Palmeiras muda de técnico para que tudo continue como está

Um amigo meu, uns meses atrás, disse que só atraia mulher louca. Todas as meninas com quem ele saia eram descompensadas. Um dos nossos amigos, colega de mesa, cravou: “Elas não são o problema. O problema é você, que tem atraído sistematicamente mulheres malucas”. Foi direto demais, o nosso amigo das meninas loucas ficou magoado por alguns minutos, mas depois reconheceu. É verdade, ele disse. Eu acabo atraindo sempre o mesmo tipo de gente. Essa lógica também vale para o Palmeiras – só que o Palmeiras não se dá conta.
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O presidente do clube, Paulo Nobre, entrou na política alviverde pelas mãos de Marco Polo Del Nero. É uma informação que Nobre revela tranquilamente em todas as entrevistas que dá sobre sua trajetória dentro do clube. Del Nero, atual presidente da Federação Paulista de Futebol, será o comandante da CBF a partir de 2015. Mas já é, faz algum tempo, um dos principais líderes do futebol brasileiros nestes tempos de 7 a 1 e Campeonato Brasileiro de liminares corridas. Nobre se elegeu com discurso de profissionalização e até cometeu uma das maiores e mais elogiadas ousadias de um dirigente nos últimos anos: contratou o argentino Ricardo Gareca para comandar o Palmeiras. Del Nero, ao lado de José Maria Marin, bancou a volta de Dunga e a contratação de Gilmar Rinaldi para a seleção. Se um ET verde chegasse o Brasil para celebrar o centenário do Palmeiras, poderia jurar que o moderno Paulo Nobre não tem nada a ver com o antiquado Marco Polo Del Nero.
Mas ETs não sabem de nada. Quem conhece algumas coisas é o escritor italiano Tomasi di Lampedusa. Dante também poderia descrever bem a atual situação do Palmeiras – “Deixa toda esperança, à vós que entrais”. Mas vamos dar um descanso para o Dante (já andei abusando da ajuda nele neste texto). Lampedusa escreveu “O Gattopardo”, um clássico da literatura italiana que se passa nos anos da reunificação do país, em que tudo parecia estar mudando rápido demais. Vale ler. O livro tem uma frase poderosa, que condensa séculos de sabedoria em poucas palavras: É preciso que tudo mude para que tudo continue como está. Esta é a lógica que move tanto Del Nero quanto Nobre, no final das contas.
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A demissão do argentino Ricardo Gareca é só mais um capítulo na ampla história de baguncismo do Palmeiras. O time entrou em parafuso em algum momento da década de 1970 e nunca mais se recuperou. Houve um espasmo de lucidez na década de 1990 e em alguns anos do início deste século, especialmente na construção do novo estádio. Mas a regra geral foi insistir em fazer tudo errado com a esperança de que muitos erros, somados, terminassem em um acerto. Infelizmente, não deu. Gareca foi mais um nome triturado na máquina que já moeu treinadores consagrados como Luxemburgo, Muricy e Felipão e apostas ruins como Parraga, Zago e Kleina. A passagem de Gareca, encerrada nesta segunda-feira, foi um fracasso. Mas, tal como os outros técnicos que trabalharam no clube, é muito difícil jogar toda a culpa nas costas dele. O argentino teve uma parcela grande de culpa, é claro, assim como os outros técnicos. Só que existe um padrão a favor de Gareca. Todo mundo que veio antes dele também fracassou miseravelmente.
O time faz algumas coisas que, no final das contas, destroem todo e qualquer técnico que pise na Academia de Futebol. Mas, diferente do meu amigo lá do primeiro parágrafo, o Palmeiras não admite os problemas. Nobre pode ser jovem, pode ter um discurso moderno, mas vem se comportando exatamente como outros presidentes ao longo das últimas décadas. Ele continua repetindo os erros e é incapaz de liderar a modernização do clube e a profissionalização do time. É um padrão absolutamente palmeirense nessas décadas de rebaixamentos e campanhas pífias. O Palmeiras e seus dirigentes giram em falso, sem direção, sem projeto. O clube está imobilizado e parece caminhar para a irrelevância. Apesar disso, nada de relevante muda. As coisas que mudam, como no caso da demissão de Gareca, servem apenas para que tudo continue como está. O time tem dezenas de conselheiros e algumas lideranças que, por alguma razão, continuam fazendo as mesmas coisas que levaram a dois rebaixamentos em dez anos – e que tem boas chances de levar a mais um rebaixamento, neste ano. Nobre, Brunoro, Tirone, Frizzo, Mustafá e suas dezenas de conselheiros. Nada muda.
