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Corinthian-Casuals encontra a periferia e segue a rotina de estrela na sua visita ao Brasil

Aproximadamente cem crianças formaram um corredor para recebê-los. Eles estavam visitando um projeto social na periferia de São Paulo e entraram na escolinha Chute Inicial do Corinthians, em Itaquera, atrás de um mestre de samba cantando “Mas Que Nada” e de uma morena dançando com excelência. Um pequeno carnaval fora de época e antes mesmo do meio-dia. Os pedidos de autógrafos e fotos multiplicavam-se exponencialmente. Conheceram membros da organizada Camisa 12 e da bateria da Unidos de Vila Maria. Mais um dia muito incomum na vida desse grupo de entusiastas do futebol, composto por trabalhadores da construção civil, pintores, professores, estudantes e garçons. Desde que chegou ao Brasil, o Corinthian-Casuals vem sendo tratado pela torcida corintiana como grandes estrelas internacionais.

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Tudo começou no momento em que o elenco colocou o primeiro pé para fora do avião. Aproximadamente 500 pessoas, em um domingo à noite, foram ao Aeroporto de Guarulhos recebê-los, como se fossem uma grande estrela do rock ou o campeão inglês. “Nós temos por volta de 200 pessoas por jogo e foram 500 ao aeroporto. É absurdo. Nós nos sentimos estrelas de televisão. Nenhum time da Inglaterra teria essa recepção”, diz o técnico Matt Howard, também treinador das categorias de base do Woking, da Conference (quinta divisão inglesa). Foram tietados novamente em uma churrascaria na segunda-feira à noite e no ensaio da escola de samba Gaviões da Fiel, na terça. Esse assédio impressiona dos jogadores ao presidente. O discurso parece ensaiado, porque todos respondem quase com os mesmos adjetivos: “Incrível, inacreditável, maravilhoso”. Ou simplesmente é essa a reação espontânea de qualquer ser humano humilde diante de tanto carinho.

“Estamos quase precisando de proteção da polícia”, afirma o presidente do clube Brian Vandervilt. “Sabíamos da diversão que teríamos aqui, mas nada chega perto do que estamos passando. É absolutamente incrível. Nunca imaginamos essa intensidade”. Um inglês típico, com cabelos grisalhos, Vandervilt chefia a delegação no Brasil e, mesmo debaixo do calor saariano que São Paulo vivencia nos últimos dias, sente a necessidade de vestir terno e gravata. “Somos ingleses, temos padrões, somos tolos, saímos de terno no verão”, brinca, cerca de meia hora antes de descansar o terno no ônibus do clube, afinal, o limite da classe é por volta dos 35ºC.

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Algumas tradições britânicas foram mesmo deixadas de lado nessa viagem. A pontualidade, por exemplo. Na segunda-feira, eles ficaram uma hora presos no trânsito antes de chegar à churrascaria e, na manhã desta quarta, atrasaram aproximadamente 40 minutos. Damos um desconto porque a noite anterior deve ter sido cansativa no ensaio da Gaviões da Fiel. As festas, por enquanto, são comedidas, e a missão do capitão do time Joe Hicks é que elas continuem assim até o final do jogo de sábado contra o Corinthians, no Itaquerão. “Tento impedir que eles fiquem muito selvagens e façam coisas tolas”, afirma.

Nenhum deles mostrou sinais físicos de cansaço na brincadeira com as crianças em Itaquera. Fizeram joguinhos de três contra três, roda de bobinho, aquele exercício de não deixar a bola cair e treinaram as finalizações dos garotos. O goleiro Danny Bracken foi um pouco além e ficou mais de uma hora e meia defendendo pênaltis. Uma forma de retribuir um pouco do carinho que todos vêm recebendo desde segunda-feira. Na própria Chute Inicial, todos queriam posar para fotos com eles, sem necessariamente saber quem era quem.

A outra forma foi tentar aprender a torcer pelo Corinthians. No Aeroporto, esboçaram cantar o hino, mas não é nada fácil para um britânico pronunciar “Salve o Corinthians, o campeão dos campeões”. “Aprendemos um pouco e vamos praticando. Cantamos quando todos estão cantando. Sabemos repetir o som de algumas coisas, mas não as letras”, justifica o pequenino atacante Jamie Byatt, artilheiro do time que comemorou um gol com uma camisa do Corinthians por baixo da sua do Casuals em abril do ano passado e planeja fazer o mesmo no sábado. Por outro lado, cantar “Poropopópopópopó” é muito mais fácil:

Tanta festa por um punhado de ingleses que nem jogam futebol tão bem assim pode ser explicada por dois aspectos fundamentais: a paixão intensa da torcida corintiana e a relação histórica entre os dois clubes. A primeira deixou o treinador Howard impressionado na vitória sobre o São Caetano, em Barueri, pela Copa São Paulo de Juniores. “Quando o time adversário marcou, a torcida começou a cantar. Na Inglaterra, geralmente começam a reclamar. Eles levantaram o time do Corinthians”, lembra.

