Há 15 anos, França eliminou um Brasil fora de forma e de futebol horrível, que virou alvo de inexplicável nostalgia
Na Copa na Alemanha, em 2006, o Brasil chegou como principal favorito, mas os craques não formaram um grande time

Ter talento sempre foi uma marca do futebol brasileiro. Há uma crença que o talento, por si, sempre fez diferença. Sabemos que isso é um pensamento raso, mas não importa: continua sendo repetido. No dia 1º de julho de 2006, que completou 15 anos nesta semana, nem todo o talento do Brasil foi capaz de apresentar um futebol razoável, que dirá de qualidade. Naquele dia, a França varreu o Brasil da Copa 2006 e destruiu uma Seleção que era um arremedo, mas que, inexplicavelmente, seria vista com nostalgia, anos depois, nas redes sociais.
Foi naquele dia que Zinedine Zidane elevou o futebol como arte para eliminar a seleção brasileira. Um jogo que teve um time claramente superior e outro que chegava ao último capítulo de uma campanha decepcionante. A Seleção de 2006 tem fotos pesadas, mas jogos horrorosos no seu currículo. Uma Copa que o Brasil se ancorou em resultados conseguidos com um futebol pobre e que não resistiu ao primeiro grande desafio que enfrentou.
A nostalgia por vezes nos traz um apego ao que era bom, apagando o que era ruim. Uma constelação de craques que mais parecia um time de videogame, que talvez fosse um sonho de Winning Eleven, muito popular na época. Em campo, os craques do ataque estavam fora de forma, jogaram futebol horrível e acabaram eliminados, justamente, por uma seleção que tinha, sim, um supercraque, Zidane, mas tinha, antes de tudo, um time. Os Bleus tiraram da Copa a Seleção que o mundo esperava que desse espetáculo. Só que o time só existiu no videogame. E como isso aconteceu?
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Como surgiu a empolgação
Havia motivos para empolgação com a seleção brasileira antes da Copa do Mundo de 2006. O time tinha muitos craques e o problema, naquela época, era como combinar todos eles em campo. Em 2004, por exemplo, o Brasil levou à Copa América um time de reservas, usada como testes para Parreira peneirar jogadores. Viu Adriano emergir como um jogador que precisava estar no time principal. Fazendo jus ao nome, Adriano se tornou imperativo no time principal. Dali em diante, ganharia espaço, até se tornar um titular.
O problema é que a posição dele era a de um supercraque da história do Brasil: Ronaldo. Começou a se falar, então, de um “quadrado mágico”. Vale dizer que a alcunha foi criada pela imprensa, não por Carlos Alberto Parreira. O que ele fez foi criar um time que encaixasse os quatro jogadores mais badalados daquela seleção: Kaká, Ronaldinho, Adriano e Ronaldo. O problema é que esse time entrou em campo poucas vezes ao longo da preparação para 2006. Geralmente, um deles estava de fora, permitindo a entrada, por exemplo, de Robinho.
Foi o que aconteceu, por exemplo, na Copa das Confederações de 2005, o ponto alto daquele time. Ronaldo não estava no elenco e o ataque teve Kaká, Ronaldinho, Robinho e Adriano. Em outros momentos, era Ronaldinho que não estava e Robinho entrava também no lugar. Houve momentos em que realmente a empolgação era grande e era justificada: o time tinha um ataque que reunia algumas das maiores estrelas mundiais.
Um dos grandes jogos daquele time aconteceu na reta final das Eliminatórias da Copa, em 5 de junho de 2005. Foi quando o Brasil teve em campo um time muito parecido com o que iria para a Copa, com Zé Roberto no meio-campo, Kaká, Ronaldinho, Robinho e Adriano mais à frente. A vitória por 4 a 1 sobre os paraguaios em Porto Alegre deixou uma ótima impressão. Mas Ronaldo estava fora, machucado.
Antes de partir para a Copa das Confederações, porém, o Brasil sofreu uma das derrotas mais doloridas. Diante da Argentina, em Buenos Aires, o Brasil de Parreira teve Kaká, Ronaldinho, Robinho e Adriano, mas foi vencido pela Argentina de José Pekerman, que tinha Hernán Crespo, Javier Saviola e Juan Román Riquelme, em grande noite. Foi dele a grande atuação daquele dia. Uma derrota dura diante de um adversário pesado, que mostrou que o Brasil tinha problemas contra adversários grandes.
