Brasil

Lei da Mordaça consegue apenas atrair mais críticas ao Carioca e até uma ameaça de racha

Quem diria? A iniciativa da Federação Carioca de Futebol de multar em R$ 50 mil qualquer funcionário (jogador, técnico, dirigente) dos clubes filiados que falasse mal do Estadual do Rio de Janeiro não evitou as críticas, nem deixou o torneio mais bem organizado. Como crianças que descobriram gostar de doce de leite depois que foram proibidas de comer, Fluminense, Flamengo e Vanderlei Luxemburgo até tentaram disfarçar, mas bateram claramente na Ferj nos últimos dias.

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Nenhuma surpresa que a dupla Fla-Flu tenha tomado a frente das críticas. São os dois clubes que sediam suas partidas no Maracanã, e o ponto de fricção é justamente a política de preços populares que a federação impôs. O consórcio gestor do Maior do Mundo, em nota, afirmou que “não cabe num estádio de padrão internacional e com capacidade de 78 mil lugares jogos pequenos com baixíssimo potencial de atratividade de público como a grande maioria das partidas do atual Carioca”. Ou seja, em português claro, o Campeonato Carioca não é mais um torneio atrativo para o Maracanã. A ameaça é que não haja nenhum jogo do torneio no estádio. É bom frisar esse ponto: pode não haver jogos do Campeonato Carioca no Maracanã.

O torneio, desde 2010, tem uma média de 4.112 torcedores por partida, segundo levantamento do Correio Braziliense. Ano passado, o Vasco dizia que precisava colocar no mínimo 30 mil pessoas no Maracanã para ter lucro. Não tem contrato com o consórcio, mas poderia cobrar o preço que quisesse. Hoje, com Eurico Miranda na presidência, o clube está ao lado da Ferj e dos preços promocionais.

O primeiro a reclamar essa semana foi o Fluminense, depois que a Ferj mudou por conta própria a estreia do time para o Raulino de Oliveira, em Volta Redonda, com uma nota carregada de ironia para escapar da multa. Citou Chico Buarque, disse que “se a federação falou, está falado” e “exaltou” a organização dos estaduais do Rio de Janeiro. Terminou com “apesar de você, amanhã há de ser outro dia”, caso alguém ainda duvidasse que era uma crítica.

Nenhuma multa. Dois dias depois, foi a vez de Vanderlei Luxemburgo ir ao microfone. Primeiro hesitou. Rebateu a pergunta do repórter sobre o regulamento do estadual sarcasticamente: “você vai pagar minha multa?” Depois foi se soltando: criticou o torneio, lembrou sua época de militante do diretório acadêmico e comparou a Lei da Mordaça com a época da ditadura. “É uma coisa complicada não poder opinar. O processo do futebol é o mais ditatorial do mundo atualmente”, afirmou. “A constituição permite falar que a Dilma tem um governo incompetente, mas não posso abordar o Estadual com respeito, dizer que está errado”.

Nenhuma multa. Logo, o pudor desapareceu. Flamengo e Fluminense soltaram uma nota conjunta criticando a Ferj sem papas na língua. Atacaram o tabelamento dos preços, a mudança de mando de campos, as altas taxas cobradas dos clubes e o protótipo de um programa de sócios para todos os torcedores do estado, sobrepondo-se ao dos clubes. Foram além e ameaçaram romper com a federação e criar uma liga carioca para organizar o estadual.

Uma postura louvável de ambos, embora, como sabemos, poucas vezes as palavras derivam em ações no futebol brasileiro. A ideia de uma liga, estadual ou nacional, já foi ventilada anteriormente, mas na hora H sempre falta coragem. Não adianta, como fizeram Flamengo e Fluminense, anunciar que ambos disputarão o Carioca “sob protesto”. Pelo menos não tanto quanto colocar os juniores em campo ou um time reserva, como Luxemburgo esboça fazer nas primeiras rodadas. O ideal seria não dar nenhuma importância a um torneio que não se valoriza.

Os problemas do Campeonato Carioca, do público aos gramados ruins, ou mesmo clubes em situação financeira complicada como o Botafogo, existem, sejam apontados publicamente ou não. Tentar proibir as críticas, junto com outras decisões arbitrárias e autoritárias, apenas cedeu à federação um ar ditatorial que gerou ainda mais reclamações. Como em junho de 2013, quando as manifestações contra o aumento da tarifa do transporte público ganharam proporções gigantescas por causa da repressão da polícia militar. Agora, a Ferj conseguiu transformar até Vanderlei Luxemburgo em um subversivo.

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Foto de Bruno Bonsanti

Bruno Bonsanti

Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de aterrissar no site que sempre gostou de ler (acredite, ele está falando da Trivela). Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.
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