Brasil

STJD tem que provar com ações, e não apenas discurso, que quer mesmo combater a homofobia

As poucas vezes em que a torcida no estádio do Morumbi, na última sexta-feira, decidiu envolver-se no jogo da Seleção contra a Bolívia foi para replicar um hábito que infelizmente tomou conta das arquibancadas do Brasil nos últimos anos: o grito de “bicha” contra o goleiro que se prepara ao tiro de meta. Uma ofensa homofóbica e lamentável que precisa ser coibida, e o STJD promete, enfim, tomar medidas duras contra ela, que incluem retirar pontos de clubes cujas torcidas não tomarem jeito, ou excluí-los em caso de competições de mata-mata.

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O anúncio foi feito pelo presidente do STJD, Paulo César Salomão Filho, em entrevista ao Globo Esporte. Durante o recesso da Copa América, será enviado um ofício aos clubes, federações e árbitros sobre as mudanças. O primeiro passo será uma campanha de conscientização. Em seguida, punições que podem variar de multas a perda de pontos, dependendo da intensidade dos xingamentos homofóbicos.

A nova postura do STJD não é coincidência. Ano passado, o auditor Eduardo Mello argumentou que “ainda não há punição por homofobia” no Brasil ao votar na denúncia de ofensas preconceituosas por parte de torcedores do Atlético Mineiro contra o Cruzeiro. Resultado: multa de R$ 5 mil para o Galo, mais ou menos o que eles devem gastar com a conta de água. Isso mudou, semana passada, quando o Supremo Tribunal Federal determinou que discriminação por orientação sexual e identidade de gênero passaria a ser crime.

Sem ter mais atrás do que se esconder, o STJD se propõe a fazer uma “interpretação mais extensiva” do artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, que versa sobre “ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”, para incluir também a homofobia.

Eu só acredito vendo.

Esse é o mesmo artigo utilizado pelo STJD para excluir o Grêmio da Copa do Brasil no caso de racismo contra Aranha, quando foi confortável tomar essa decisão porque o Santos havia vencido, fora de casa, por 2 a 0, e provavelmente avançaria de qualquer maneira. Ele nunca mais foi evocado com a mesma rigidez.

Pouca gente sabe, por exemplo, que existe punição por perda de pontos para clubes que atrasarem salários registrados em carteira de trabalho por mais de 30 dias. Três por jogo até as dívidas serem quitadas. Como uma ação depende da denúncia de jogadores ou sindicatos, e jogadores e sindicatos não denunciam, e o STJD deixa quieto, na prática essa punição não existe.

O próprio texto da regra abre espaço para o órgão agir apenas quando estiver muito afim. Diz que a perda de pontos pode ser aplicada caso haja “infração praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade”. Explica o presidente do STJD que, caso a manifestação seja “por um torcedor”, a sanção seria uma multa.

E como a gente define o que é um número considerável de pessoas? Dez, cem, mil, duas mil? Vai da capacidade de entonação? O árbitro, relatando na súmula, e a Procuradoria serão responsáveis por identificar as ofensas homofóbicas, e o STJD, em um oceano de subjetividade, decidirá o que é considerável e o que é só um torcedor gritando bem alto entre outros milhares

É importante que o STJD se mexa contra a homofobia, mas terá que provar com ações que deseja, de fato, coibir essa epidemia do futebol brasileiro, e não apenas ganhar manchetes bacanas com discurso demagogo.

Foto de Bruno Bonsanti

Bruno Bonsanti

Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de aterrissar no site que sempre gostou de ler (acredite, ele está falando da Trivela). Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.
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