulsão, o comandante analisou que era melhor utilizá-lo na defesa. Uma escolha certeira, que deu resultados.
Marinho Peres desde cedo também demonstrava sua personalidade, de quem tão jovem virou batedor de pênaltis da equipe. O zagueiro se destacava pela excelente leitura de jogo, pela capacidade física, pela imposição no jogo aéreo. Logo Sorocaba se tornou pequena ao seu futebol. Em 1967, aos 19 anos, recebeu uma proposta da Portuguesa. Wilson Francisco Alves conquistou o título do interior com o São Bento e seria contratado pelos rubroverdes. Uma de suas primeiras decisões no novo time foi pedir a compra do jovem beque. Marinho iria se aventurar na capital, embora de início ainda vivesse no interior e pegasse o trem todos os dias rumo aos treinos.
O primeiro gol do Canindé
A Portuguesa montou um excelente time no final da década de 1960. Buscou vários talentos no interior de São Paulo, como Leivinha e Zé Maria, que logo chegariam à Seleção. E a primeira oportunidade para Marinho Peres com a Amarelinha não demorou: em julho de 1968, ele foi convocado pelo técnico Aimoré Moreira para a Taça Jorge Chávez-Santos Dumont, realizada contra o Peru. O novato entrou em campo durante uma goleada por 4 a 0 sobre a Blanquirroja no Estádio Nacional de Lima. Substituiu Joel Camargo, num time que reunia feras como Carlos Alberto Torres, Gérson, Rivellino, Tostão e Jairzinho. Do Canhotinha de Ouro ganhou o apelido de “Lixo”, por usar a escova de dentes do veterano. Entretanto, aquela seria a única aparição pela Seleção em algum tempo, enquanto o jovem consolidava seu nome na Lusa.
Naquela virada dos anos 1960, a Portuguesa contava com uma equipe competitiva dentro do Campeonato Paulista. O problema era bater de frente com os esquadrões do Santos e do Palmeiras, que dominavam as taças. Marinho Peres não apenas se tornou um nome conhecido no futebol, como também buscou outros caminhos além dos gramados. Quando se mudou para a capital, por incentivo da família, o jovem passou a fazer faculdade e se formou em economia. Entretanto, não foram os estudos que o afastaram da boemia. O zagueiro não escondia que gostava da noite. “Jamais neguei que antes do casamento, e quando havia tempo, as mulheres e as cervejinhas eram minhas companheiras preferidas”, diria em 1981, em entrevista à revista Placar. Nomes de outros grandes clubes paulistas eram seus parceiros nas boates, entre eles César Maluco, Ado e Edu. Seu apartamento se tornou um famoso ponto de encontro dos boleiros.
A vida movimentada ainda não impediu que Marinho Peres se tornasse um dos melhores zagueiros do futebol paulista. E o jovem participou de um momento bastante simbólico pela Portuguesa, em 1972. Em 9 de janeiro, a Lusa inaugurou o então chamado Estádio Independência, o Canindé. Enfrentou num amistoso o Benfica, estrelado por nomes como Rui Jordão, Nenê e Simões. Os encarnados até saíram com a vitória por 3 a 1, mas o primeiro gol da nova casa foi dos rubroverdes. Foi exatamente de Marinho, numa cobrança de pênalti, agraciado com o momento histórico.
No entanto, a permanência de Marinho Peres na Portuguesa não seria muito mais longa. Durante o Campeonato Brasileiro de 1972, uma derrota para o Santa Cruz desencadeou uma caça às bruxas no clube, iniciada pelo próprio presidente Oswaldo Teixeira Duarte – que depois daria o nome ao estádio do Canindé. Seis jogadores acabaram afastados do elenco, incluindo o beque. Foi o clássico “caiu para cima”: Marinho já pensava em deixar a Lusa e acabou atraindo o interesse do Santos. Teria a chance de defender o clube mais famoso do mundo naquela época e rodar nas excursões com o Peixe. Seria inclusive companheiro do já veterano Pelé, que influenciou o início de sua carreira nos tempos de Sorocaba. Em diversas entrevistas Marinho ainda reafirmava que o Rei era seu maior ídolo no futebol.
