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[Legado] Ir ao jogo não precisa ser um sacrifício

Todo fim de Copa do Mundo é triste, mas esta em especial leva mais tristeza, porque vemos todos os times e torcedores indo embora. Da grande festa feita aqui, só sobraram mesmo os brasileiros. É hora de arrumar a casa, fazer a faxina e entender o que fica para o futebol depois de uma grande Copa como essa. As torcidas que aqui vieram, os times que jogaram nos gramados brasileiros e mesmo a forma como aconteceu a Copa nos deixam algumas coisas que podemos (e devemos) aproveitar.

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Contato com torcedores estrangeiros mostrou que é preciso saber torcer pela Seleção

A grande presença de torcidas estrangeiras, especialmente as sul-americanas, fez com que víssemos algo que não estamos mais acostumados: pessoas torcendo fervorosamente por suas seleções. O ambiente criado pela Fifa é para um público de teatro, mas os torcedores latino-americanos subverteram tudo isso. Argentinos, colombianos, uruguaios, chilenos, mexicanos, costarriquenhos fizeram festas incríveis dentro dos estádios, cantaram, se divertiram e fizeram seus gritos serem ouvidos.

Nesses países, há costumo de se torcer pela Seleção, ao contrário do que ocorre no Brasil há algum tempo. Em um dos episódios mais marcantes, e que pude presenciar, os mexicanos fizeram os brasileiros se sentirem em um jogo fora de casa. Os mexicanos, aliás, marcaram presença fortemente no Brasil, em todas as cidades que passaram e até em algumas que não passaram. Foi ali, naquele segundo jogo da Seleção na Copa, que a torcida brasileira sentiu que não sabia como torcer e seria engolida se não mudasse seu comportamento.

Os argentinos, que foram até a final, invadiram o Brasil e trouxeram o seu “decime que se siente” às ruas de todo país. Os colombianos estiveram em um número espantoso em Cuiabá, Belo Horizonte e outras cidades pelo país. Chilenos também deram uma cara nova para a capital mat-grossense e já indicavam, ali, que seriam adversários duros não só em campo, mas nas arquibancadas. Aliás, vale ler o relato sobre quem acompanhou os torcedores chilenos em Cuiabá e conta como eles fizeram a festa.

O comportamento desses torcedores nos estádios criou um ambiente diferente para a Copa, com estádios mais quentes. O ambiente de Libertadores tornou o jogo muito mais favorável aos sul-americanos, que aproveitaram bem e classificaram quase todos os países para as oitavas de final – só o Equador ficou fora.

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A questão do comportamento apático da torcida brasileira tornou-se uma questão tão importante que todos os meios de comunicação começaram a falar sobre a necessidade de um canto para substituir o “sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”, praticamente o único grito que ecoava nos jogos do Brasil. Até o Fantástico fez uma campanha para novos cantos. A torcida teve um comportamento mais participativo nos estádios. No segundo jogo do Brasil em Fortaleza, contra a Colômbia, nas quartas de final, a torcida teve um papel importante na vitória.

A Seleção sofre com a falta de jogos do time em casa por opção da CBF, que vendeu os jogos para uma empresa negociar – e, assim, o time passou a mandar jogos em outros países, como em Londres, por exemplo. O Brasil, especialmente, passou a jogar cada vez menos em seu território e perdeu a cultura de estádio.

Nos últimos 10 anos, o Brasil jogou 37 vezes em casa, contanto amistosos e jogos oficiais. Destes, 18 jogos foram disputados entre 2013 e 2014, quando o Brasil jogou Copa das Confederações e Copa do Mundo em casa. Foram 13 jogos por Eliminatórias, quando as seleções são obrigadas a jogar em casa, e outros 12 amistosos, sendo quatro deles sem o time principal, só com jogadores que atuam no Brasil. Se tirarmos os jogos amistosos entre 2013 e 2014, quando eram preparatórios para a Copa das Confederações e Copa do Mundo, sobram só cinco jogos. É muito pouco para que se crie uma cultura de ir ao estádio e torcer pelo Brasil. A Seleção ficou distante do torcedor durante muito tempo.

A Copa em casa, a presença de outros torcedores e essa concorrência e rivalidade com as outras torcidas fizeram com que os torcedores brasileiros sentissem essa necessidade de um comportamento diferente. Ficou evidente que o “sou brasileiro…” não é suficiente, não é um bom jeito de torcer. Talvez vejamos algo melhor nos próximos jogos do Brasil em casa, até porque não será Copa do Mundo e os preços tendem a não ser tão restritivos aos torcedores.

