Brasil

Maurício Noriega: Um hambúrguer com Marinho Peres

Um dos maiores zagueiros da história do futebol brasileiro nos deixou. Menos lembrado do que merecia

Morreu Marinho Peres. Mário Peres Ulibarri, como enfatizavam Estevam Soares e Leivinha, contemporâneos e amigos de um dos maiores zagueiros que o futebol brasileiro produziu. Aliás, Estevam Eduardo Lemos Soares e João Leiva Campos Filho (o Estevam e o Leiva adoram recitar os nomes completos dos jogadores). 

Marinho formou com Luís Pereira a zaga brasileira na Copa de 1974. Uma das melhores zagas que tivemos, mas que deu o azar de pegar a Holanda de Cruyff e Neeskens. Marinho jogou com Cruyff no Barcelona e com Pelé no Santos. Quantas histórias para contar e lembrar! Era um cara afável, educado, de boa prosa e divertido.

Zagueiro que aliava técnica e força física em doses equilibradas, muito inteligente em termos de colocação em campo e compreensão tática do jogo. 

Guardo para mim uma lembrança especial com Marinho.

Uma noite de meio de semana perdida em algum arquivo da memória. Marinho tinha voltado da Europa para jogar no Inter, onde foi campeão brasileiro com Rubens Minelli, e depois no Palmeiras. Acompanhei meu saudoso pai, Luiz Noriega, a um jogo que ele narrou do Palmeiras, no Pacaembu. Marinho comandou com sucesso a linha de impedimento da defesa alviverde. Naquele tempo essa jogada coordenada que procurava deixar atacantes impedidos com um avanço da defesa ordenado por um dos zagueiros (Marinho, no caso), era equivocadamente chamada de “linha burra”. Foi o assunto da noite. Marinho, sempre cortês, deu várias entrevistas explicando como funcionava.

Após o jogo, meu pai combinou de encontrar com Marinho, de quem era amigo. Ficou acertado que iriamos para o Lareira´s, ou News Lareira´s, uma lanchonete que ficava à beira da Avenida 23 de Maio, no bairro do Paraíso, em São Paulo. Ela ainda existe, mas a alguns metros do local original e com outro nome. Era um tradicional ponto de encontro de jogadores de futebol e jornalistas após os jogos. Tempos diferentes. Lembro-me de uma outra noite com papai na qual jantamos com Zico e Pedrinho Vicençote, após um Palmeiras e Flamengo. O gerente da lanchonete, Celinho, era um flamenguista fanático que reunia jogadores de várias equipes em torno de sua simpatia e dos sandubas do Lareira´s.

Volto ao jantar com Marinho. Fomos meu pai, eu e o saudoso Carlos Eduardo Leite (faleceu há algumas semanas), o Dudu, da equipe da TV Cultura. Eu tinha no máximo 12 anos e lembro como se fosse hoje. Estava ali, ao lado de um craque de Copa do Mundo, que jogara com Pelé e Cruyff e Rivellino, entre outros, e era ele mesmo uma estrela. Zero marra, papo solto, explicava coisas do jogo com naturalidade. Nem me preocupei com o horário da aula no dia seguinte. Estava recebendo uma cátedra de futebol e da linha de impedimento, com comentários sobre Cruyff e lembranças do jogo pela fase semifinal da Copa de 1974.

Marinho saiu às pressas do Barcelona porque tinha uma questão com a Justiça Militar da Espanha. Ele tinha nacionalidade espanhola e era obrigado a cumprir o serviço militar, ainda que tivesse 27 anos naquela época . Foi vaiado em campo algumas vezes por causa disso e deixou o Barça e a Espanha numa autêntica aventura via França. No Verdão conheceu Telê Santana, que o conduziu na carreira de auxiliar técnico e futuro treinador. Trabalhou muitos anos em Portugal, onde foi campeão com o Belenenses e revelou Figo, no Sporting.

No final da vida, esse talentoso contador de histórias enfrentou com garbo uma enfermidade que foi apagando aos poucos suas lindas lembranças. 

Guardo comigo esta recordação de uma noite em que comi um hambúrguer com um craque do futebol mundial, numa lanchonete comum, sem que ele fosse incomodado ou se incomodasse. Tempos diferentes, mais simples, sem a aura de celebridade intocável que muitos que nem sequer são celebridades se aplicam.

Foto de Mauricio Noriega

Mauricio Noriega

Colunista da Trivela
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