Brasil

A espera de ‘caminhão de dinheiro’, Paulista conquista 5ª divisão 20 anos após final na 1ª

Clube do interior de São Paulo deve concluir venda de sua SAF em 6 de outubro

Sempre que o Paulista de Jundiaí chegava com perigo ao gol, logo após a conclusão dos lances, o DJ Alex acionava prontamente o botão que fazia ecoar no estádio um cacarejo de galo.

No sábado (14), os cacarejos só apareceram em profusão no segundo tempo. Na primeira etapa, Alex forçou a mão para apertar o botão em um lance, aos 48. Da entrada da área, Vinícius Caveira bateu, e o goleiro Curtes, do Colorado de Caieiras, desviou.

Mas, aos 12 da segunda etapa, o mesmo Caveira desviou cruzamento do bom lateral-direito Renato Marola, para fazer 1 a 0 — na súmula, o gol foi dado a Michel, contra. Àquela altura, no agregado, o resultado ia para 5 a 0.

O cacarejo logo subiu, mas foi abafado pelos gritos dos 7,3 mil torcedores do Galo da Japi, o melhor público da campanha.

Assustando também os pombos que moram na marquise da área coberta do estádio, que, vez ou outra, davam rasantes bem próximos das cabeças dos torcedores.

Torcida do Paulista faz festa no Jayme Cintra
Torcida do Paulista faz festa no Jayme Cintra (Foto: Diego Iwata/ Trivela)

Aos 37, Alex voltou a apertar o botão, quando Lobato, meia do Colorado, bateu pênalti no travessão.

Começava ali a festa do campeão da Série B do Campeonato Paulista. Que, na prática, é a quinta divisão estadual. A última profissional. Dezenove anos depois da conquista da Copa do Brasil. E que deve ser o último troféu de uma era que está perto do fim.

Há 20 anos, o Paulista também decidia um Campeonato Paulista. Mas em vez da última divisão, a final, no Pacaembu, valia a principal do Estado.

O título não veio. O São Caetano de Muricy Ramalho ganhou do Paulista de Zetti na ida (1 a 3, no Canindé), e na volta (2 a 0), para ficar com a taça.

Mesmo com o vice, não houve enorme tristeza. Porque eram tempos de glória. Que o clube de Jundiaí pode estar no caminho de resgatar.

Paulista pode mudar de patamar em 20 dias

Daqui a 20 dias, em 6 de outubro, Pedro Mesquita, ex-chefe da XP Investimentos, deve confirmar a aquisição de 90% da SAF do Paulista de Jundiaí. A Exa, sua nova empresa, é quem vai assinar o negócio.

O processo de diligência, iniciado em julho, com a assinatura de um memorando, está adiantado. Mas todos no clube falam com precaução sobre assunto. Possivelmente escaldados pelo fracasso de 2022, quando a empresa Two Me refugou no dia em que deveria depositar R$ 300 mil para iniciar a aquisição.

O plano de Mesquita era chegar à elite do futebol estadual em quatro anos. Com a conquista da “Bezinha”, o time do técnico Fausto Dias, confirmado na Série A4 de 2025, adiantou o processo em um ano.

Torcedores do Paulista aguardam início do jogo
Torcedores do Paulista aguardam início do jogo (Foto: Diego Iwata/ Trivela)

Clube terá calendário o ano inteiro

Na quarta divisão, o clube passa a ter também o direito de disputar a Copa Paulista e a ter calendário o ano inteiro, com torneios a disputar nos dois semestres — Estadual no primeiro, copa no segundo.

— O clube e a cidade sofreram muito e mereciam essa conquista. Um clube como o Paulista, de 115 anos, não pode estar na Bezinha, com todo respeito à competição — disse, à Trivela, o presidente do Paulista, Rodrigo Peternelli.

— É o nosso quarto ano de gestão, e a gente teve de arrumar a casa de dentro para fora. Recebemos muitas críticas. Tivemos de trocar gramado, reformar alojamentos, criar processos internos. Estruturar tudo para essa subida — completou.

— [Quanto à SAF] a gente tá nessa expectativa, torcendo para dar tudo certo. E, se também não vier nesse momento, a gente vai seguir trabalhando muito para subir no Paulista, degrau por degrau — disse o dirigente.

