Espanha anuncia a demissão de Luis Enrique e seu substituto será Luis de la Fuente, técnico da base
A federação espanhola confirmou a esperada demissão de Luis Enrique e já anunciou para seu lugar Luis de la Fuente, responsável pela prata em Tóquio-2020
Luis Enrique certamente tinha consciência de que sua participação na Copa do Mundo de 2022 não teria volta: era retornar para casa com o troféu e poder ser visto como um gênio ou sucumbir na competição e correr o risco de ser tratado feito um louco. Pois a eliminação precoce diante de Marrocos tornou bastante dura a volta do treinador à Espanha. E sua demissão se tornou irremediável. Nesta quinta-feira, a federação espanhola anunciou que Luis Enrique não será mais o treinador da seleção. Era um desfecho esperado, por mais que o ciclo do comandante, no geral, tenha sido bom. O substituto já foi anunciado: Luis de la Fuente, que comandava as seleções de base espanholas.
“A RFEF quer agradecer a Luis Enrique e toda a sua comissão técnica à frente da seleção nacional absoluta ao longo dos últimos anos. A direção esportiva da RFEF transmitiu ao presidente um relatório no qual se determina que deve iniciar um novo projeto para a seleção espanhola de futebol, com o objetivo de continuar com o crescimento alcançado nos últimos anos graças ao trabalho realizado por Luis Enrique e seus colaboradores. Tanto o presidente, Luis Rubiales, quanto o diretor esportivo, José Francisco Molina, transmitiram ao treinador a decisão adotada”, escreve a nota oficial.
A federação elogia Luis Enrique por uma “profunda renovação que consolidou uma mudança geracional na equipe e no futebol espanhol” e por “apostar no talento jovem e semear esperança no futuro da seleção”. Ainda complementa: “A RFEF deseja enfaticamente a Luis Enrique e sua equipe boa sorte em seus futuros projetos profissionais. O treinador conquista o carinho e a admiração dos seus colaboradores da seleção e de toda a federação, que será sempre a sua casa”.
De fato, a federação espanhola tem mais a agradecer do que a reclamar de Luis Enrique. Cabe lembrar que o técnico assumiu a equipe nacional no segundo semestre de 2018, como um escudo aos problemas da RFEF e do caótico Rubiales. Após a saída de Vicente del Bosque com o ocaso da geração dourada da Espanha, Julen Lopetegui fez um bom trabalho de transição, mas sairia de maneira extremamente conturbada às vésperas da Copa do Mundo de 2018, por acertar com o Real Madrid sem conversar com seus superiores. A decisão intempestiva de demiti-lo pouco antes da estreia na Rússia praticamente determinou o fracasso da Roja no Mundial. A federação estava sob grandes críticas, e de maneira justa.
Luis Enrique chegava não apenas como um jogador de ampla bagagem na seleção, como também trazendo seu currículo respeitável como treinador, especialmente pelo sucesso no Barcelona do “Trio MSN”. Era um comandante de estatura que pouquíssimas equipes nacionais tinham. E conseguiu seus sucessos, apesar também dos entraves iniciais. Luis Enrique se afastou por meses da seleção, para acompanhar o tratamento de sua filha que acabaria por falecer. Quando retornou, o antigo assistente Robert Moreno, que havia sido promovido interinamente durante a licença, não quis sair, após conquistar a classificação nas eliminatórias da Euro. Houve troca de farpas pública, mas a federação respaldou Luis Enrique.
A campanha na Eurocopa não engrenou logo de cara, mas a Espanha venceu jogos duros nos mata-matas e alcançou as semifinais, tendo méritos mesmo com a eliminação diante da Itália. Paralelamente, o time também fez sucesso na Liga das Nações. Aplicou a goleada por 6 a 0 sobre a Alemanha antes da Euro e sucumbiu na final diante da França. Os resultados aconteciam e, de fato, Luis Enrique dava espaço a muitos jovens promissores, com destaque a Pedri. Ao mesmo tempo, também comprava briga com veteranos e deixava muitos jogadores renomados de fora por não se encaixarem no seu modelo.