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A Copa das Confederações
A Copa das Confederações novamente não tinha Ronaldo, mas contou com Kaká, Ronaldinho, Robinho e Adriano. O Imperador, aliás, foi o grande destaque do time. Na estreia, 3 a 0 sobre a Grécia. Depois, ainda na fase de grupos, derrota por 1 a 0 para o México de Jared Borghetti (sempre ele) e empate por 2 a 2 com o Japão. Nas semifinais, o time cresceu. Diante da anfitriã, Alemanha, vitória por 3 a 2, em mais uma grande atuação de Adriano Imperador, que fez dois gols.
Foi a final que definitivamente colocou aquele time no imaginário das pessoas como o grande favorito à Copa do Mundo no ano seguinte. A decisão seria contra a Argentina e, mais uma vez, o time passaria como um trator pelo adversário. Venceu por 4 a 1, com Adriano marcando mais duas vezes, gol de Kaká e gol de Ronaldinho. Robinho chegou naquele jogo à sua terceira assistência e foi muito bem no time.
O título, com Ronaldinho como capitão, Kaká indo bem e um ataque explosivo com Adriano Imperador parecia um Brasil imparável. Até porque o time nem tinha levado seus dois laterais titulares, Cafu e Roberto Carlos, e nem Ronaldo. Todos eles estavam sendo poupados para a Copa do Mundo no ano seguinte. O que deu a impressão de que poderia ser ainda mais forte. Imagine esse mesmo time com os dois melhores laterais do mundo e mais Ronaldo, um dos melhores da história?
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A preparação de um time datado taticamente
Na reta final das Eliminatórias, ainda em 2005, o Brasil tinha um time que vinha funcionando. Diante do Chile, em setembro daquele ano, por 5 a 0, com uma escalação que vinha com Kaká, Robinho, Adriano e Ronaldo. Você deve imaginar: tá, mas quem dava equilíbrio? O meio-campo tinha Emerson e Zé Roberto, que tentava encontrar uma forma de manter o time razoavelmente equilibrado. Não era uma tarefa fácil. Ou não seria, porque nas Eliminatórias, o Brasil sobrava.
Nos 18 jogos das Eliminatórias, só uma vez o que ficaria conhecido como “quadrado mágico” entrou em campo. Foi no dia 12 de outubro de 2005, quando enfrentou o pior (ou sempre um dos piores) time das Eliminatórias da Copa na América do Sul: a Venezuela. Naquela edição, os venezuelanos acabariam em oitavo, à frente de Bolívia, lanterna, e o Peru, nono colocado.
Diante de um adversário frágil, o time brasileiro, claro, sobrava. A escalação seria a mesma que começaria a Copa do Mundo no ano seguinte: Dida; Cafu, Lúcio, Juan e Roberto Carlos; Émerson e Zé Roberto; Kaká e Ronaldinho; Adriano e Ronaldo. O time estava desenhado, mas o desafio enfrentado não era lá grande coisa. Vitória por 3 a 0 sobre os venezuelanos no Estádio Mangueirão. Foi um primeiro teste, mas não foi muito além disso.
No ano da Copa, em 2006, o Brasil começou com um amistoso com a Rússia, em março, na última chance de algum tipo de teste. Ronaldinho não estava presente e quem jogou foi Ricardinho, que acabaria indo à Copa. Com ele em campo, a característica mudava. Mais meio-campista que Ronaldinho, ele ajudava a equilibrar um pouco o time, com Kaká, Adriano e Ronaldo mais à frente. O Brasil venceu por 1 a 0, gol de Ronaldo.
Naquela Copa de 2006, ficaria consagrado o que, na época, chamavam de esquema defensivo, um 4-5-1, que depois ficaria conhecido como 4-2-3-1. Mas o Brasil de Parreira jogava em um teórico 4-4-2, mas que na prática era um 4-2-4, cheio de pontos de desequilíbrio que se esperava que fossem compensados apenas pelo talento.