Mesmo com os pés no chão, os planos são ambiciosos. Nem teria como ser diferente. Atualmente, o Paulista tem uma receita anual inferior a R$ 1 milhão. E dívidas que giram em torno de R$ 50 milhões. Não há nem como sonhar em fechar essa conta sem mirar alto

Mais que um time, Mesquita vai comprar uma história

Torcedores Uniformizados do Paulista e doo Guarani (Foto: Diego Iwata/ Trivela)
Torcedores Uniformizados do Paulista e doo Guarani

Pedro Mesquita, que não esteve no Jayme Cintra na decisão, pode até achar que está apenas fazendo mais um investimento, caso adquira a SAF. Mas vai levar muito mais. Vai levar a alma e tradições de um clube que sempre flertou com a grandeza.

Como a bandeira que homenageia Giba, jogador do Corinthians nos anos 1990 e técnico lendário do Paulista: campeão do Brasileiro da Série C (2001), do Paulista da A2 (2001) e da Copa São Paulo (1997). O técnico morreu em 2014. Seu último clube foi a equipe de Jundiaí.

Ainda que, como todo clube do interior, muitos dos seus torcedores dividam seus corações com os grandes da Capital, a torcida do Paulista é orgulhosa.

— Eu fui a mais de 2 mil jogos do Corinthians. Mas quando jogam Paulista e Corinthians, eu torço para o Paulista — garantiu Odair Tiene, 74.

Um palmeirense, com a camisa do clube, foi hostilizado por membros da Raça Tricolor, uma das organizadas do Galo, quando tentou entrar na sede da torcida, para falar com um amigo.

— Aqui, você não entra. Verde aqui, só o do Guarani — disse um uniformizado, sem nem estender a mão para o palmeirense, que ficou no vácuo.

A aliança com a torcida da equipe esmeraldina de Campinas se deve, primordialmente, ao ódio em comum à Ponte Preta. E, por conta disso, camisas do Bugre se misturavam às tricolores.

Odair Tiene, 74, torcedor do Paulista de Jundiaí (Foto: Diego Iwata/ Trivela)
Odair Tiene, 74, torcedor do Paulista de Jundiaí (Foto: Diego Iwata/ Trivela)

Estaduais não podem acabar

Todo ano, a mesma discussão vem à tona: os Estaduais precisam acabar para desinchar o calendário. Diante do que o Jayme Cintra mostrou no sábado, numa quinta divisão, fica difícil concordar.

Pode até ser o caso de os grandes jogarem menos, entrarem em fases mais adiantadas. Mas um estado-país, como é São Paulo, precisa comporta disputas regionais.

Que o digam os idosos, que eram boa parte do público no estádio no sábado. Ou as crianças frenéticas, penduradas no alambrado para pedir autógrafos aos seus heróis, Thomas Lamin, Vitinho e Filipinho, após a volta olímpica.

— (Na conquista da Copa do Brasil de 2005) eu estava ali — apontou para a arquibancada, o presidente Rodrigo Peternelli.

— Mas, para mim, essa, agora, é a maior conquista da nossa história — afirmou ainda, prestes a ajudar a escrever mais uma revolução no roteiro de uma agremiação com vocação para receber aportes.

Para quem já se chamou Lousano Paulista (1995-1998), Etti Jundiaí (1998-2002) e Jundiaí Futebol LTDA (2002), passar a atender por Paulista de Jundiaí SAF não é nada drástico. Ainda mais se isso vier com um caminhão de dinheiro e a promessa de novas decisões de campeonato.

Crianças penduradas no alambrado do Jayme Cintra tentando conseguir autógrafos dos jogadores
Crianças penduradas no alambrado do Jayme Cintra tentando conseguir autógrafos dos jogadores (Foto: Diego Iwata/ Trivela)
Foto de Diego Iwata Lima

Diego Iwata LimaSetorista

Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero, Diego cursou também psicologia, além de extensões em cinema, economia e marketing. Iniciou sua carreira na Gazeta Mercantil, em 2000, depois passou a comandar parte do departamento de comunicação da Warner Bros, no Brasil, em 2003. Passou por Diário de S. Paulo, Folha de S. Paulo, ESPN, UOL e agências de comunicação. Cobriu as Copas de 2010, 2014 e 2018, além do Super Bowl 50. Está na Trivela desde 2023.
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