Brasil de Pelotas saiu das lágrimas da tragédia de 2009 para se reconstruir ainda mais forte 10 anos depois

Início de ano, preparação para o início dos campeonatos estaduais. O Brasil de Pelotas fez um jogo-treino com o Santa Cruz, na cidade de Vale do Sol, visando o Campeonato Gaúcho que começaria na semana seguinte. Era 15 de janeiro de 2009. O time voltava de ônibus pela estrada BR-392, em Cangaçu, cidade a cerca de 80 quilômetros de Pelotas. Em uma curva fechada, se fez uma dor imensa. O ônibus saiu da pista, capotou e três pessoas da delegação morreram. Entre elas, o maior ídolo da história do clube. Uma ferida terrível que rasgou o peito não só dos torcedores do Xavante, mas de qualquer pessoa com alguma humanidade no coração. De lá para cá, o Brasil de Pelotas viveu uma reconstrução, sem esquecer as lágrimas inevitáveis, mas olhando para o futuro.
LEIA TAMBÉM: Como o Brasil de Pelotas campeão gaúcho ajudou a expandir as fronteiras da Seleção
No anel que liga a RS-471 com a BR-392, o ônibus saiu da pista, caindo em um barranco e parando quase 40 metros depois. O zagueiro Régis, o preparador de goleiros Giovani Guimarães e o maior artilheiro da história do Xavante, Claudio Milar, morreram. Milar, de 34 anos, era uruguaio e marcou 111 gols em 209 jogos pelo clube. Os demais sofreram muito com as consequências daquele dia. O goleiro Danrlei, ex-Grêmio, estava presente. Foi ele o primeiro a conseguir sair e buscar ajuda, na estrada. O atual técnico do Inter, Odair Hellmann, era volante do time. Também sobreviveu ao acidente, mas sofreu com as consequências. O levou, em última instância, a pendurar as chuteiras.
Em campo, o Xavante decidiu jogar o Campeonato Gaúcho de 2009. Entrou no gramado do estádio Bento Freitas no dia 3 de fevereiro para começar uma maratona de jogos atrasados. Foram oito jogos entre o dia 3 e 19 de fevereiro, o primeiro turno. De todo o elenco, só restaram 12 jogadores capazes de entrar em campo. Ou melhor, foram considerados capazes. O goleiro Danrlei era um dos que dizia que não havia condições psicológicas para o time jogar. Inter e Grêmio, além de empresários, emprestaram outros oito jogadores ao clube. Foram oito jogos, com três empates e cinco derrotas.
No segundo turno, a campanha foi pouca coisa melhor: sete jogos, uma vitória, um empate, cinco derrotas. O Brasil terminou em último na classificação geral, com sete pontos, e foi rebaixado à segunda divisão do estadual. A tragédia fora de campo refletiu no campo. Foi então que os Xavantes precisaram mostrar toda a sua força para não se abalar com a tristeza que inevitavelmente era sentida, enxugar as lágrimas e seguir. O time ainda jogaria a Série C, onde conseguiria chegar às quartas de final, mas acabaria eliminado pelo América Mineiro.
Em 2010, o Brasil disputou a segunda divisão gaúcha. O desempenho, porém, foi terrível. O time sequer passou a da primeira fase. Acabou o torneio com 14 jogos, três vitórias, sete empates e quatro derrotas. Jogou também a Série C, mas não passou da primeira fase. Em 2011, o time conseguiu avançar um pouco mais: chegou à terceira fase, mas não se classificou para o quadrangular final, que definiria o acesso. Jogou novamente a Série C e ficou em 19º, acabou rebaixado à recém-criada Série D. Em 2012, mais uma vez avançou da primeira fase no Gaúcho, mas caiu na segunda, antes de brigar por acesso. Jogaria a Série D, sem sucesso, e ficaria fora da edição seguinte. Parecia que o Brasil tinha chegado ao fundo do poço.

Foi em 2013 que a história começou a finalmente mudar. O Brasil se classificou em segundo no Grupo B, avançou à fase final, passou pelo Riograndense e se consagrou campeão, batendo o São Paulo na final. O time de Pelotas estava de volta à primeira divisão gaúcha. Em 2014, o Brasil fez uma campanha de destaque: ficou em segundo no Grupo A, atrás apenas do Inter. Avançou à fase eliminatória e superou o Novo Hamburgo. Nas semifinais, caiu diante do Grêmio por um placar apertado, 2 a 1. Ficou com o terceiro lugar e se classificou para a Copa do Brasil e a Série D. Era uma nova chance de recomeço, e os Xavantes aproveitaram.
Na campanha da Série D, o Brasil avançou da fase de grupos e foi bem nos mata-matas: bateu Operário Várzea-Grandense, Brasiliense, Londrina e, finalmente, acabou derrotado pelo Tombense, nos pênaltis. Mesmo assim, havia motivo para comemorar: o time subiu para a Série C. O ano de 2015 começou com outra boa campanha no Gauchão. Novamente indo bem na primeira fase e desta vez parando no Inter na semifinal. Mais uma vez, terceiro colocado.
O desafio na Série C era grande. O time se classificou em quarto no Grupo B, avançando para o temido mata-mata. Enfrentou o Fortaleza e conseguiu se classificar de forma dramática, depois de vencer por 1 a 0 em casa e empatar por 0 a 0 fora. Isso significou o acesso do time gaúcho à Série B. Seis anos depois do acidente, os Xavantes estavam na Série B do Campeonato Brasileiro, contando com o artilheiro Leandrão.
MAIS: [Vídeo] A torcida do Brasil de Pelotas recepcionou o time em Porto Alegre e fez muita festa pelo acesso
Jogar a Série B foi mais um desafio para o time de Pelotas. O salto da Série C para a Série B é grande. O time conseguiu se manter lá. A campanha no Campeonato Gaúcho foi pior que nos anos anteriores, terminando em oitavo lugar. Na Série B, a tranquilidade do 11º lugar, sem risco de rebaixamento. E assim o time se manteve. Foi oitavo na Série B de 2017, quando chegou a sonhar com o acesso, mas perdeu fôlego. Em 2018, conseguiu ser vice-campeão gaúcho e terminou a Série B mais uma vez em 11º.
Em 10 anos, o Brasil de Pelotas conseguiu sacodir a poeira e se tornar um clube estabelecido na Série B. Pode sonhar com o acesso, como aconteceu nos últimos anos. A tragédia de 2009 é uma cicatriz que nunca será esquecida e dói a cada momento. São 10 anos que o time precisou se reconstruir, pouco a pouco. A cada jogo no Bento Freitas, no Gauchão ou na Série B do Brasileiro, os torcedores podem vibrar e viver a paixão pelo Xavante. O clube de Régis, Giovani Guimarães e do ídolo Claudio Millar. As dores ficam, mas o Brasil é eterno.