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A festa em Weggis
Um dos pontos mais criticados daquela seleção, antes, durante e depois, foi a preparação da seleção brasileira. Weggis era uma festa e de fato se tornou muito menos uma preparação e muito mais um tour à la Harlem Globetrotters. Torcida nas arquibancadas, invasão do gramado e pouca preparação efetiva.
Havia problemas a resolver. O time não tinha jogado junto muitas vezes. Faltavam teste de qualidade contra times de maior nível. Os jogos que tinha brilhado contra adversários de peso não tinha o chamado quadrado mágico em campo.
Uma das preocupações era a forma física. O Brasil chegou para a última fase de preparação na Suíça com jogadores acima do peso e muitos com status de incontestáveis. Adriano e Ronaldo no ataque deixavam o time pesado, enquanto Ronaldinho e Kaká eram jogadores muito ofensivos, mas que pouco ajudavam no meio. O que significava, na prática, que o Brasil defendia com seis jogadores, além do goleiro Dida. E isso quando os laterais não estavam avançados.
Mais do que isso: havia um pedido para que Robinho entrasse. Sempre que solicitado, o jogador tinha brilhado, mostrado um entendimento melhor e parecia tornar o time um pouco mais equilibrado taticamente. Com Ronaldo e Adriano, seria preciso um trabalho excepcional de Ronaldinho e Kaká para preencher os espaços sem a bola.
O único amistoso antes da Copa foi contra a Nova Zelândia, no dia 4 de junho. Com o quarteto mágico em campo e diante de um adversário frágil, o Brasil venceu por 4 a 0. Nestes amistosos logo antes da Copa, é normal que o adversário seja mais fraco e seja só um aquecimento. Ninguém quer enfrentar um adversário de peso a dias da estreia. O que deveria ser feito em termos de preparação já deveria ter sido feito. Ali era só para aquecer para o desafio que viria.
A frase que marcaria a seleção brasileira de 2006 veio do seu comandante, Parreira, ainda em Weggis, na Suíça. “Nosso time não tem limitações, minha preocupação é apenas fazê-lo jogar sem bola”.
Fase de grupos com vitórias, pouco futebol e muitos problemas

Veio o dia 13 de junho, em Berlim. O Brasil, então campeão do mundo, estreava na Copa diante da Croácia. A forma física parece distante do ideal. Ronaldo quase não participa do jogo. Adriano, fora de ritmo, tenta suas arrancadas sem muito sucesso. Ronaldinho, que ficava na sua tradicional ponta esquerda, tentava levar algum perigo. Kaká era quem mais tentava participar. Nenhum deles estava bem.
O gol de Kaká, ainda no final do primeiro tempo, deu ao Brasil a vantagem que seria mantida até o fim do jogo. Brasil 1 a 0 sobre a Croácia, que, apesar de não ter mudado o placar, ameaçou no segundo tempo. Exigiu de Dida algumas defesas e fez a Seleção suar para sair com os primeiros três pontos daquela Copa. Naquele primeiro jogo, Parreira já era questionado se manteria Ronaldo no time, mesmo com a evidente falta de ritmo (para dizer o mínimo) do atacante.
O roteiro seria parecido no jogo seguinte. Em Munique, no dia 18 de junho, o Brasil foi o mesmo para enfrentar a Australia. Uma seleção teoricamente pior, mas que, em campo, dificultou muito o jogo. Trouxe problemas para um Brasil que pouco conseguia criar. Via em seus destaques, o quarteto mágico, jogadores distantes, que erravam muito. Ronaldo parecia sem conseguir atuar, errando movimentos fáceis. A torcida australiana brincava dizendo que o jogador estava gordo. Algo que era constantemente falado naquela época pelos rivais.
O Brasil voltaria a vencer, desta vez por 2 a 0. O placar, porém, foi apertado o tempo todo. O primeiro gol saiu no começo do segundo tempo, de Ronaldo para Adriano chutar, de fora da área, e marcar. Depois, Fred completaria para o gol vazio depois de uma grande jogada de Robinho acabar na trave e sobrar para o então jovem atacante. Ele empurrou para as redes. A Austrália ameaçou, criou chances, e deixou o Brasil em um sufoco até o final, quando o segundo gol saiu nos acréscimos. O Brasil vencia a segunda e se classificava antecipadamente.