Capitão em Copa do Mundo
Marinho Peres chegou com uma grande responsabilidade ao Santos. O novato tinha que substituir Ramos Delgado, nome importante que deixava a Vila Belmiro. O novo ambiente injetou confiança no beque, ao lado de diversos craques da Seleção, em especial Pelé. As viagens para o exterior com o Peixe se tornaram comuns. E Marinho também conquistou seu primeiro grande título no Campeonato Paulista de 1973 – ironia do destino, numa controversa final contra a Portuguesa. O zagueiro estava lesionado e, por isso, não entrou em campo. Durante a disputa por pênaltis, orientou o goleiro Agustín Cejas a escolher o lado contra os batedores da Lusa. Entretanto, foi naquela decisão que o árbitro Armando Marques errou a contagem dos penais. O troféu acabou compartilhado entre alvinegros e rubroverdes. O defensor estava na lista de campeões.
O momento com o Santos referendou Marinho Peres de volta à Seleção. O zagueiro tinha disputado mais uma partida em 1972, mas se firmou nas convocações de Zagallo a partir de 1974. Ganhou espaço num momento crucial, às vésperas da Copa do Mundo. E a formação da nova zaga contaria com um encontro curioso, dos tempos de São Bento. Luis Pereira era conhecido de Marinho já no clube de Sorocaba. Mais jovem, o beque do Palmeiras levou mais tempo para se desenvolver no Bentão, mas os parceiros se conheciam desde cedo. Assim, ficou fácil entrosar a nova dupla do Brasil. Piazza acabou adiantado de volta para o meio-campo. A linha defensiva dos tricampeões tinha nova cara para o Mundial da Alemanha Ocidental.
O Brasil chegou à Copa do Mundo como atual campeão, mas passou longe de reproduzir a magia de 1970. A equipe de Zagallo era muito mais pautada na força física, especialmente por causa das muitas lesões no ataque, e saiu com fama de defensivista do Mundial de 1974. Apesar da falta de encanto do time, Marinho Peres foi elogiado como um dos melhores brasileiros do torneio. O zagueiro foi sólido durante toda a competição. A Canarinho não levou um gol sequer em toda a primeira fase, contra Iugoslávia, Escócia e Zaire. Já no quadrangular semifinal, quando Piazza deixou a equipe titular, Marinho ganhou a braçadeira de capitão. Foi escolhido por Zagallo pelo fato de também falar espanhol e inglês. Conseguiu se sair ainda melhor nos embates contra Alemanha Oriental e Argentina.
A partida decisiva aconteceu contra a Holanda, valendo vaga na final. A Laranja Mecânica de Rinus Michels causava temores, pela maneira como devastava os oponentes. O Brasil também sucumbiu, numa derrota por 2 a 0 que ficou mais marcada pelo excesso de violência. Marinho Peres seria um dos tantos a não aliviar contra os holandeses, com direito a uma cotovelada no rosto de Johan Neeskens. Apesar disso, também na bola foi um dos melhores do time, para manter um mínimo de esperança. Luis Pereira terminou aquela partida expulso. Na decisão do terceiro lugar, a derrota para a Polônia pouco importou aos brasileiros. Ao menos, Marinho tinha marcado seu nome positivamente.
Depois do Mundial, algumas rusgas internas foram expostas pelo próprio Marinho Peres. “Havia um inconcebível duelo de vaidades entre Marinho Chagas e Leão. Os dois, e mais alguns cujo nome prefiro não citar, só acordavam cedo para dar entrevistas e aparecer na tevê. Em campo, pouco produziram para o time”, declarou em 1981, à Placar. “Depois das derrotas para a Holanda e a Polônia, então, foi uma vergonha. Todo mundo se apressava em dar entrevistas e jogar a culpa nos companheiros. Mas os atacantes tiveram muito a ver com nosso fracasso. Perderam gols e não ajudaram na marcação como havia sido estabelecido na preleção”.
Pupilo de Rinus Michels no Barcelona
O confronto contra a Holanda ainda garantiu uma visibilidade inesperada a Marinho Peres. O beque passou a ser pretendido pelos grandes clubes espanhóis, graças à dupla nacionalidade. La Liga tinha se reaberto a estrangeiros em 1973/74 e o brasileiro poderia ser um reforço ainda melhor neste contexto, pelo passaporte espanhol. O Real Madrid tentou levar o beque do Santos e o Zaragoza também se interessou, mas quem se deu melhor foi o Barcelona. Vários reencontros aconteceram: Rinus Michels era o treinador da equipe, que tinha Johan Cruyff e também Neeskens entre seus destaques. A despeito da cotovelada, Neeskens foi buscar Marinho Peres no aeroporto em sua apresentação. Viraram amigos. Um abraço fraterno deixou para trás qualquer entrevero ocorrido na Copa do Mundo, embora os jornais tentassem polemizar.
