Hazard está sendo o exemplo mais visível do envelhecimento da Bélgica, que precisa pensar em alternativas
Sem potência, a cabeça do jogador do Real Madrid ainda pensa nos mesmos movimentos, mas seu corpo não obedece

Questionado sobre as chances da Bélgica ser campeã do mundo no Catar, Kevin de Bruyne foi 100% sincero: “Sem chance, estamos muito velhos”. E se existe um sinal muito claro de que o meia do Manchester City, que fim de semana após fim de semana exibe um vigor incrível na Premier League, não estava exagerando é Eden Hazard. A seleção belga perdeu de Marrocos por 2 a 0 neste domingo, mas ainda tem chance de se classificar. Se ainda quiser fazer alguma coisa na Copa do Mundo, precisa pensar seriamente em como utilizar uma das principais bandeiras da sua geração dourada.
O torcedor do Real Madrid não está surpreso. Hazard é uma sombra do que já foi desde que trocou o Chelsea pelos merengues. Teve lesões, passou por cirurgia e nunca conseguiu reencontrar sua melhor forma, principalmente física. Carlo Ancelotti havia dito antes do começo da temporada que o utilizaria como um falso 9, substituindo Karim Benzema quando necessário. Ele teve algumas oportunidades, mas foi atropelado pelo jovem Rodrygo. Em três anos e meio vestindo o branco, fez 72 jogos. E sete gols.
A sua decadência faz parte de um contexto maior da seleção. Apenas De Bruyne, mal nos dois jogos, e Courtois, que falhou no primeiro gol de Marrocos, chegaram à Copa do Mundo em altíssimo nível. Romelu Lukaku está machucado e entrou no segundo tempo, claramente sem condições. Toby Alderweireld e Jan Vertonghen estão em fim de carreira, de volta ao futebol belga para aquele último contratinho. Coadjuvantes como Axel Witsel, Yannick Carrasco e Thomas Meunier não oscilaram tanto, mas seguem coadjuvantes. Nomes importantes, principalmente Vincent Kompany, se aposentaram.
O que deixa o técnico Roberto Martínez em uma situação delicada é que a renovação não é especialmente talentosa. O melhor que surgiu desde a ascensão do grupo de De Bruyne e Hazard é Youri Tielemans, que foi barrado por Amadou Onana, outro nome promissor. Há jogadores interessantes, como Charles de Ketelaere, Jérémy Doku e Loïs Openda, em um nível mais próximo da media de uma seleção belga normal do que de uma geração que compreensivelmente causou tanta expectativa. A renovação na defesa simplesmente inexistiu.
Isso deixa Martínez diante do seguinte dilema: usar craques envelhecidos ou jogadores normais cheios de vitalidade? Como sempre, a questão é encontrar um equilíbrio. Hazard foi um excepcional jogador e não usa a braçadeira de capitão por acaso. É um líder e mesmo nesse último ciclo tão complicado teve momentos melhores pela seleção. Ter começado a Copa do Mundo como titular não foi um absurdo, mas está ficando claro que essa é uma posição em que talvez seja melhor sacrificar eventuais lapsos de genialidade por mais energia.
É até um pouco triste observar o que está acontecendo com Hazard. Ele continua fazendo os mesmos movimentos: domina a bola de costas para o marcador, protege e procura os espaços com dribles curtos para tentar a arrancada. A cabeça pensa igual, o corpo não obedece. Tanto que tende a jogar cada vez mais pelo meio porque nos lados não consegue ganhar de ninguém na velocidade. A sua melhor jogada na partida terminou com um chute da entrada da área, mesmo com espaço para avançar mais. Até a entrada de Dries Mertens, quatro anos mais velho e também encaminhando para a aposentadoria, deu brevemente um pouco mais de dinamismo.
A Bélgica precisa jogar com dois zagueiros mais experientes porque não há opção. Não conta com Lukaku e Kevin de Bruyne não está bem, mas esse não pode sair de maneira nenhuma do time. Substitutos para Hazard, porém, existem. O seu próprio irmão, Thorgan, foi melhor do que ele atuando pelo lado esquerdo. Leandro Trossard não é exatamente um jovem, aos 27 anos, mas está na melhor fase da sua carreira pelo Brighton. Doku é uma opção de velocidade. Martínez também pode reforçar o meio-campo, com Hans Vanaken ou a volta de Tielemans.
Hazard ainda tem capacidade de decidir. Sua qualidade técnica é excepcional. Ele disputou os maiores jogos do futebol europeu de clubes. Possui experiência e poder de decisão. Nem é velho, tem 31 anos, mas está atuando como veterano, e o que a Bélgica mostrou coletivamente até agora no Catar não está conseguindo compensar o que Hazard perdeu ao longo do último ciclo. Se não é fácil barrar um ídolo com seu status, é menos fácil ainda voltar para casa ainda na fase de grupos – se bem que às vezes parece que é exatamente isso que a Bélgica quer.