Como o novo BID da CBF fez o Candangão ter jogo de um minuto na primeira rodada

A cena já começou muito estranha. O estádio Abadião estava sem torcida, vetado pela federação. O Ceilândia, mandante, alinhou 11 jogadores do seu lado e o time adversário estava apenas com sete atletas em campo, seis na linha e um no gol. O que vestia luvas recebeu um recuo no primeiro minuto de jogo, afastou a bola e sentiu o joelho. Não conseguiu continuar, e o Paracatu, sem atleta inscrito para substitui-lo, perdeu por WO.
LEIA MAIS: O Cascavel chegou agora à elite no Paraná, mas já terá uma das camisas mais bonitas do país
O clube, representante de Minas Gerais no estadual do Distrito Federal, tem dinheiro para montar um elenco e o fez, mas não conseguiu inscrever todos os jogadores antes da primeira rodada. Nem da segunda. O problema está no novo sistema de registros da CBF. Até o ano passado, a responsabilidade era das federações e cada uma cuidava dos seus filiados. Agora, quem publica os nomes no Boletim Informativo Diário é a própria CBF. Para todos os estados. O acúmulo de pedidos atrasa o processo.
No caso do Paracatu, o presidente Elias Andrade afirma que deu entrada em 19 contratos na sexta-feira anterior ao jogo contra o Ceilândia. Um pouco em cima da hora, mas, segundo ele, dentro do prazo estendido pela federação brasiliense de futebol. “Na quinta-feira, paguei a taxa de manutenção da CBF (R$ 2,5 mil). Na sexta, paguei as transferências. Às 16h, o sistema da CBF entrou em pane porque todas as federações estavam mandando contratos de jogadores. O presidente (da federação) disse que o BID gerava (nomes) até a meia-noite. Quando fui consultar o meu, tinha só seis atletas e mais dois juniores”, conta. Constavam dez jogadores no BID, mas dois estavam machucados.
Houve uma reunião de emergência entre os clubes para encontrar uma solução porque vários passaram pelo mesmo problema. Chegou-se ao acordo quase unânime de permitir a utilização dos jogadores, mas o Brasiliense, um dos únicos que conseguiu todos os seus registros porque pagou as suas taxas ainda no final do ano passado, bateu o pé. “Parece que lá é o Brasiliense quem manda”, afirma Elias Andrade. Não teve jeito: o Paracatu contava mesmo com apenas seis profissionais e dois juniores para enfrentar o Ceilândia.
Havia outros jovens, os que disputaram a Copa São Paulo de Juniores, mas eles estavam espalhados pelo sul de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Não dava tempo de convocá-los. Às vésperas do apito inicial, mais um problema. “O atacante Bruno já vinha passando mal no dia anterior. O menino comeu alguma coisa que não lhe fez bem. Vomitou no vestiário”, conta o técnico Alex Oliveira. A bola rolou e…outro problema. “Meu goleiro (Vitor), por incrível que pareça, machucou-se durante o treino, em uma dividida com o atacante. Estava com o joelho inchado. Na primeira bola que chutou, sentiu o joelho. Não tinha mais condições. Ele simplesmente não aguentou”, confirma.

O clube até publicou uma foto com Victor aplicando gelo no local da lesão para provar que não era uma armação. Como culpa o sistema de registros da CBF, o Paracatu entrou no Tribunal de Justiça Desportiva para remarcar o jogo, mas não está otimista. Principalmente depois que o presidente Elias Andrade descobriu que só poderia usar os jogadores que estavam inscritos na data na qual a partida estava inicialmente marcada. “Não vou lá servir de palhaço para os outros”, afirma. “A nossa defesa é mostrar que demos entrada nos contratos no prazo legal e a culpa é do sistema. O clube não pode pagar por isso”.