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Del Nero, padrinho de Nobre no Palmeiras, também faz a mesma coisa. Apesar do 7 a 1, apesar do campeonato de 2013 ter sido decidido, em parte, no tribunal, o que mudou apenas amenizou a pressão para que tudo pudesse seguir exatamente como sempre foi. A audiência do futebol na TV cai, o público nos estádio diminui, a identificação do torcedor com a seleção está minguando – mas as coisas continuam exatamente como antes: a seleção, o Campeonato Brasileiro, os horários de jogos, a gestão dos clubes. Entre barulhos de Dungas e Rinaldis, de STJDs e juízes, de jogos às 22h de quarta-feira e às 21h de sábado, tudo continua como antes. A gente se indigna com algumas coisas, tem esperança com outras, mas nada mudou. Del Nero e o atual presidente da CBF, José Maria Marin, continuam fazendo as mesmas coisas da gestão Ricardo Teixeira – às vezes de uma forma ainda pior. E ai vale voltar ao Palmeiras.
Foi justamente de Nobre que partiu a única tentativa de tirar o futebol brasileiro do marasmo, com a contratação de um técnico estrangeiro, com ideias novas. Só que a contratação de Gareca nunca esteve inserida num projeto de mudança de rumos no clube. Foi só mais um técnico, descartado com uma impressionante sequência de resultados ruins. Mais um técnico moído numa engrenagem toda torta. O Palmeiras, tal qual a CBF, mudou nesta tarde– e continua mudando. Só que o fundamental, o ruim fundamental, continua lá. A cada dia mais forte.
Del Nero e Nobre, no final das contas, são versões de um mesmo problema e encarnam versões novas de velhos dirigentes. Entre tantas coisas que mudam no futebol nacional, só existe um padrão: a estrutura é completamente impermeável a mudanças. Quem está à frente delas não consegue nem quer dar passos além. Pessoas tão diferentes entre si, com intenções tão distintas, acabam confluindo para a mesma direção, como se nenhuma ideia nova fosse suficientemente forte para vencer neste debate. As coisas continuam se repetindo, infinitamente. No Brasil, campeonatos ruins. No Palmeiras, times ruins. Cai o Gareca no Palmeiras, mas não caem os conselheiros nem os dirigentes que estão transformando o time num arremedo de si mesmo.
Portanto, Gareca foi um sopro de novidade em uma estrutura viciada – assim como um calendário reformado é só um remendo numa organização bizarra. A queda do argentino é um alerta não só para o Palmeiras. É um alerta para o futebol brasileiro: se você achou o 7 a 1 ruim, prepare-se. Não há nada ruim que não possa piorar. O centenário Palmeiras é só a prova mais barulhenta e bem acabada dessa máxima.

Houve um tempo em que o Palmeiras parecia encontrar um rumo. Seus torcedores conseguiram passar uma emenda com eleições diretas para a presidência do clube, nasceu uma oposição vigorosa formada por associados com boas ideias, a influência de Mustafá Contursi, o presidente que controlou o clube por anos com mudanças de estatuto e eleição de conselheiros vitalícios, parecia diminuir, um novo estádio estava sendo construído. Sob a gestão de Nobre, essa oposição entrou em confronto, Mustafá ganhou força, o time e a construtora do estádio vivem às turras. Só restaram as eleições diretas – mas sem nenhuma opção muito clara de reforma positiva para o clube. Nunca houve algo semelhante na CBF, é verdade – a queda de Ricardo Teixeira foi uma primavera de poucas semanas. Cada sopro de renovação é triturado. Houve uma época em que achei que fosse apenas por má intenção, mas não é tão simples assim. É uma forma de ver o mundo que não consegue romper seus próprios limites. As pessoas que compartilham dessa visão continuam fortes, firmes e passam suas convicções de geração em geração, infinitamente.
Hoje, em setembro de 2014, parece que só a combinação de organização de torcedores e lideranças inspiradas, em condições muito especiais, difíceis de imaginar, podem salvar tanto o Palmeiras quanto o futebol brasileiro. O futuro, por enquanto, vai se materializando como uma enorme terra arrasada tragada por uma espiral de irrelevância.
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