Fiscalize Catar 2022

Associações de Direitos Humanos pedem que patrocinadores da Copa apoiem compensações a trabalhadores

Human Rights Watch, Anistia Internacional e FairSquare pedem compensação a trabalhadores no Catar, que continuam em situação análoga à escravidão, em condições precárias e com salários miseráveis

As condições de trabalho no Catar continuam muito ruins e, com o holofote da Copa do Mundo, entidades de direitos humanos pediram que os patrocinadores da Copa do Mundo que forneçam “compensação e outras medidas para trabalhadores imigrantes”. Embora os organizadores da Copa 2022 gostem de ressaltar que sediar o principal evento de futebol do mundo foi catalizador para a melhoria das condições dos trabalhadores, a realidade continua sendo muito distante de condições dignas.

Anistia Internacional, Human Rights Watch e FairSquare argumentam que essa compensação é necessária por causa de “morte ou lesões, roubo de salários e dívidas de taxas de recrutamento ilegais durante a preparação para o torneio”. Segundo essas entidades, quatro patrocinadores se mostraram favoráveis a esse apoio para compensação. Outros 10 patrocinadores ainda não comentaram a respeito.

Budweiser, Adidas, Coca-Cola e McDonald’s responderam ao contato das entidades e se comprometeram a apoiar essas compensações. Os outros 10, que ainda não responderam, são Visa, Hyundai-Kia, Wanda Group, Qatar Energy, Qatar Airways, Vivo (que não é a operadora brasileira e sim uma multinacional chinesa de tecnologia), Hisense, Mengniu, Crypto e BJYU’S.

Uma reportagem do Guardian divulgada nesta terça-feira mostra que as condições dos trabalhadores seguem terríveis. Os trabalhadores do Estádio Al Bayt, citados na reportagem, trabalham em um calor escaldante e, ao final do turno, são levados para um local a 40 minutos dali, onde ficam nas instalações da Al Sulaiteen Agricultural and Industrial Complex (SAIC). Vivem em cabanas pequenas e decadentes, com quatro ou cinco trabalhadores em camas de solteiros, outros com cinco ou seis pessoas em beliches. Garrafas de água, utensílios para cozinhar e pertences pessoais são colocados embaixo das camas.

Além das condições ruins, o salário é baixo. Eles recebem cerca de 1.000 riyals, moeda local, algo em torno de US$ 265, por mês. O salário é o mínimo permitido no Catar e ainda é corrompido por outro grande problema: as taxas ilegais que os trabalhadores pagam para serem recrutados, por vezes sem saber o que os espera no destino.

Os trabalhadores entrevistados pelo Guardian são do Bangladesh, Nepal e Índia. São forçados a pagar taxas ilegais, ainda em seus países, para serem recrutados. Um deles, de Bangladesh, conta que pagou 300 mil taka (moeda local, equivalente a cerca de US$ 2.900), uma quantidade alta. Como esses trabalhadores raramente têm esse dinheiro, eles se comprometem a pagar com o salário que recebem no Catar.

O estádio de Al Bayt, na capital do Catar, Doha (GIUSEPPE CACACE/AFP via Getty Images)

Todos eles precisam pagar algo para conseguirem o trabalho, mas são levados sem saberem onde vão trabalhar e nem quanto irão ganhar. Assim, assinam uma promissória sem saber no que trabalharão no Catar, nem quanto ganharão. Assim, ficam em uma situação extremamente fragilizada: já começam a sua trajetória com uma dívida que os prende no lugar. Sobra pouco do que ganham para poder viver e mandar para a família.

Em 2017, o Supremo Comitê para Entrega e Legado (SC), que organiza a Copa do Mundo, criou um sistema para incentivar as empresas que contratam esses trabalhadores pagassem essas dívidas – que são ilegais, é bom repetir. Porém, apesar disso, pouco mudou. Essa situação coloca os trabalhadores em situação análoga à escravidão, presos por dívidas.