Marinho Peres ainda levou um tempo para ter sua situação legalizada e para se adaptar ao Barcelona. Além de toda a questão da língua catalã, o zagueiro também precisou se encaixar ao sistema de jogo praticado por Rinus Michels no Camp Nou. A linha de impedimento era uma novidade para a época e o beque apresentou também sua leitura de jogo privilegiada para se transformar num homem de confiança do treinador. Sua estreia em La Liga aconteceu na décima rodada, numa partida contra o Celta. Contribuiu com gol na vitória por 4 a 0. Duas partidas depois, também balançou as redes do Granada. Virou um nome intocável na equipe, e contando como nacionalizado espanhol.
“Rinus Michels era um espetáculo. Sabia que fui o único brasileiro a ser treinado por ele? Na estreia oficiosa pelo Barcelona, ele não parava de me fazer sinais para subir no campo. Poxa, nunca tinha jogado assim e disse isso mesmo nos vestiários, durante o intervalo. Mas o Rinus queria uma defesa ofensiva e eu tive de aprender essa marcação à zona com pressão. Mais tarde, quando saí do Barça para voltar ao Brasil, difundi esse esquema entre os brasileiros. O Scolari, por exemplo. Ele jogava no Caxias, eu no Internacional, e ficávamos horas falando sobre táticas do presente e do futuro”, relembrou Marinho Peres, em 2016, ao Observador.
Apesar do impacto do brasileiro, não seria uma temporada tão animadora para o Barcelona em 1974/75, com a terceira colocação em La Liga. Pesaram os compromissos paralelos na Copa dos Campeões, com a queda nas semifinais diante do Leeds United. Marinho Peres foi titular na zaga, com derrota por 2 a 1 em Elland Road e um insuficiente empate por 1 a 1 no Camp Nou. Já na temporada seguinte, o Barça passou por mudanças. Rinus Michels saiu e deu lugar a Hennes Weisweiler no comando. Marinho teria mais dificuldades de se firmar com o lendário alemão, que retomou um sistema de marcação homem a homem. Além disso, as questões burocráticas em relação ao passaporte se tornaram um problema imenso. O beque disputou apenas quatro jogos em 1975/76.
Por conta da nacionalidade espanhola, Marinho Peres tinha que cumprir o serviço militar obrigatório no país. Nem mesmo o fato de estar quite com suas obrigações no Brasil o safou. O Barcelona ainda tentou resolver a pendência nos bastidores, sem sucesso, em tempos nos quais a Espanha ainda vivia a ditadura franquista. E a situação virou motivo de chacota dos torcedores rivais, com provocações ao brasileiro nos estádios. Isso até que o cenário se tornasse insustentável, com a pressão para que o beque se apresentasse à marinha. Seus antigos companheiros de Seleção, levados ao Atlético de Madrid, Leivinha e Luis Pereira é que ofereciam algum suporte à distância na Espanha.
“Muitas vezes que eu ficava com receio de jantar fora por causa da rivalidade dos madrilenos com os catalães também era sobre isso. O Real Madrid fazia brincadeira com o Barcelona, dizendo que me contrataram para servir ao exército. Saía no jornal sem parar. Virou uma coisa complicadíssima. Só depois de 15 anos que fui anistiado”, relembrou Marinho, ao Centro de Referência do Futebol Brasileiro. “Depois de quase dois anos, o presidente e o vice do Barcelona falaram: ‘Marinho, vamos ter que tomar uma iniciativa porque agora o negócio ferveu'. Já tinham tomado o passaporte espanhol, não podia jogar mais como espanhol. Fiquei enclausurado em um apartamento, então eles deram um tempinho. ‘Marinho, podemos sair com você, não de avião, porque vão te parar em Madri. Vamos sair via Nice, via os Pirineus'. O que eu passei, gente, não desejo a ninguém. Honestamente estranho o catalão não ter percebido que isso poderia acontecer, mas olha o que é a decência, eles me pagaram os quatro anos de contrato”.
A epopeia de Marinho Peres rumo ao Brasil teve primeiro uma viagem de ônibus. O zagueiro atravessou a fronteira da França via Pirineus e chegou a Nice. De lá seguiu até Paris, onde pegou o voo para o Brasil. Só então desfrutaria de sua liberdade, mas ainda tratado como foragido pelas autoridades espanholas. Sua volta ao Barcelona aconteceu apenas em 1999, homenageado no centenário do clube, quando as pendências judiciais tinham sido resolvidas.
