Entrevista de Felipão mostra como o Brasil tem um grande passado pela frente
A entrevista de Felipão e Carlos Alberto Parreira, nesta quarta-feira cinza (em São Paulo, o dia está terrivelmente nublado), revelou o buraco entre o comando da seleção e o resto do país (que você pode ver aqui no Globo Esporte). Se você viu a entrevista dos homens que estiveram à frente da equipe em 2002 e 1994, quando o time venceu suas duas últimas Copas, provavelmente ficou com a mesma impressão. Independente de heróis e vilões, diferenças táticas e técnicas, Scolari e Parreira parecem estar em outra dimensão.
O SUSTO: Dez coisas óbvias que só Felipão não estava vendo
E AGORA? Massacre alemão sepulta o passado. Mas qual será o futuro?
Ontem, nós listamos dez coisas óbvias que só Felipão não estava vendo. Escrevemos mais como estupefação do que como “cagação de regra na era da sua reprodutibilidade técnica”. Afinal, é fácil fazer engenharia de obra pronta. Nada mais fácil do que se colocar no pedestal e sair traçando regras pós-fato (viu como a gente sabe usar umas expressões bonitas?). Nós realmente estamos surpresos – até agora. Não dá para acreditar. Um elenco com uma série de bons talentos, um ano depois de vencer a Copa das Confederações de maneira convincente, não virou um time.
Mas, talvez, a pista para o desastre esteja em uma declaração de Parreira no final de maio. Ele cravou, sem medo de ser feliz, à ESPN: A CBF é o Brasil que dá certo.Olha, a CBF provavelmente é uma máquina de fazer dinheiro. É uma organização capaz de produzir centros de treinamento e patrocínios em quantidade industrial. Mas é evidente que a CBF, no melhor dos cenários, anda tratando mal seu produto. Ao longo desta Copa do Mundo, os brasileiros revelaram dois medos: Argentina campeã no Brasil e a volta do Campeonato Brasileiro, como mostram esses tuítes.
tive um pesadelo horrível no qual as pessoas se davam conta de que a copa ta acabando e que depois tem brasileirão
— daniel chagas (@danieldchagas) 9 julho 2014
#NEDvsARG Jogo horrível… parece Brasileirão — Edgar Alves Nastri (@ednastri) 9 julho 2014
Olha, tem alguma coisa muito errada quando quem gosta de futebol sofre, profundamente, pela volta do principal torneio do país do futebol. Sim, seria muito difícil repetir os espetáculos da Copa. Mas não é por isso. É porque a diferença entre o futebol da Copa e o futebol do Campeonato Brasileiro vai do cume do Everest às profundezas das Fossas Marianas. E o Brasileirão, é bom dizer, é responsabilidade da CBF. Da mesma forma, a seleção. O time vem de três Copas vexatórias, de reformulação total. Se um campeonato sucateado e uma seleção em crise são sinais de sucesso, olha, precisamos redefinir o conceito de sucesso.
Mas, infelizmente, parece que o comando do futebol do país não vê, não quer ver ou não acha isso importante. E, aparentemente, isso se reflete também na forma como Felipão e Parreira vêem o futebol. Diante de novos problemas, eles parecem ver só os mesmos caminhos.
A entrevista
Resumindo, a entrevista de Felipão e Parreira seguiu uma linha de defesa clara. Absurda, mas clara. Segundo eles, a derrota foi bizarra, mas precisa ser relativizada. Não foi uma partida ruim – foram seis minutos ruins. Entre os 22 e os 28 minutos do primeiro tempo, o Brasil tomou quatro gols. Eles chegaram armados de números e argumentos para defender a preparação da equipe e o trabalho da comissão técnica.
“Nós não tivemos o mesmo nível, não fomos dentro do que tínhamos planejado conseguindo atingir os resultados. Fomos razoavelmente bem na primeira etapa, jogo ímpar, diferente contra o Chile porque era jogo muito disputado, guerra praticamente, depois jogamos bem contra a Colômbia, fomos evoluindo. Contra a Alemanha tivemos aquela dificuldade, não estivemos no nível, mas num nível de razoável pra bom desde o início. Não no mesmo nível, mas em condições de enfrentar e passar obstáculos. Único senão foi esse jogo de ontem”, cravou Felipão.
“Não esperávamos essa derrota catastrófica em relação ao número de gols. Só não podemos esquecer que depois de 2002 essa é a primeira vez que a Seleção chegou à semifinal”
Num dos momentos surreais, Felipão exaltou a chegada do Brasil à semifinal da Copa: “Não esperávamos essa derrota catastrófica em relação ao número de gols. Só não podemos esquecer que depois de 2002 essa é a primeira vez que a Seleção chegou à semifinal. Agora passa a ser importante o outro sonho que temos, que é terminar em terceiro lugar na Copa do Mundo”.
Aparentemente, a comissão técnica via padrão onde uma boa parte do país só via um time tenso e bagunçado. E isso é o mais tenso. Ontem, no calor do jogo, escrevemos um texto dizendo que a seleção fora abalada por um terremoto, que ainda está em andamento. O desafio agora era direcioná-lo para moldar o futuro. As palavras de Felipão e Parreira mostram uma comissão técnica que não está apenas presa ao passado. É uma dupla presa em outra dimensão, incapaz de reconhecer seus erros e descobrir novos caminhos.
Parreira não deixa nenhuma dúvida. Ao ler uma carta da dona Lúcia, uma torcedora que elogiou o trabalho da seleção, Parreira parecia dizer: “Ela viu o que vocês não querem ver”. Não é isso – nunca foi. Uma boa parte do país acreditou na capacidade técnica de Parreira e na mística do Brasil e México foi uma atuação tanto para esquecer quanto para acordar. Parreira e Felipão tinham um passado para oferecer – mas não tinham planejado um futuro. Eles não acordaram depois do México, depois do Chile. O Brasil é o time que menos treinou entre os oito finalistas da Copa, como mostrou o UOL.
O #SCOLARISMO VIVE. VAMOS RESPEITAR A CAMISA DO #BRA.
— Nathalia Guarezi (@naguarezi) 4 julho 2014
Tava torcendo prla Colômbia, mas adoro o #Scolarismo
— Bella Mademoiselle™ (@bellephn) 4 julho 2014
O #BRA vai classificar hoje. Se o fizer jogando bem, arranca rumo ao título. Não há Messi ou Robben capaz de parar o #scolarismo embalado.
— Santino (@Santino1914) 4 julho 2014
A entrevista da dupla Felipão-Parreira só mostra que, se continuar desse jeito, a seleção brasileira terá, apenas, um grande passado pela frente. Vamos viver de cantar “mil gols”, de celebrar o penta e de esperar que um comando com ideias velhas, que faz sempre a mesma coisa, seja capaz de entregar alguma coisa diferente. É, como diria Guimarães Rosa, esperar que o nada vire alguma coisa.