O presidente da Federação Brasiliense de Futebol, Jozafá Dantas, se nega a comprar a tese do Paracatu e argumenta que Elias Andrade deixou para pagar as taxas em cima da hora. Para ele, a CBF promete publicar o nome no BID em até 48 horas. E cumpriu o prazo. “Não foi o novo sistema de registros”, rebate. “Tem que ter regras. Não adianta ele chegar aqui e falar que quer fazer assim. Na sexta-feira, ele pagou a taxa da federação dos atletas profissionais. Fez 24 horas na segunda-feira, e na terça estava liberado. Tanto que os jogadores atuaram ontem (quarta-feira)”.
Alguns deles porque até a última quinta-feira, quase uma semana depois, o presidente Elias Andrade ainda não tem todo o seu elenco com 27 jogadores e alguns juniores à disposição. Na última quarta-feira, enfrentou o Gama, no Estádio Frei Norberto, com apenas cinco atletas no banco de reservas. Porque deu sorte. “Quando o pessoal estava no aquecimento, dez minutos antes do jogo, outros quatro nomes foram publicados”, relata. “Eu fui o mais prejudicado, mas o Brasília ficou com apenas nove, dez jogadores também, mas não estreou na abertura. O Gama ficou sem seis atletas”. Mesmo desfalcado, o Paracatu venceu o Gama por 1 a 0, gol de Paulinho em falha do goleiro André. “Foi um jogo equilibrado, difícil. O Gama está muito bem montado e alguns atletas nossos ainda estão sem condição física. Na base da superação, conseguimos vencer”, comemora Alex Oliveira.
Futebol candango em crise
Ano passado, a primeira rodada teve a espetacular história do motorista de ônibus que vendeu as chuteiras dos jogadores do Formosa para comprar drogas, e a partida contra o Brasília teve que ser adiada. Mas os problemas do Candangão não surgem apenas do folclore. O Banco Regional de Brasília (BRB), sob o novo comando do governador Rodrigo Rollemberg (PSB), suspendeu o repasse de quase R$ 1 milhão aos clubes. A média de públicos da última edição foi de 2.367 pagantes, um pouco maior que a de 2013, com 1.191. O Samambaia, campeão da divisão de acesso, desistiu da elite em cima da hora (por isso o torneio tem apenas 11 clubes e um folga por rodada). Pior de tudo: três dos quatro estádios da primeira rodada não receberam público porque foram vetados pela federação. Não existe futebol sem torcida.
O vice-presidente da Federação Brasiliense, Cléver Rafael, considera o caso do Paracatu quase uma consequência natural desse contexto atribulado que, segundo ele, começou com a chegada de Jozafá Dantas ao poder, apoiado pelo ex-governador Agnaldo Queiroz (PT). Cléver era o primeiro vice-presidente da gestão anterior e foi rebaixado para segundo. “O campeonato de Brasília está uma draga. Ele acabou com o futebol, não entende nada, nunca deu um chute na bola. Nosso maior erro foi colocá-lo”, admite. “Um campeonato que não tem quarenta testemunhas. É isso que tá acontecendo com o futebol de Brasília. Não é nem um campeonato. Um campeonato começar com todos os estádios vetados? Não existe público mais. Quando tinha, davam ingressos para os caras, colocavam a R$ 1. Não existe isso”.
Cléver Rafael afirma que sempre foi contra Josafá Dantas como presidente, mas aceitou fazer parte da chapa mesmo assim. “Quando apontei os erros dele, resolvi sair”, justifica. “O governador exigiu que ele fosse presidente. Vou apoiar quem acho que tenha credibilidade”. Dantas nem quis comentar as declarações do seu arquirrival: “eu não vou responder. Eu só vou conversar com esse senhor na Justiça”. E enquanto os cartolas de gravata brigam na justiça, os clubes cobram o básico: arquibancadas seguras, público e poder usar os seus jogadores.
Você também pode se interessar por:
>>>> Na contramão dos gastos irresponsáveis, Levir reconstrói o Atlético com garotos e bom senso
>>>> Corinthian-Casuals encontra a periferia e segue a rotina de estrela na sua visita ao Brasil
>>>> E se Falcão tivesse insistido em jogar futebol de campo depois de sair do São Paulo?
>>>> O atacante folclórico que fez o maior golaço da MPB completa 70 anos: Fio Maravilha