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A Copa é feita de futebol, mas também de alegria e orgulho

SÃO PAULO – Era impossível deixar de notá-lo. Entre muitos colombianos (e alguns brasileiros) que viam o jogo decisivo das quartas de final da Copa, vários jovens e cheios de energia, quem chamava mesmo a atenção era um senhor de meia idade. Bigode vasto, de fazer inveja a Valderrama e Higuita. Mas nada de sobriedade naquele homem. Os dentes não deixavam de ranger por um segundo. Balbuciava algumas palavras, como se pudesse tocar o âmago de seus jogadores, tão distantes. As mãos, juntas, se apertavam ainda mais a cada ataque dos cafeteros. Os olhos marejados eram uma mistura de esperança, medo e orgulho. Orgulho que sobrou ao final do jogo, quando se levantou e aplaudiu seu time. Não havia sentimento de injustiça que superasse a honra proporcionada à Colômbia.

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Era Mauricio, que saiu de Medellín com a família para assistir à Copa do Mundo no Brasil. Só comprou o ingresso para a final. E, por isso mesmo, ainda alimentava dentro de si a vontade de ver seu país em campo, no Maracanã, em 13 de julho. Esteve à beira de um ataque de nervos. A queda não se transformou em decepção, mas o senhor ainda permanecia tocado por tudo o que passara nos 90 minutos anteriores. Com a voz embargada, preferiu não falar muito. Passou a palavra ao sobrinho, um de seus acompanhantes. Mauricio foi o símbolo de uma tarde que misturou emoções e sentimentos dos colombianos em São Paulo.

O ponto de encontro foi um só durante toda a campanha da Colômbia no Mundial. O restaurante Sabores de mi Tierra, de comidas típicas colombianas, reunia a massa cafetera. O espaço pequeno do estabelecimento, no qual não cabiam mais do que duas dúzias de pessoas, estava longe de ser suficiente para as dezenas reunidas pela seleção. O jeito foi atravessar a rua para ocupar auditório, jardim e até mesmo o campo de futebol no Instituto Goethe. Na conexão Berlim-São Paulo-Bogotá, se misturavam camisas do Brasil, da Colômbia e da Alemanha. Porém, a alegria que embalava aquela multidão carregava mesmo a cultura e as tradições colombianas.

Ainda faltava uma hora para o começo do jogo, mas a ladeira já estava cheia de gente. As arepas eram vendidas no restaurante, mas também em uma barraquinha montada do outro lado da rua. Eram degustadas com cerveja alemã, especialidade dos vizinhos. E todo mundo levado pelo ritmo da cumbia e do vallenato. Porque, se aquela festa era genuinamente colombiana, a música não poderia faltar. Os sons do clarinete, das maracas, da caja e do bumbo, que levavam muitos daqueles para o passado. Que formavam uma roda de dança e não deixava ninguém de fora sem ao menos balançar a cabeça.

A banda, por supuesto, era 100% colombiana. O Café Tosta’o, formado por universitários de Ibagué que resolveram ganhar a vida através da música. “Tivemos a ideia de vir ao Brasil em janeiro, com a mobilização dos colombianos com a Copa do Mundo, que era muito grande. Uma amiga em São Paulo ajudou e estamos tocando em todos os jogos da Colômbia por aqui”, conta Sergio, estudante de música e um dos ritmistas da banda. Os garotos chegaram à capital paulista uma semana depois do início da Copa e estão hospedados na casa de amigos. Sequer tentaram comprar os ingressos dos jogos da seleção, muito caros segundo eles. Vieram mesmo pelo clima nas ruas e para embalar os seus compatriotas.

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Afinal, a presença de colombianos no Brasil é massiva. A Colômbia foi o quinto país que mais comprou ingressos para a Copa, com quase 55 mil bilhetes. Isso sem contar os muitos que vieram para cá na coragem de tentar entrar nos jogos, ou menos ficar nas ruas. Não à toa, a celebração nas arquibancadas durante os jogos dos Cafeteros foi enorme. “É descomunal. Muitos colombianos vieram para o Mundial e apoiaram a seleção de uma maneira impressionante. O fato do torneio ser em um país vizinho ajudou, mas muita gente também ficou empolgada com o time, pela ótima campanha que fez nas Eliminatórias”, conta William, outro componente do Café Tosta’o.

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E se a festa nos estádios era garantida apenas pelos torcedores, a ajuda da banda era valiosa na rua. “É um povo muito alegre, e o Mundial também ajuda. Viemos aqui para tocar as músicas tradicionais e para que se sentissem também em casa. Todo mundo têm nos recebido muito bem, colombianos e brasileiros. Os brasileiros são muito acolhedores”, emenda William. As roupas eos instrumentos do Café Tosta’o remetem mais à região da Costa do Caribe, embora eles também toquem músicas de outros lugares do país. Mas quase todo mundo parecia ter na ponta da língua cada uma daquelas canções.