No terceiro jogo, com a vaga garantida, Parreira colocou em campo cinco reservas. Tirou os dois laterais, Cafu e Roberto Carlos, que vinham sendo criticados pelo baixo desempenho; os dois volantes, Emerson e Zé Roberto; e o atacante Adriano. Entraram, respectivamente, Cicinho, Gilberto, Gilberto Silva, Juninho Penambucano e Robinho.
Aquele acabaria sendo o melhor jogo da Seleção na Copa. Apesar de ter saído perdendo, o Brasil virou e goleou. Ronaldo marcou duas vezes, Juninho Pernambucano e Gilberto marcaram os outros gols e o Brasil venceu por 4 a 1. Mais uma vez, com Robinho em campo e um time mais equilibrado, o rendimento foi melhor.
A vitória enganosa contra Gana

As oitavas de final traziam Gana pelo caminho. A seleção africana era um time com bons jogadores, como os conhecidos Stephen Appiah e Asamoah Gyan. O Brasil, porém, era amplamente favorito. Em jogo no Signal-Iduna Park, em Dortmund, o Brasil teria uma atuação preocupante. Não se engane pelo placar de 3 a 0.
Mesmo com a vitória por um placar clássico como 3 a 0, os melhores em campo pelo Brasil foram Zé Roberto, Lúcio e Juan. Um volante e dois zagueiros. Isso além do goleiro Dida, que esteve presente quando Gana resolveu acertar o gol – em geral, erraram. A notícia que tomou as manchetes aquele dia foi o gol de Ronaldo, logo no começo do jogo. Foi o seu 15º gol, o que naquele momento fazia dele o maior artilheiro da história das Copas, superando o alemão Gerd Müller.
A sensação que aquele jogo passou é que Gana era um time fraco demais para aproveitar os problemas do Brasil. Por sua vez, a Seleção venceu dando a impressão que não era preciso fazer muito para isso. Acertou alguns poucos lances, marcou três gols (um deles, de Adriano, impedido) e foi o bastante.
O que se falava depois do jogo contra Gana era pouco sobre a atuação pobre do Brasil, ainda que indubitavelmente vencedora. O que se falavas era sobre o confronto com a França. Uma revanche, ainda com a Copa 1998 na cabeça – quando os Franceses poderiam ter vencido por um placar maior que aqueles 3 a 0.
Como a França chegou até ali

A França vinha de uma decepção na Copa do Mundo de 2002, quando, campeã, caiu ainda na primeira fase, com Zinedine Zidane machucado, sem conseguir render. Em 2004, os franceses caíram para a surpresa Grécia ainda nas quartas de final e os gregos acabariam campeões.
Naquela Copa, o time do técnico Raymond Domenech tinha Zidane como o grande capitão e maestro, na sua última sinfonia antes de se aposentar. Ainda tinha também o talento de Thierry Henry, no auge da forma, além de nomes como Patrick Vieira, Claude Makelele e dos outros remanescentes de 1998, Fabien Barthez e Lilian Thuram, já veteranos.
A estreia da França, no mesmo dia do Brasil, 13 de junho, foi um pouco empolgante empate por 0 a 0 com a retrancada Suíça. No segundo jogo, os franceses novamente ficaram no empate diante da Coreia do Sul por 1 a 1. Assim, chegaram à última rodada ameaçados de nova eliminação na primeira fase. Precisavam vencer Togo de qualquer forma e por ao menos dois gols de diferença. E sem o craque Zidane, suspenso por tomar dois cartões amarelos nos dois primeiros jogos. E assim aconteceu: com gols de Patrick Viera e Thierry Henry, os franceses venceram e avançaram.
Nas oitavas de final, a França fecharia a rodada de confrontos. Enfrentava a Espanha, que tinha feito uma excelente primeira fase. Venceu os três jogos, sendo um 4 a 0 sobre a Ucrânia, um 3 a 1 sobre a Tunísia e um 1 a 0 diante da Arábia Saudita. A Fúria estava badalada, tinha bons nomes e parecia pronta a dar um salto.
O time comandado pelo técnico Luis Aragonés já tinha Iker Casillas, Sergio Ramos, Carles Puyol, Xavi, Xabi Alonso, Cesc Fàbregas, tinha como capitão o ídolo Raúl e já contava com os ainda jovens David Villa e Fernando Torres. A Fúria chegava melhor que uma França pouco confiável. Só que o futebol não é feito só disso.
