Brasil

Maurício Noriega: Tite e Flamengo fazem aposta ousada e arriscada

Após ser pego na mentira, treinador aceitou missão de recolocar nos eixos um elenco disperso entre vaidades de jogadores e dirigentes.

Tite foi pego na mentira e não tem como fugir disso. Disse o que disse e não há desmentido possível. A declaração dada ao Flow Sport Club, em agosto de 2022, ressurgiu com toda força quando começaram os rumores de que assumiria Flamengo ou Corinthians. Ele afirmou categoricamente que poderia ser chamado de mentiroso se assumisse um time no Brasil em 2023. Segundo suas próprias palavras, mentiu.

Todos temos o direito de mudar de ideia e de opinião. Os profissionais também têm o direito de trabalhar onde quiserem, e os clubes de escolher quem bem entenderem. Todos devemos assumir a responsabilidade sobre nossas colocações. Algumas vezes, frases de efeito garantem manchetes, edições de vídeo virais. Mas podem se transformar em armadilhas.

Nada de escandaloso ou revolucionário. O verbo mentir é conjugado sem constrangimento no universo do futebol. Desde que a conjugação seja feita por integrantes do exclusivo clube composto por dirigentes, jogadores, empresários e comissões técnicas, a licença para mentir é concedida e a mentira, aceita e justificada.

Tite agora tem um desafio futebolístico gigante pela frente. Capacidade não lhe falta. Embora seus planos de seguir a carreira em outro patamar na Europa tenham sido frustrados, ele segue sendo um treinador de primeiro time na América do Sul. Ainda que a última imagem de seu trabalho, na Copa do Catar, tenha sido muito ruim.

Tite sucumbiu à velha fórmula da “família”, o termo fofo que o futebol pegou emprestado para disfarçar as panelas. Desde 2018, a influência de Neymar e seu entorno na seleção levantou dúvidas quanto a tal “família” de Tite. Quatro anos depois, as dúvidas viraram certeza, impulsionada pela injustificável presença de Daniel Alves no grupo.

Em termos de resultado, Tite empacou nas quartas-de-final da Copa. Seus admiradores, que são quase fanáticos, afirmam que ele deixou um legado, mesmo repetindo o resultado de antecessores como Dunga. Para esse grupo, Tite deu azar pelo fato de o futebol ser jogado em dois tempos de 90 minutos. Se houvesse mais dez minutos contra a Bélgica, seria outra história. Os detratores de Tite também são quase fanáticos. Seguem aquela fala do ex-zagueiro uruguaio Lugano, que classificou o treinador como um encantador de serpentes.

Tite é um excelente treinador, não se discute. Mas está longe de ser intocável ou indefensável. Talvez tenha criado um problema para ele próprio ao adotar um estilo messiânico de se comunicar. Seu vocabulário provoca arrepios de excitação nos seguidores e calafrios de repulsa nos detratores. Mas é inegável que ele sabe montar bons times dentro de seu conceito de jogo.

O desafio no Flamengo é remontar um grupo que foi empoderado pelos resultados e a diretoria de forma inédita na história do clube. O contato com a diretoria não parece ser problema, pois Marcos Braz e Andrés Sanchez, com quem trabalhou no Corinthians, têm muita coisa em comum. O flamenguista exigirá de Tite nada menos que conquistas e desempenho. O desafio inicial é assegurar vaga na Libertadores de 2024, com uma improvável conquista do Brasileiro deste ano como sonho.

A seu favor, Tite tem um orçamento sem concorrentes. Pode manter quem quiser e contratar com a força que nenhum rival possui. Resta saber se optará pela reforma do que parece estar ruindo ou apostará em um novo projeto. Ousadia e risco.

No meio disso tudo estará um desafio pessoal: recuperar sua palavra, desvalorizada pelo próprio. Imaginemos que em sua primeira semana de trabalho Tite, apontando o dedo para as câmeras da FlaTV, afirme aos jogadores que ninguém será dispensado e que conta com todos em 2024, destacando que podem chamá-lo de mentiroso se isso acontecer. Assim que ele sair da sala, um gaiato puxará no celular aquele vídeo do Flow.

Foto de Mauricio Noriega

Mauricio Noriega

Colunista da Trivela
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