O ritmo frenético, que conseguia se acelerar ainda mais em alguns momentos, harmonizava com tantos corpos balançando. Crianças, jovens, senhores, parecia que ninguém queria ficar de fora daquela roda. E não foram só os colombianos que gostaram. “Fizemos apresentações em outras ruas de São Paulo. Fomos à Vila Madalena, à Avenida Paulista. E conseguimos juntar muita gente para dançar”, afirma Sergio. Também conseguiram algum dinheiro, ao menos para pagar a estadia e os gastos de viagem. Uma aventura com os pés no chão daqueles garotos, que se dizem prontos para voltar ao Brasil quando tiverem oportunidade. E que passarão a reta final da Copa no Rio de Janeiro, também com suas apresentações.

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A música só parou uns 20 minutos antes do início do jogo, quando os colombianos já começavam a ficar tensos com o maior jogo da história do país em Mundiais. Lotaram o Instituto Goethe e estavam empolgados com o que sua equipe seria capaz de fazer. Para muitos ali, os Cafeteros apresentavam o melhor futebol da competição. “Não confio na vitória. Mas sei do que a Colômbia é capaz”, me falou cheio de convicção Juan Manuel, um menino que tinha vindo com a família ao Brasil durante a competição. Também sem ingressos, apenas para ver o que estava acontecendo nas ruas.

Naquela multidão de colombianos, muitos já moram por aqui e só quiseram se reunir com seus compatriotas. Mas outros tantos tinham vindo ao Brasil por causa da Copa, com ou sem ingresso. Eram muitas famílias, muitos casais. E o comportamento de torcida, daquela que abraça mesmo o time, se dava também diante da televisão. Muitos aplausos a cada vez que James Rodríguez aparecia na tela. O hino foi acompanhado em muitas vozes que se tornavam uma só. Os cantos tradicionais das arquibancadas eram repetidos por eles, assim como o “Viva Colômbia” pipocava no meio daquela gente. Muitas bandeiras, rostos pintados e até perucas de Valderrama. “Somos locais em todos os jogos anteriores da Copa. E aqui também somos locais hoje, apesar dos brasileiros”, falou Juan Manuel, que também já foi aos jogos da seleção em Bogotá, mesmo morando em Villavicencio, cidade ao sul da capital.

Para passar o nervosismo, muitos tomavam doses do Aguardiente Antioqueño, um destilado tradicional do país. Alguns exageraram, é verdade, mas nada que atrapalhasse o ambiente. Era impossível que só o destilado servisse para relaxar, com o gol do Brasil saindo logo no início da partida. Alguns brasileiros por lá até tentavam fazer troça, mas eram abafados pelos colombianos rapidamente. E o passar do tempo era sentido pelas reações. Depois da comemoração com o gol de Yepes, anulado em seguida, as reclamações sobre o árbitro eram frequentes. Depois que David Luiz fez o segundo, um homem ficou revoltado que o Brasil se alegrasse com “uma Copa roubada, em que o pior futebol ganhava do melhor”. Aos poucos, o que restava era o “Sí, se puede”, especialmente depois do gol de James. Esperança que se esvaiu com o apito final.

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Nos rostos, o misto era de tristeza pelo resultado, mas resignação pelo feito da seleção. “Tinha muita ilusão de que esse time poderia desbancar o Brasil. Fizemos uma grande Copa e estávamos melhores. Mas é uma grande campanha do time, que deverá ter uma grande recepção na volta ao país. É a melhor seleção que a Colômbia já teve”, diz Andrés, o sobrinho de Mauricio, o símbolo do orgulho cafetero (pelo menos para mim). O adolescente e sua família continuariam no Brasil até a final, como muitos de seus conterrâneos. Depois de uma mobilização tão grande, nada melhor do que, agora, desfrutar do país. A festa não poderia parar.

E não parou. Ainda que alguns estivessem chateados com a derrota, a maioria ainda queria ser feliz. O Café Tosta’o voltou a tocar na rua, juntando mais gente para dançar. “O sentimento por aquilo que a Colômbia fez na Copa é maior. E não é a vitória brasileira que vai tirar a alegria dos colombianos”, pensou William. Isso era perceptível. Porque, mesmo depois que a banda se foi, para tocar na noite paulistana, a dança continuou na ladeira, com as enormes caixas de som colocadas na rua pelo Sabores de mi Tierra.

Diz muito sobre a personalidade dos colombianos. Mas também sobre a Copa do Mundo. Se ainda existe algum brasileiro que ainda acha que o mais importante é o torneio, basta um dia nas ruas para ter uma percepção diferente. E os colombianos ajudam a tornar isso ainda mais explícito – na música, na dança, nas comidas e também no orgulho de ver seu país tão bem representado dentro de um campo de futebol.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.

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