Em um jogo equilibrado, a Espanha de Aragonés, que já dava seus primeiros sinais de um estilo de jogo que a marcaria, tinha um ataque muito objetivo, com David Villa e Fernando Torres dando velocidade ao veterano Raúl.
De pênalti, a Espanha marcaria 1 a 0 com David Villa. Antes do fim do primeiro tempo, Patrick Vieira fez um lindo passe para Franck Ribéry, um dos destaques daquela Copa, que driblou o goleiro e marcou 1 a 1. Ficaria tudo para o segundo tempo.
Ainda equilibrado, o jogo só teve outro gol no segundo tempo aos 38 minutos. Cobrança de falta de Zidane para a área, a bola desvia no meio da área e Vieira completou de cabeça, em uma bola que ainda desviou em Sergio Ramos, para colocar os franceses à frente no placar.
Os espanhóis partiram para cima, mas no final do jogo, já nos acréscimos, Zidane recebeu em contra-ataque, avançou livre, tinha Puyol pela frente e, diante do zagueiro, driblou para o meio, com a elegância que lhe era peculiar em campo, e finalizou no canto: 3 a 1. A França estava nas quartas. Próximo adversário: o Brasil.

Mudanças à vista para o jogo com a França
O rendimento do “quadrado mágico” era ruim e havia muito questionamento sobre Parreira por manter os quatro juntos em campo. O rendimento melhorava com a presença de Robinho, que era o mais cotado para entrar no time no lugar de Adriano. E por que no lugar de Adriano? Porque com Ronaldo ninguém queria mexer. O jogador que tinha acabado de se tornar o maior artilheiro da história das Copas. Mesmo ele sendo o jogador que parecia mais fora de ritmo e fora de forma.
No jornal O Globo, no dia 1º de julho, quando trazia o material pré-jogo, uma matéria falava que era a última chance do quadrado mágico. Em outra, a matéria dizia que Parreira preparava uma surpresa: a entrada de Robinho no lugar de Adriano e de Gilberto Silva no lugar de Emerson.
Uma alteração de fato aconteceu, a entrada de Gilberto Silva no lugar de Emerson. Na outra, quem saiu continuou o mesmo, Adriano, mas quem entrou não foi Robinho: foi Juninho Pernambucano.
Juninho era um ídolo do Lyon. Chegou ao clube em 2000 e ajudou a equipe a mudar a sua história para sempre. Àquela altura, pentacampeão francês. Sim, penta mesmo, legítimo, porque foram cinco títulos consecutivos. Em uma adaptação de uma frase que ouviríamos depois: “ele conhecia bem os franceses”.
A ideia fazia algum sentido. O Brasil vinha sendo um arremedo de time. Um dos motivos era que, taticamente, ele não existia. Jogava em um teórico 4-4-2 quadrado, ou seja, com dois volantes e dois meias, que eram Ronaldinho e Kaká. Era o esquema da massacrante maioria dos times nos anos 1990, com algumas alterações. O problema é que aquele time jogava em 2006…
Com isso, o tal “quadrado mágico” era um desenho torto e pouco efetivo. Sem ter sido testado contra grandes adversários, o que se viu foi um time que tinha um meio-campo aberto, um ataque desorganizado e ainda contava com atacantes longe da sua melhor forma, tanto física, como no caso de Ronaldo e Adriano, quanto técnica, no caso de Ronaldinho e Kaká. Nenhum deles chegou bem àquela Copa e a preparação não ajudou a melhorar isso.
Com tantos problemas, e já nas quartas de final, Parreira resolveu preencher o meio. Só que com uma mudança, alterou todo o time para um modo como nunca tinha jogado. Colocou Juninho para formar uma espécie de trio de meio-campo junto com Gilberto Silva e Zé Roberto. Deu mais liberdade a Ronaldinho, que virou definitivamente atacante. Kaká ganhou mais liberdade como um meia mais solto, que se aproxima do ataque.

