Oito vezes em que a CBF ignorou a liberdade de expressão e tentou censurar críticas

Sempre que algo um pouquinho fora do comum acontece no futebol brasileiro, entra em cena o procurador Paulo Schmitt, cujo trabalho é denunciar infrações que possam ser julgadas pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva. Na última quarta-feira, o olfato apurado de Schmitt deve ter ficado louco quando Emerson Sheik disse que a “CBF era uma vergonha”. Como esperado, ele enquadrou o atacante do Botafogo em três artigos: ofensa à arbitragem, jogada violenta e, o melhor deles, assumir atitude contrária à disciplina ou à moral desportiva.
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A ação do indisciplinado Emerson foi interpretada de uma forma ligeiramente assustadora por Schmitt, que viu uma “atitude reiterada de afronta e reclamação contra instituições e autoridades com claro intuito intimidatório e desrespeitoso através da mídia”. Faltou apenas chamar o jogador de “subversivo”, dizer que ele “quebrou a hierarquia” ou usar qualquer outro termo que ouvíamos em épocas mais tristes da história brasileira.
O conceito de liberdade de expressão – garantida na Constituição Federal, lei soberana do Brasil – compreendido pela organização para qual Schmitt trabalha não considera que um jogador possa achar a administração da CBF uma vergonha. Para eles, alguém que acha isso precisa ser punido, e outros jogadores que tentem fazer o mesmo, inibidos.
É óbvio que há limites. Atletas que disseram com todas as letras que o árbitro era um “ladrão”, como Neymar, Leandrão, do ABC, e o ex-presidente do Palmeiras, Luiz Gonzaga Belluzzo, cruzaram a linha da crítica e colocaram o pé na difamação. O atacante do Barcelona, inclusive, pagou multa de R$ 15 mil imposta pela justiça comum por causa de um tuíte ofensivo a Sandro Meira Ricci. O diretor do Cruzeiro, Alexandre Mattos, que sugeriu que a auxiliar Fernanda Colombo posasse nua, também exagerou.
Mas há tanta preocupação de pessoas ligadas à CBF para abafar qualquer tipo de crítica pública, mesmo a mais inocente, que fica difícil acreditar que sejam ações isoladas. Reunimos alguns casos, com árbitros atrasando partidas para que a polícia retirasse faixas polêmicas das arquibancadas, federações protegendo o benevolente presidente da CBF e até outro caso bem parecido de jogador que fez “afrontas às autoridades”.
Como sempre, o futebol acaba refletindo a sociedade. E, lembrando o tempo que demorou para as manifestações populares de junho do ano passado serem minimamente aceitas, acaba sendo tão triste quanto natural que haja tanta censura a críticas e protestos nas arquibancadas de um país que ainda dá seus primeiros passos na democracia.
As faixas do Atlético Mineiro
Em 2012, o Atlético Mineiro estava brigando pelo título com o Fluminense e parte da torcida ficou bastante irritada com o que ela considerou ser um favorecimento da arbitragem ao time carioca. Montaram mensagens como “Apito amigo”, “vergonha CBF” e “vergonha STJD”. O clube acabou julgado porque, no entendimento da procuradoria, os mosaicos só poderiam ter sido montados com a conivência da diretoria. A denúncia não resistiu à meia argumentação, e o Atlético foi absolvido.

Não vão derrubar o Náutico no apito, apenas a faixa que a torcida levou
Continuamos no Campeonato Brasileiro de 2012. Um desses erros de arbitragem a favor do Fluminense foi contra o Náutico, e os torcedores pernambucanos também quiseram protestar. Levaram ao estádio dos Aflitos, durante a partida contra o Atlético Goianiense, uma faixa que dizia: “Não irão nos derrubar no apito” (foto principal). O árbitro Leandro Pedro Vuaden atrasou o início da partida por 15 minutos, até que ela fosse retirada. O STJD entrou em cena e também absolveu o clube, cuja torcida adaptou a forma de protesto: estenderam uma faixa com “Liberdade de expressão” em um prédio próximo aos Aflitos.
Fora Ricardo Teixeira, menos em Santa Catarina
Em 2011, o então presidente da CBF, Ricardo Teixeira, teve que enfrentar uma série de protestos ao redor do país, depois de acusações sérias de corrupção. O presidente da Federação Catarinense, Delfim Pádua, no entanto, publicou uma nota oficial dizendo que excluiria qualquer torcedor que levasse cartazes contra o “amigo que sempre deu suporte ao futebol catarinense”. Por intervenção do Ministério Público, que ameaçou multar a FCF em R$ 100 mil caso algum torcedor fosse retirado, os protestos puderam acontecer no clássico entre Avaí e Figueirense. E Delfim Pádua? Bem, o “amigo que sempre deu suporte ao futebol catarinense” o chamou para ser chefe da delegação dos Jogos Olímpicos de Londres.
Fora Ricardo Teixeira, menos no Rio Grande do Sul
No mesmo protesto coletivo organizado pela Associação Nacional dos Torcedores, a Brigada Militar de Porto Alegre retirou cartazes com “Fora Teixeira” das mãos de fãs do Internacional no Beira-Rio. A justificativa foi ferir o artigo 13 do Estatuto do Torcedor, que proíbe os tais “cartazes ofensivos”.
Bola para cá, bola para lá
O árbitro Alício Pena Junior ameaçou: daria cartão amarelo para cada jogador de São Paulo e Flamengo que cruzasse os braços em protesto à CBF, naquela manifestação coletiva do Bom Senso ano passado. A solução encontrada foi genial. Os dois times passaram um minuto trocando lançamentos e passes, sem buscar o gol, e depois aplaudiram. Burlaram a tentativa de censura e ainda fizeram o apitador de bobo, correndo de um lado para o outro à toa:
Valdivia e o STJD, um caso de amor
Nesta semana, Valdivia foi denunciado pelo pisão que deu em Amaral na última quarta-feira contra o Flamengo, mas o seu caso de amor com o STJD é longo. Ano passado, foi punido por ter forçado o terceiro cartão amarelo. Criticou o tribunal por causa dessa punição e aumentou o tom quando o Palmeiras perdeu dois mandos de campo na segunda divisão. “Mais uma palhaçada do STJD. Outras torcidas brigam e só a do Palmeiras é punida”, disse. Imediatamente, Paulo Schmitt saiu da toca e prometeu “tomar medidas”. Acabou não dando em nada.
SOS advogado
O América Mineiro teve o rebaixamento à terceira divisão praticamente decretado pelo STJD ao sofrer uma punição de 21 pontos por ter escalado o lateral Eduardo irregularmente em sete partidas. Do meio da tabela, caiu para a lanterna da competição e, com esse déficit, tem poucas chances de se salvar. No dia seguinte, recebeu o Bragantino no Independência e um espirituoso torcedor levou um cartaz, que dizia: “SOS advogado do Fluminense”, em referência ao caso Héverton, ano passado, que manteve o clube carioca na primeira divisão e rebaixou a Portuguesa. O que aconteceu? Segundo o relato de Cadu Doné, da Rádio Itatiaia, ele foi retirado do estádio e seu protesto foi silenciado pela polícia.
O árbitro é flamenguista?
O Coritiba foi eliminado da Copa do Brasil depois de perder do Flamengo por 3 a 0, com dois gols de pênalti, assinalados pelo árbitro Wagner Reway. Na semana seguinte, torcedores levaram uma faixa ao Couto Pereira com a foto do apitador vestindo uma camisa do Flamengo, o logotipo da CBF e a mensagem “Pênalti para nós!”. A partida contra a Chapecoense só começou depois que a polícia abafou o protesto.
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