Em 2020, o Catar fez uma grande reforma para acabar com a kafala, um sistema trabalhista que é exploratório e que ajudava a criar essa situação análoga à escravidão. Com isso, o trabalhador poderia mudar de emprego, se assim quisesse – antes, o trabalhador só poderia mudar se o empregador permitisse. Isso, porém, é só teoria. Segundo a reportagem do Guardian, não é possível mudar de emprego se os trabalhadores quiserem.

Embora haja o sistema para que os trabalhadores tenham suas dívidas de taxas ilegais pagas, isso raramente acontece. Por isso as entidades de direitos humanos querem incentivar os patrocinadores a fazer isso, além de dar uma compensação aos trabalhadores pelos abusos sofridos por eles.

Os sete novos estádios construídos para a Copa 2022 tiveram um altíssimo custo humano. Trabalhadores da Índia, Nepal, Bangladesh, Paquistão e Sri Lanka foram explorados, acabaram com lesões e até mortes. Segundo a Human Rights Watch, 39 trabalhadores terão morrido para cada gol previsto para a Copa do Mundo. Um número altíssimo. Dados, claro, que os organizadores da Copa dizem que são “descontroladamente enganador”. Diz ainda que o número real está “alinhado com uma demografia mais ampla globalmente”.

“As marcas compram direitos para patrocinar a Copa do Mundo porque elas querem ser associadas a alegria, competição justa e conquistas humanas espetaculares em campo, não o roubo desenfreado de salários e a morte de trabalhadores que tornaram possível a Copa do Mundo”, afirmou Minky Worden, diretora global de iniciativas na Human Rights Watch.

“Com apenas dois meses até que a primeira bola seja chutada, os patrocinadores deveriam usar a sua vantagem considerável para pressionar a Fifa e o Catar a cumprirem suas responsabilidades de direitos humanos com esses trabalhadores”.

“A 60 dias da Copa, depois de uma década de reforma, ainda há trabalhadores retornando sem o pagamento devido a eles. Aqueles que construíram a Copa do Mundo ainda estão vivendo abusos de direitos humanos”, continuou Worden.

Trabalhador em Doha, no Catar (KARIM JAAFAR/AFP via Getty Images)

“Uma grande parte da cultura de torcedores é baseada em solidariedade. Acreditamos na importância de ações coletivas. Como os jogadores, a Copa do Mundo foi imposta a nós. Não a escolhemos. Mas para os torcedores, o silêncio não é uma opção. Apoiamos a campanha pedindo por compensação”, disse Ronanb Evain, diretor executivo da Football Supporters Europe, como o nome diz, organização de torcedores da Europa.

Segundo The Athletic, a Football Association (FA), a Federação Inglesa de Futebol, estava liderando os pedidos por um fundo de compensação das federações de futebol, assim como a introdução de um Centro de Trabalhadores Imigrantes como parte do Grupo de Trabalho da Uefa.

A Federação Alemã de Futebol (DFB) apoiou publicamente o fundo de compensação. “Já fiz duas demandas concretas, que mantenho sem nenhum ‘se’ ou ‘mas’: o estabelecimento de um Centro de Trabalho de Migração pelo governo do Catar e um fundo para aqueles e dependentes que perderam a vida ou ficaram feridos durante a construção dos estádios ou infraestrutura”, afirmou o presidente da DFB, Bernd Neuendorf.

O treinador da seleção neerlandesa, Louis van Gaal, ainda adicionou: “É claro, eu apoio os fundos de compensação e acho que isso deve acontecer especialmente quando você considera os bilhões, eu disse bilhões, que a Fifa lucra com o torneio. Se eles são tão espertos para organizar a Copa do Mundo lá, eles devem arcar com tudo que vem com essa decisão”, disse.

A Copa do Mundo começa no dia 20 de novembro, com a partida entre Catar e Equador. O torneio vai até 18 de dezembro, data que é um feriado, o dia nacional do Catar.

Foto de Felipe Lobo

Felipe Lobo

Formado em Comunicação e Multimeios na PUC-SP e Jornalismo pela USP, encontrou no jornalismo a melhor forma de unir duas paixões: futebol e escrever. Acha que é um grande técnico no Football Manager e se apaixonou por futebol italiano (Forza Inter!). Saiu da posição de leitor para trabalhar na Trivela em 2009, onde ficou até 2023.
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