No jogo, um baile da França comandada por Zidane
A Copa do Mundo de 2006 chegava aos seus últimos jogos das quartas de final. No dia anterior, a Alemanha venceu a Argentina nos pênaltis e a Itália venceu a Ucrânia. A Inglaterra, com um time badalado, tinha sido eliminada por Portugal, comandada por Felipão, nos pênaltis em Gelsenkirchen. O jogo noturno era um clássico de campeões mundiais: Brasil e França. Um duelo que já tinha acontecido em 1986 e se repetia 20 anos depois. Era o duelo de um time estrelado do Brasil, mas sofrível em campo, e de uma França comandada por Zinedine Zidane, também cheia de talentos.
Em campo, o meio-campo da França ditou as regras. Claude Makelele e Patrick Vieira puxaram as cordinhas do setor, auxiliados por um competente Florent Malouda, que teve uma missão clara: não deixar que Juninho tivesse liberdade. Os dois eram companheiros de Lyon na época., Se Juninho conhecia os franceses, os franceses também conheciam Juninho.
Em um time que nunca tinha jogada junto, nem daquele jeito, o que se viu em campo foi uma equipe espalhada, com jogadores distantes e sem conseguir trabalhar as jogadas. A França nem impunha um ritmo veloz, pelo contrário: deixava o Brasil trocar passes no campo defensivo e buscava encontrar os seus espaços em lances de recuperação de bola e trabalho de meio-campo. Zidane e Vieira deitaram e rolaram com chapéus e lances de efeito.
O Brasil teve 10 minutos sem sofrer no jogo. Justamente os 10 primeiros, quando os dois times pareciam querer entender como cada um jogava. Depois disso, o Brasil não viu a cor da bola. E a França não sofreria praticamente nada o jogo inteiro.
Em algumas arrancadas do meio-campo, Zidane parecia estar jogando um treino, tamanho a facilidade em se livrar da marcação, driblar, limpar as jogadas e arrancar. Só que faltava algo mais. Porque a dupla de zaga brasileira, Juan e Lúcio, foi impecável na partida. Sempre lendo bem os espaços, não deram a Thierry Henry nenhuma chance de receber a bola confortavelmente.
No meio-campo, Gilberto Silva sofreu um pouco, mas fez uma partida razoável. Zé Roberto era uma espécie de faz tudo: fechava espaços para impedir que a França fosse ainda mais perigosa, ao mesmo tempo que tentava articular as jogadas e a saída de bola. Fazia uma ligação entre meio-campo e ataque que praticamente não existia. Em parte, porque o próprio ataque do Brasil não existia.
Perdido, Ronaldinho buscou alguns espaços, se movimentou, aproveitando a liberdade que tinha. Pouco fez. Como em toda Copa, viveu de lampejos em dribles eventuais, normalmente em lances pouco efetivos, porque estava cercado de marcadores. Sua rara habilidade era pouco útil a um time que parecia confiar demais que o talento tiraria coelhos da cartola.

Kaká ficou afogado em meio aos volantes franceses. Makelele fez mais um dos seus jogos precisos, enquanto Viera era senhor daquele setor. Jogava tão bem sem a bola quanto com ela, quando se projetava e criava problemas para a marcação brasileira.
Ronaldo passou longe de ser Fenômeno. Fora de ritmo desde o começo da Copa pelo longo tempo que ficou afastado no Real Madrid por suas lesões, completamente fora de forma, ele foi um fantasma de si mesmo. Exceto pelo jogo contra o Japão, quando o time conseguiu render mais com cinco reservas em campo, Ronaldo raramente mostrou o craque que sempre foi. O jogo contra Gana foi o que marcou o seu gol do recorde, mas tinha sido um dos raros momentos do jogo que foi efetivo.
Contra a França, Ronaldo foi uma presa fácil para os zagueiros franceses. Não conseguiu dominar, fazer um pivô, ser minimamente perigoso. A única coisa que conseguiu foi um chute a gol, já nos acréscimos do segundo tempo, que saiu fraco demais, a ponto do fanfarrão Barthez ter defendido com facilidade. Aquele foi o único chute que o Brasil acertou no alvo em toda a partida.
Mesmo perdendo, o Brasil demorou a tentar reagir. Parreira voltou ao modelo anterior no segundo tempo, tirando Juninho e recolocando Adriano. Com Adriano e Ronaldo, ambos pesados e sem movimentação, o time não conseguia render. Parreira então tirou Kaká e colocou Robinho. O atacante, muito veloz naquela época e em melhor fase que todos os demais, tentou dar velocidade, sem sucesso.
