Esse garoto viu a Copa de seu jeito, e não é uma grade ou o preço do ingresso que impediriam

Gabriel tem apenas seis anos e mistura a falta de medo com a agilidade das crianças para se sentar em uma das grades que formam uma passarela em uma das principais vias de acesso ao Castelão. Em poucas horas, a cerca de um quilômetro dali, a seleção brasileira, cuja camisa o garoto veste com orgulho, enfrentaria a Colômbia pelas quartas de final da Copa do Mundo. Gabriel tira a corneta verde da boca para falar apenas uma frase e não desanima nem diante de uma resposta negativa: “Me dá um ingresso?”
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Ele mora perto da Copa do Mundo, foi ao estádio em todas as partidas, mas nunca conseguiu entrar nele, como muitos outros moradores daquele pobre bairro colado ao Castelão. Achou que tivesse tirado a sorte grande antes de o Brasil enfrentar o México. Ganhou ingresso de um mexicano, mas as versões divergem a respeito do número. Ele alega que recebeu dois, a mãe afirma que foi apenas um.
Nem assim Gabriel conseguiu ver um jogo de Copa do Mundo. A mãe vendeu o ingresso (ou os ingressos) e não quis explicar por quê. “Ele não ia conseguir entrar mesmo, então vendi para ele”, explicou. Resiliente, o garoto continuou requisitando um ingresso à reportagem, que continuou negando. Eventualmente, desistiu. “Então, me dá um copo?”
Crianças dessa idade não costumam ter dificuldades para sorrir. Às vezes basta uma comida gostosa ou um presente simples, como um copo ou um chapéu da Copa do Mundo. O filho do seu José Maria conseguiu. Ganhou um sombreiro de um mexicano, também naquela partida da primeira fase. É tímido, não fala muito, mas tem 11 anos e mostra todos os dentes quando se lembra do regalo.
Seu José tem cinco filhos. Três garotas, de quatro, 17 e 18 anos e outro garoto, de 14. Trabalha há cerca de 16 anos, desde que chegou à Fortaleza de Viçosa, próximo ao Piauí, com construção civil. Nem sempre tem trabalho garantido, esse tipo de ramo costuma ser bem sazonal. Mora a poucos quilômetros do Castelão, mas sequer pensou em gastar o pouco que ganha e precisa juntar para sustentar cinco crianças com um ingresso para a Copa do Mundo. “Seria muito legal ir, mas é impossível. Deveria ter havido um debate. Colocaram preços caros e só vem gente de fora. Deveria ter para a gente também. Acho isso errado”, afirmou.
Um pouco mais à frente, outro grupo de pessoas que apenas assistiu à Copa do Mundo passar, sem de fato fazer parte dela. Um homem, com alegria nas pernas, embora não fosse o Bernard, sambava com uma bandeira verde e amarela, divertindo-se com o cachorro, irritado com a música de Diogo Nogueira e a movimentação dos pés do sambista. Uma demonstração, quase uma lição, de que não é necessário um ingresso para participar da Copa. Basta ter o espírito certo.