A outra deixa o presidente Vanderbilt de peito estufado, orgulhoso. “Espero que seja porque somos os fundadores do Corinthians. Nós nos sentimos assim”, conta. “Nos primórdios do futebol como o mundo o conhece, o Corinthians era o maior clube do mundo. Agora, o maior clube do mundo é o Corinthians Paulista, o nosso filho. É incrível pensar desse jeito, mas é verdade: lá embaixo, o Corinthian-Casuals, e no topo, o Corinthians Paulista.” Ele também torce para essa ligação começar a render frutos financeiros. O clube inglês, praticamente dependente de doações e presentes porque não gera renda suficiente para bancar o time de futebol, lançou uma linha de produtos para vender em parceria com o Corinthians. “Começou agora com a nossa visita. Esperamos que isso ajude a financiar o nosso clube para ele continuar a ser o maior time amador da Inglaterra”, deseja.

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No sábado, o Casuals vai descobrir como se sente o time que enfrenta o Corinthians. Ou não: o treinador Howard afirmou que o amistoso será mais um encontro de amigos do que um jogo competitivo. “Não vamos jogar contra eles, vamos jogar com eles”, diz. Ainda assim, na sexta-feira, quando treinará os seus jogadores na Arena Corinthians pela primeira vez, pretende pedir uma colher de chá para o técnico Tite. “Vou falar para ele ir com calma. Alguém me perguntou se vou comemorar se meu time fizer um gol. Eu respondi que vou comemorar se passarmos do meio-campo”, brinca.

Esconde a bagunça: o dono chegou
Kléber ganhou camisa do Corinthian-Casuals (Foto: Bruno Bonsanti/Trivela)
Kléber ganhou camisa do Corinthian-Casuals (Foto: Bruno Bonsanti/Trivela)

Em certo momento da atividade, o técnico responsável pelas crianças juntou todas no meio-campo e puxou o grito: “Olê, olê, olê, Kléber, Kléber!”. Trata-se de um afago ao dono do centro de treinamento, mas também um agradecimento. Kléber, lateral-esquerdo aposentado, membro do “melhor lado esquerdo do mundo”, naquele Corinthians de 2003 ao lado de Gil e Ricardinho, bancou a construção da escolinha no bairro onde começou a jogar bola e busca formar novos craques.

Também tira crianças da rua e lhes dá esperança. Por isso, é rei quando pisa no gramado sintético da escolinha. Não consegue recusar fotos e autógrafos. Nem mesmo dos jogadores do Corinthian-Casuals, saindo um pouco do papel de estrelas e voltando a ser fãs de futebol. Entregaram-lhe uma camisa do clube e tiraram algumas fotos. Isso, talvez, sem nem saber quem era aquele careca, com calças rasgadas e sapatênis. O presidente Vandervilt foi cumprimentá-lo, disse que Kléber “iria para o céu” pelo que faz pelas crianças e o chamou para defender o Corinthian-Casuals. “Eu já tinha outros compromissos. Pouco tempo me resta para brincar”, explica. Depois à reportagem, o dirigente britânico perguntou quem era aquele ex-jogador, e após ouvir a resposta, exclamou: “Uau, que jogador!”.

E, de fato, Kléber seria o craque do Corinthian-Casuals, mesmo aos 34 anos e recém-aposentado após uma séria lesão. Bastou uma pequena troca de passe entre os amadores e o ex-profissional para ver a tremenda diferença de qualidade e classe. Enquanto os ingleses penavam para manter a bola erguida no ar, o brasileiro a adormecia no peito e fazia o que quisesse com ela. Mas não tem problema: mesmo sem a capacidade de serem grandes astros do futebol, os trabalhadores da construção civil, pintores, professores, estudantes e garçons podem se sentir parte desse mundo glorioso e cruel durante pelo menos uma semana.

Foto de Bruno Bonsanti

Bruno Bonsanti

Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de aterrissar no site que sempre gostou de ler (acredite, ele está falando da Trivela). Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.
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