O tempo passou com uma tranquilidade que a França talvez nem acreditasse que fosse acontecer. O único jogador francês que sofreu em campo foi Henry, muito bem marcado pelos zagueiros brasileiros. Exceto em um lance. Cobrança de falta, aos 12 minutos do segundo tempo. Zidane colocou a bola na segunda trave, onde Henry apareceu completamente livre para tocar para o gol e marcar o que seria o único gol do jogo.
A França viu um Brasil inerte se afogar sozinho, tal qual um peixe fora d’água. Com Ronaldo, Adriano, Robinho e Ronaldinho, a Seleção empilhou atacantes e deu um espaço que, por pouco, a França não aproveitou para ampliar o placar e tornar a vitória ainda mais tranquila. Talvez o único momento que o torcedor francês sentiu algum perigo foi em uma cobrança de falta de Ronaldinho. E foi só.
O jogo completo está disponível no canal da Fifa, no Youtube.
O fim do quadrado mágico e o erro de avaliação da CBF
A França encerrava a participação brasileira na Copa e enterrava o tal quadrado mágico. O time só existiu no papel, não em campo. Foi o fim de vários jogadores históricos da Seleção, como Cafu e Roberto Carlos, além do próprio Ronaldo. Todos eles, já veteranos na época, ficaram para trás quando aquela Copa acabou.
Parreira deixaria o cargo de técnico da seleção brasileira, merecidamente, porque o seu trabalho tinha mostrado uma pobreza tática imensa. Tentou empilhar os craques em um esquema que pouco fez sentido e em uma Copa que trouxe mudanças significativas na forma dos times atuarem, em direção oposta ao que o Brasil apresentou.
Na Copa que consagrou o 4-2-3-1, a Seleção continuou em um 4-4-2 quadrado. Um quadrado que não foi mágico, foi murcho. Ao mesmo tempo que Parreira refratava qualquer crítica como sendo de quem não entendia, era imensamente tolerante com as estrelas decadentes da Seleção se arrastando em campo, por qualquer que fosse o motivo – má forma física, má forma técnica, ou uma titularidade incontestável e perigosa, com alguns sendo acusados de caçadores de recordes, como Cafu ou Roberto Carlos. Este último ainda saiu como o vilão pela marcação em Henry, muito mais pela atitude de estar ajeitando a meia do que propriamente por não estar marcando o atacante. Afinal, não era mesmo o lugar dele. Mas a imagem ficou.
Jogadores como Cafu e Roberto Carlos não tinham nem idade mais para seguir na seleção, pelo ciclo que se encerrava. Outros, como Ronaldo, que tinha 29 anos, ainda teria idade para mais um Mundial, mas a sua preparação física terrível deixou muito mais dúvidas. Ronaldinho, então com 26 anos, e Kaká, com 24, mesma idade de Adriano. Robinho tinha 22, idade também de Fred. Cicinho, com 25, parecia ser o herdeiro de Cafu. As previsões, porém, não se confirmaram. Só Robinho e Kaká chegariam à Copa seguinte. Ronaldinho entrou em uma espiral de baixa, Adriano praticamente se aposentou de forma precoce. Cicinho caiu de rendimento e Fred demorou a se estabelecer como o craque que seria – perderia a Copa de 2010, mas iria para a Copa de 2014.
Voltando a 2006, Parreira deixou a seleção naquele mesmo 1º de julho de 2006. Parecia que seria para sempre, mas ele voltaria em 2014 como coordenador para dizer que a CBF era o Brasil que funcionava. Antes, naquele ciclo que se iniciaria para 2010, era preciso encontrar um novo nome para comandar a Seleção.
Só que a avaliação da CBF foi completamente equivocada. A ideia de que o que foi problema em 2006 se restringia à bagunça da preparação em Weggis e à falta de comprometimento dos jogadores, uma palavra que entraria na moda pelos próximos quatro anos. Por isso, trouxe um treinador que trataria a Seleção como um exército e agiria como um general: Dunga. Isso traria outros problemas. Mas essa é história para outro dia.