As rachaduras eram muito maiores quando Luis Enrique concluiu sua campanha nas Eliminatórias para a Copa do Mundo. A Espanha se classificou ao Mundial, embora tenha corrido certos riscos em meados do grupo por causa da Suécia. Já na Liga das Nações, a Roja se carimbou em mais um Final Four ao superar Portugal em sua chave. Resultados não faltavam para embasar Luis Enrique, embora os ruídos aumentassem por seus conflitos com os jornalistas. Relação difícil que se escancarou de vez. A convocação para o Mundial foi bastante questionada, ao deixar de lado jogadores em posições-chave. Além disso, por iniciativa própria, o técnico resolveu criar seu próprio canal de comunicação com a torcida através da Twitch.
A estreia da Espanha viu uma máquina de jogar futebol nos 7 a 0 contra a Costa Rica. O time funcionou muito bem e vários jogadores se destacaram no futebol associativo proposto pelo treinador. Entretanto, se o jogo da Roja é lindo quando dá certo, tantas vezes ele se torna enfadonho pelo excesso de passes – algo visto anteriormente no ciclo. Contra adversários mais empenhados defensivamente, a queda de rendimento foi abrupta. A Alemanha ainda deu espaços, mas os espanhóis só empataram. A derrota para o Japão deixou os ibéricos virtualmente eliminados por alguns minutos, salvos apenas pela vitória paralela dos alemães. Por fim, a atuação inoperante contra Marrocos e a eliminação nos pênaltis encerrou a campanha melancolicamente.
Durante as oitavas de final, Luis Enrique deixou transparecer que não tinha outro plano. O time da Espanha carecia de uma postura mais agressiva, mas continuou em sua troca de passes pouco objetiva. Para o volume de jogo espanhol, ter apenas uma finalização no alvo em 120 minutos, e numa cobrança de falta, é bastante problemático. Que Marrocos mereça todos os elogios por seu esforço e a ótima atuação atrás, também é necessário criticar os espanhóis por não assumirem qualquer risco. E a convocação de Luis Enrique gerou carências, especialmente em relação a pelo menos mais um homem de área.
Como foi para o embate público, dificilmente Luis Enrique seria respaldado depois de uma eliminação que soou como fracasso. Por isso mesmo, a federação agradece e segue em frente. Isso não diminui a importância que o comandante teve no ciclo. De qualquer maneira, foi ele mesmo quem decidiu se expor e deixar seus erros mais evidentes. De fato, possui méritos pela maneira como bancou vários jovens que, hoje, se sugerem como futuro da seleção espanhola. Mas, se por um lado suas lives criaram um contato diferente com a torcida, também o transformaram em alvo fácil da opinião pública.
E a federação espanhola não demorou para anunciar substituto: Luis de la Fuente. O técnico das seleções de base já era visto como favorito pela imprensa espanhola, até pensando no que já tinha sido feito com Lopetegui. Como jogador, De la Fuente foi lateral do fortíssimo Athletic Bilbao dos anos 1980, bicampeão espanhol, mas não chegou à seleção adulta. Já como técnico, o basco fez seu nome na base dos Leones, antes de assumir as equipes menores da Espanha a partir de 2013. Conquistou o Europeu Sub-19 em 2015, o Europeu Sub-21 em 2019 e levou a prata nas Olimpíadas de 2020. Vários jogadores à disposição do time principal, assim, já trabalharam com ele na base.
Alguns outros nomes até se colocavam como possibilidades, a exemplo de Marcelino García Toral, que não escondia seu desejo de dirigir a seleção. Entretanto, a RFEF optou por uma escolha menos midiática. De la Fuente terá como primeiro objetivo a classificação para a Euro 2024. Os espanhóis estão num grupo de poucas dificuldades contra Noruega, Escócia, Geórgia e Chipre. Já o maior desafio fica para a Liga das Nações que acontecerá em junho de 2023. Croácia, Itália e Holanda são os oponentes no Final Four.