Gigante no Internacional e parceiro de Telê
Marinho Peres mantinha seu nome no futebol brasileiro. Não à toa, voltou com mercado em grandes clubes. E o Internacional acertou sua transferência. Foi importante a ligação com Rubens Minelli, que havia treinado o beque nos tempos de Portuguesa. Logo de cara, Marinho se tornou um jogador primordial na zaga colorada, sem problemas para se encaixar num time que acabara de conquistar o Campeonato Brasileiro de 1975. O rodado zagueiro de 29 anos partiria para o bicampeonato nacional em 1976, formando uma dupla célebre com Elias Figueroa. Enquanto o chileno ia mais para o combate, o sorocabano fazia o papel de líbero. Aproveitava os mecanismos que tinha aprimorado nos tempos de Barcelona e que também tornaram aquele Inter revolucionário.
“O Minelli queria colocar a linha de impedimento. Queria fazer isso na Portuguesa, mas não dava para colocar tão bem. Aí começamos a aplicar no Inter. De certo modo, não com tanta perfeição, porque nem todos no ataque marcavam. O Inter era um time de pegada, jogava igual dentro e fora de casa. Em termos de passagens por clubes, a melhor que eu tive foi no Inter”, relembrou Marinho, em entrevista ao Centro de Referência do Futebol Brasileiro. Rubens Minelli conseguiu aperfeiçoar seu excelente trabalho do ano anterior, com uma equipe muito dinâmica e com uma capacidade física invejável. Marinho Peres foi a cereja do bolo para eternizar o timaço dos colorados, faturando ainda o Campeonato Gaúcho.
Neste momento, Marinho Peres passou a reivindicar inclusive uma convocação de volta à Seleção. Reapareceu no time em outubro de 1976, no amistoso do Brasil contra o Flamengo, em homenagem póstuma a Geraldo Assobiador. Porém, aquela era a sua despedida da equipe nacional. Por mais que merecesse outras chances e seguisse em grande forma, acabou desconsiderado por Osvaldo Brandão e depois Cláudio Coutinho na equipe nacional. Foram somente 15 partidas disputadas, sete em Copa do Mundo e quatro como capitão. Precisou seguir seu trabalho no Internacional, onde ganhava cada vez mais responsabilidades. Com a saída de Figueroa, Marinho se tornou também o capitão dos colorados e a principal referência da zaga.
Entretanto, a passagem de Marinho Peres pelo Beira-Rio durou menos do que poderia se imaginar. Em 1977, o Grêmio reconquistou o Campeonato Gaúcho depois de um longo jejum. Os colorados realizaram uma mudança no elenco e Marinho acabou negociado com o Palmeiras um mês depois do histórico gol de André Catimba pelos tricolores. O beque voltou ao futebol paulista depois de tanto tempo. Eram anos de seca para os alviverdes, com uma equipe que fazia boas campanhas no Campeonato Brasileiro, mas não conseguia dar o passo além. O principal amagor aconteceu em 1978, presente na final da competição nacional perdida diante do Guarani.
A passagem pelo Palmeiras, ainda assim, se tornou importante para Marinho Peres encaminhar sua carreira depois de pendurar as chuteiras. O beque trabalhou com Telê Santana, com quem criou uma ótima relação. Era uma fase mais centrada do veterano, agora casado e distante da fama de boêmio. Além da inteligência tática, Marinho se destacava também pela voz de comando e pela maneira como influenciava os companheiros. Virou uma espécie de conselheiro de Telê, indicando seus predicados para se tornar treinador depois disso. “O Telê Santana me ligava para saber como jogavam os outros clubes, ele que me lançou como treinador porque havia sido honesto com ele. Em alguns jogos, ele me deixou de suplente e me agradeceu por não ter criado problemas”, contou Marinho Peres, em 2017, ao Globo Esporte.
Depois de deixar o Palmeiras, Marinho Peres defendeu o Galícia e o America do Rio. Foi no clube carioca que teve sua primeira experiência como treinador. Antônio Lopes comandava os americanos, mas recebeu uma proposta do Vasco. Com uma lesão no tornozelo, Marinho assumiu de maneira interina e emplacou. Levou o America ao vice-campeonato na Taça Guanabara em 1981. Além disso, a amizade com Telê Santana também rendeu uma grande oportunidade financeira. Depois da Copa do Mundo de 1982, o comandante da Seleção assumiu o Al-Ahli na Arábia Saudita. Marinho Peres foi como auxiliar e aproveitou o bom salário, superior ao que recebia em sua carreira como jogador. Passou quatro anos no Oriente Médio, até buscar seus voos solos.
