Maurício Noriega: Flamengo lembra supergrupos de rock que não vingaram
Flamengo tem tudo para ser um sucesso, mas parece aquelas uniões de músicos virtuosos que, juntos, não dão liga
Como grande fã de rock que sou, costumo divagar sobre os motivos que levam alguns supergrupos dos quais se espera grandes trabalhos a ser enormes decepções. Essas reflexões me levam, inevitavelmente, a uma comparação com o time de futebol do Flamengo. Não que o clube mais popular do Brasil deixe de conquistar títulos. Mas a diferença entre o que promete e o que entrega está refletida nas vaias que ressoaram pelo Maracanã após o empate sem gols com os reservas do Inter.
Há várias combinações de grandes músicos de grandes bandas que se uniram em outros grupos estelares que não vingaram. Alguns entregaram ótimas gravações, como o Blind Faith (Eric Clapton, Steve Winwood, Ginger Baker), ou o Travelling Wilburys (George Harrison, Tom Petty, Jeff Lyne, Roy Orbison), mas duraram pouco. Outros foram apenas ideias pretensiosas, como o Chickenfoot (Sammy Hagar, Chad Smith, Joe Satriani, Mike Anthony) ou o GTR (Steve Hackett, Steve Howe0. Deixo apenas alguns exemplos aqui para manter a ideia de que nem sempre reunir grandes talentos resulta em sucesso coletivo.
O Flamengo é a maior reunião de talentos no futebol fora da Europa atualmente, mas entrega bem menos do que promete em resultados e qualidade. Muitas vezes a reunião de virtuosos em seus instrumentos não forma uma banda coesa e que faça um grande som. Um quer brilhar mais do que outro e vira aquela sequência de solos exibicionistas sem algo que os una como música. Num clube de futebol pode ocorrer algo parecido quando jogadores se julgam maiores que a instituição. Some-se a isso dirigentes vaidosos que visam oportunidades inclusive políticas graças à visibilidade de um clube gigantesco e temos um lamentável desperdício de oportunidades.
Por causa de sua inigualável popularidade, o Flamengo é praticamente um show de realidade diário no futebol. Tudo que envolve o clube é superlativo – para o bem e para o mal. A mistura de conteúdo torcedor com jornalístico, a transformação de atletas em celebridades, a falta de uma clara determinação de limites entre comando e comandados.
Talvez tenha acontecido um exagero na transformação do Flamengo em produto de mídia. Porque times de futebol são empresas de mídia que fazem gols, como bem define o Eduardo Tega, especialista em inovação no futebol.
Tudo no Flamengo é exagerado, menos o desempenho. Há uma reunião de jogadores talentosos cujas habilidades não garantem a formação de um coletivo eficiente. Aspirações individuais soam claramente mais importantes que objetivos de grupo. Mas é tanto talento reunido que os resultados ainda chegam. Tipo um supergrupo que grava um álbum com 24 faixas das quais uma ou duas emplacam grandes músicas. O potencial era para duas dúzias de petardos sonoros. Mas…
Uma das razões para essa evidente decepção provocada pelo Flamengo pode estar em algo enraizado na própria essência do que é o clube e do que é ser flamenguista. Aquela frase “isso é Flamengo” pode ter várias aplicações nesse contexto. A mesma que representa a popularidade genuína e aquela que atrai celebridades que gostam de colar na popularidade do clube.
Mas o que importa para os milhões e milhões de flamenguistas genuínos e apaixonados é saber porque grandes jogadores não estão formando um grande time. Voltemos ao bom e velho rock and roll. Alguns dos maiores clássicos do gênero não precisaram de solos rebuscados ou exibições de técnica apurada. Foram pura e simplesmente a energia gerada pelos acordes certos na ordem correta, tocados de forma a soar como uma unidade sonora. Cada um fazendo o seu em prol do resultado.
A história do futebol é pródiga em relatos de jogadores que nunca se incomodaram com o brilho maior de Pelé, Maradona, Cruyff, Fenômeno, Messi, Cristiano. Eles sabiam que cumpriam bem seu papel e que havia estrelas que brilhariam mais. Assim como os atores sabem que estão em um grande filme mesmo sem terem seus nomes nas letras maiores do cartaz e que todos têm a ganhar com isso.
xO que pode estar faltando ao Flamengo é mais gente capaz de compreender essa lógica. Uma galera que sustente o ritmo para os solos de um Eddie Van Halen ou David Gilmour. Ou mesmo uma fusão sonora sem grandes solos, ou virtuosismo que resulte numa energia como a de um Foo Fighters no palco.