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Como a Argentina manteve o Brasil vivo em Itaquera

A cidade vazia dá o tom: estamos em um feriado em São Paulo. O movimento no metrô é só pelo jogo em Itaquera. Argentinos, brasileiros e holandeses se misturam no transporte em direção ao palco da semifinal da Copa. O clima ainda é um pouco de velório, mesmo que isso seja mais culpa do feriado do que do massacre que a Alemanha impôs à seleção no dia anterior. Mas ali, em Itaquera, o Brasil estava vivo. Ao menos para tentar provocar os argentinos.

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A taça do mundo virou atração do lado de fora da passarela de torcedores (Foto: Felipe Lobo/Trivela)
A taça do mundo virou atração do lado de fora da passarela de torcedores (Foto: Felipe Lobo/Trivela)

Na estação Artur Alvim são muitos os orientadores, as pessoas… e os informes em português e inglês. Nada de espanhol nos letreiros, mas muito nas ruas. Argentinos dominaram a região. Beberam ali nos bares e nos botecos poucas horas antes do jogo como se fosse o último jogo da vida deles. A Copa do Mundo nos permitiu essa cena: argentinos lotando mercados e botecos nos arredores de Itaquera antes de uma partida como se estivessem na Recoleta ou em Palermo Hollywood. Muitos deles estavam procurando por ingressos. No meu caminho, três vezes me pararam pedindo. Havia muita expectativa, cantos e brincadeiras com os brasileiros. Perdeu, agora aguenta.

É ali, no caminho da estação Artur Alvim para o estádio, que as placas tectônicas da Copa do Povo começam a se movimentar. Com grades, foi montada uma espécie de passarela na rua, em plena Radial Leste (sinônimo de carros e congestionamento em São Paulo). Ela estava interditada para o trânsito. Naquela faixa dos com e sem ingressos, os torcedores com ingresso avançam rumo ao estádio. Então eles encontram a primeira triagem, que barra os sem-ingresso de avançar. Eles passam – eu, não. Eu, membro do MSI (Movimento dos Sem-Ingresso), fui convidado a me retirar por uma estratégica saída da passarela.

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Radial Leste bloqueada, enquanto torcedores caminham para a Arena Corinthians (Foto: Felipe Lobo/Trivela)
Radial Leste bloqueada, enquanto torcedores caminham para a Arena Corinthians (Foto: Felipe Lobo/Trivela)

Entrei pelo conjunto habitacional que ladeia a avenida. Ele está todo decoradão de Copa, coisa linda. Caminhei pela rua, até encontrar uma passagem que dava para uma passarela. É exatamente essa entrada que alguns moradores usaram durante vários jogos da Copa para ver os estrangeiros passar, os com-ingresso ostentar. Era a Copa do pessoal MSI. Em todos os jogos em Itaquera, eles formavam uma multidão de gente pedindo fotos com gringos e copos comemorativos da partida. Não nesta quarta-feira chuvosa. Uns poucos moradores iam até ali, debaixo de uma fraca garoa, para ver o estádio, tirar fotos e ficar assistindo àquela passagem de torcedores rumo ao estádio.

Um casal de idosos observa a passagem de torcedores e o estádio. O mais perto que chegaram da Copa foi ali, a algumas centenas de metros do gigante que abrigaria a semifinal entre Argentina e Holanda em pouco tempo. Um outro grupo espera poder conhecer o estádio depois da Copa. Uma mulher, moradora do conjunto habitacional, diz que quer ir ao estádio, mesmo não sendo corintiana. “Moro aqui do lado, é o estádio daqui, quero ir ver”, ela conta.

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Não se entra na passarela sem ingresso (Foto: Felipe Lobo/Trivela)
Não se entra na passarela sem ingresso (Foto: Felipe Lobo/Trivela)

De volta ao metrô, agora a passarela de torcedores está mais animada. Um grupo de religiosos, católicos, cantava músicas tentando evangelizar os estrangeiros. “Welcome. You’re special to God”, diz um dos muitos cartazes. Poucos minutos depois, cansados, foram para as grandes da passarela de ingressos. Seguravam os cartazes, mas o espírito era outro. A menina, que veste a camisa citando o versículo João 3:16, segura um cartaz, ao mesmo tempo que puxa um grito de “Holanda, Holanda”, a cada argentino que passa.

O clima é de provocação nos arredores da estação Artur Alvim. Não há confusão, porque o policiamento é intenso. Mas os argentinos passam fazendo o número sete. Os brasileiros provocam gritando Holanda, puxando o canto “Mil gols” e até um canto novo: “Se você é argentino/Então vai tomar no… /Você tem só duas Copas/Igualzinho ao Cafu”. Alguns ensaiam um “pentacampeão”, mas não faz muito sucesso. Quando os holandeses passam (ou mesmo brasileiros vestidos de laranja), gritos de apoio.

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O mais curioso é que virou mesmo uma passarela. Separados por grades, as pessoas do bairro estão no comércio, nos botecos, nas vendinhas. Enchem a cara, provocam os argentinos, brincam, se divertem. Mesmo os argentinos que respondem o fazem rindo. Não há tensão, há clima de galhofa, aquela, que tanto esteve presente na Copa inteira. Não há um clima de lamentação. Uma ou outra brincadeira sobre o massacre da Alemanha. “Não precisava ter perdido assim, né?”, alguém diz para mim, rindo, depois de gritar até se esgoelar para um grupo de argentinos que passou.

Tem palmeirense em Itaquera também, e ele também fica de olho na passagem de torcedores (Foto: Felipe Lobo/Trivela)
Tem palmeirense em Itaquera também, e ele também fica de olho na passagem de torcedores (Foto: Felipe Lobo/Trivela)

As pessoas na passarela dão tchau. É quase como um tapete vermelho do Oscar, só que com desconhecidos. Ninguém conhece ninguém. As cores e camisas é que são as estrelas, porque só elas são conhecidas. Até há espaço para algum grito de clube. Passo um torcedor com a camisa do Palmeiras e alguns do lado de fora da grade gritam “Vai, Palmeiras”, imediatamente respondido pelo torcedor. Alguém grita “Vai, São Paulo”, mas não tem resposta, embora até apareça um ou outro são-paulino. O “Vai, Corinthians” é mais frequente, especialmente entre os moradores. Mas há torcedores que passam na passarela com a camisa do clube alvinegro, o dono do estádio.

Ali, na passarela, o que faz sucesso são as brincadeiras, as provocações, a festa. O Brasil perdeu.  A Copa continua. A zoeira também. E não vai parar. Os argentinos que se preparem, porque a Holanda fez sucesso nesta quarta-feira, mas é a Alemanha que deve ter a torcida a favor. A Seleção perdeu a Copa no Mineirão. Mas o Brasil ganhou a Copa. E ganhou por muito. Independente de Alemanha ou Argentina serem campeões no Maracanã.

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Foto de Felipe Lobo

Felipe Lobo

Formado em Comunicação e Multimeios na PUC-SP e Jornalismo pela USP, encontrou no jornalismo a melhor forma de unir duas paixões: futebol e escrever. Acha que é um grande técnico no Football Manager e se apaixonou por futebol italiano (Forza Inter!). Saiu da posição de leitor para trabalhar na Trivela em 2009, onde ficou até 2023.
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