Treinador histórico em Portugal
Marinho Peres se tornou um nome importante entre os treinadores brasileiros em Portugal. Num momento em que diversos jogadores da Seleção atuavam nos times lusitanos, o ex-zagueiro conseguiu emplacar em clubes tradicionais como técnico. Em sua primeira temporada, levou o Vitória de Guimarães a um honroso terceiro lugar no Campeonato Português, além das quartas de final da Copa da Uefa, deixando o Atlético de Madrid pelo caminho. Depois disso, assumiu o Belenenses e faria um trabalho histórico na nova equipe. A conquista da Taça de Portugal em 1988/89 é marcante, ao encerrar um jejum do clube que durava 29 anos nas competições de primeiro nível. Zé Mário e Baidek eram homens de confiança, numa equipe que ainda contava com o moçambicano Chiquinho Conde. Na final, o Belenenses bateu por 2 a 1 o Benfica – estrelado por Mozer, Ricardo Gomes e Valdo.
“Dois grandes anos no Belenenses. No primeiro, fomos terceiros no campeonato. No segundo, ganhamos a Taça. E não foi uma Taça qualquer. Eliminamos Porto e Sporting antes de bater o Benfica, lá no Jamor. Que época. Essa rapaziada do Belenenses ficou no coração. Para sempre. Começamos tão mal, com 7 a 1 do Porto nas Antas. E fomos subindo, aos poucos. Ganhamos do Barcelona na Copa da Uefa [apesar da eliminação] e garantimos o terceiro lugar a uma rodada do fim, naquele campeonato louco de 20 equipes. Portugal não tinha condições para passar de 16 para 20. Foi uma loucura”, relembrou Marinho, em entrevista ao Observador.
A carreira de Marinho Peres como treinador intercalou trabalhos no Brasil e em Portugal a partir de então. Por aqui, treinou equipes como o Santos, o Guarani, o Botafogo, o São Bento e o União São João. Já no Campeonato Português, teve sua grande chance no Sporting, entre 1990 e 1992. Não chegou a conquistar títulos, com seu ápice na Copa da Uefa de 1990/91. Os leoninos eliminaram Mechelen, Poli Timosoara, Vitesse e Bologna, superados apenas nas semifinais por uma fortíssima Internazionale. Já o principal legado de Marinho foi auxiliar na afirmação de um talentoso garoto chamado Luis Figo, cria das categorias de base alviverdes e que deslanchou a partir de então.
“Quando cheguei, o Figo até era meio gordinho. Não gordo nem goooordo. Só um pouco acima da média. Super talentoso, claro. Mas gordinho. Numa reunião com o departamento médico, resolvemos desenvolver a sua parte muscular para ficar mais forte e imune aos choques dos adversários”, rememorou, também ao Observador. “Uma vez, o Cruyff foi a Lisboa com o Barcelona. Ia jogar com o Benfica, acho. Taça Ibérica ou o que era, 1992 ou assim. Jantamos juntos e ele, às tantas, pergunta pelo Figo. E eu digo: ‘É craque da cabeça aos pés, vai ser campeão em todo o lado’. No segundo seguinte, me arrependi e avisei: ‘Ó, não compra nada hein?!, deixa comigo mais uns anos, por favor’. Não consegui demovê-lo e o Cruyff foi mesmo buscar o Figo”.
Marinho deixou uma marca especial no Campeonato Português, especialmente pela gentileza e cordialidade com a qual tratava todos. Teria outras passagens por Vitória de Guimarães e Belenenses, enquanto também dirigiu o Marítimo. No Brasil, durante a virada do século, ainda comandou Portuguesa Santista, Juventude e Paysandu. Também se aventurou na seleção de El Salvador e no ASA de Angola. Tinha uma história que falava por si, de quem viveu o futebol de maneira tão intensa. E de quem mantinha contatos com os muitos amigos que fez, de Pelé a Cruyff.
Durante os últimos anos, Marinho Peres lidou com problemas de saúde. O veterano sofreu um AVC em 2019. Já seu adeus nesta semana, aos 76 anos, aconteceu após permanecer um mês internado, vítima de uma pneumonia, além de sofrer com complicações cardíacas e renais. Deixa uma memória ímpar e uma história respeitável no futebol. Afinal, não são muitos que podiam contar suas histórias, beque de tamanha categoria, parceiro de tantos craques.