O problema é que em 2014, o Brasil fará outros três amistosos, todos fora de casa. Em 5 e 9 de setembro, jogará contra a Colômbia e Equador, respectivamente, nos Estados Unidos. Em 11 de outubro, enfrenta a Argentina em Pequim, provavelmente com um time formado só por jogadores que atuam no Brasil. O fato de não jogar em casa os amistosos depois da Copa, com estádios precisando de jogos para perder a imagem de elefantes brancos, é só mais um fato que mostra como não foi só um apagão de seis minutos e sim de 25 anos.

Uma herança que o Brasil levará é que é preciso ter uma torcida mais participativa. Os torcedores sentem e é possível que essa fique como um legado importante da Copa do Mundo por aqui.

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É possível organizar jogos para melhorar a vida do torcedor

Na Copa do Mundo, tudo funcionou muito melhor do que a gente esperava. Mas, peraí, se o Brasil consegue organizar uma Copa tão bem, receber os turistas tão bem e tornar a experiência de quem vai ao estádio tão inesquecível, por que não fazer isso sempre, com os torcedores que, semana sim, semana não, estão acompanhando seus times?

Nos jogos da Copa, o transporte funcionou relativamente bem e em geral as pessoas não tiveram problema para chegar aos estádios. Tudo porque as cidades montaram esquemas especiais para abrigar esses torcedores, alguns até criaram linhas de ônibus especiais para os torcedores chegarem com mais agilidade ao estádio. Sensacional! Que tal fazer isso também em dias de jogos dos clubes?

Há muitos anos, a CMTC era a empresa pública de ônibus na cidade de São Paulo. Nos dias de jogos no Morumbi, por exemplo, linhas especiais funcionavam para levar do centro até o estádio de forma expressa. Um dos terminais mais centrais da cidade, o Terminal Bandeira, tinha um ônibus que levava os torcedores direto para o estádio. Após os jogos, muitos veículos da empresa eram colocados à disposição dos torcedores na saída do estádio também em direção ao centro. Era uma forma de tornar a viagem dos torcedores ao estádio mais rápida e segura e não incomodar os passageiros das linhas tradicionais, que poderiam sofrer com atrasos pela sobrecarga causada em dias de jogos. Isso deixou de ser feito há muitos anos e atualmente a SPTrans, empresa criada para gerir os ônibus de São Paulo após a privatização, não faz mais isso. Aliás, faz pouco para ajudar a melhorar o fluxo nos dias de jogos.

Todo grande evento na cidade recebe um tratamento especial dos governos. Basta lembrar que quando acontece um grande show ou festival de música, como o Lollapalooza, são criadas linhas especiais e o metrô por vezes cria um horário especial para atender àqueles que vão a esses eventos, de forma a garantir uma experiência melhor.

No Brasil, infelizmente temos jogos que começam às 22h por interesse da TV. Já que é assim, seria importante que o metrô de São Paulo, por exemplo, funcionasse até um pouco mais tarde. O metrô paulistano fecha por volta de meia-noite, o mesmo horário do fim dos jogos. Poderia ter o horário estendido em dias de jogos na cidade às 22h para facilitar a vida dos torcedores. Os ônibus poderiam também ter um horário especial, além de linhas a mais para desafogar.

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Quando acontece a corrida da Fórmula 1, em São Paulo, a prefeitura e o governo se unem para criar esquemas especiais de ônibus e metrô para atender aos milhares de torcedores que vão ao autódromo. É o padrão do que se faz em grandes eventos e é uma cobrança de quem organiza esses eventos. É isso que talvez falte ao futebol: que os organizadores cobrem para que medidas sejam feitas. No Rio de Janeiro, por exemplo, há um esquema especial do funcionamento dos trens quando há jogo às 22h na cidade.

Isso não é bom só para quem vai aos eventos, mas para a cidade como um todo, já que uma massa de dezenas de milhares de pessoas tendo que se deslocar em direção a um só local pode causar sobrecarga em vários meios de transporte. Criar um esquema especial é uma forma de também manter saudável a vida de quem não estará no evento.

Mais do que isso, é uma forma de ser mais atraente para quem organiza eventos também. Afinal, que organizador quer que o seu público tenha dificuldades para chegar?  Só que é preciso se preparar para isso. Na Copa, a Fifa recruta milhares de voluntários e os treina para orientarem o público e tornar a experiência do torcedor, organizar e manter a segurança do evento. Nos estádios novos do Brasil, há orientadores que ficam ao redor do gramado para eventual necessidade de controlar o público se houver uma invasão de campo ou mesmo para impedir grandes tumultos.

Os clubes podem (e mais do que podem, devem) contratar funcionários para fazerem o papel que os voluntários fizeram na Copa e ajudar seu torcedor e ser melhor tratado. Afinal, um dos mantras de quem presta serviço é dizer que “atendemos bem para atender sempre”. Os clubes nem sempre tratam bem os torcedores, que mesmo assim muitas vezes seguem como clientes, porque a paixão não é pelo serviço, é pelo futebol, é pelo clube. Tratar melhor o torcedor faz essa paixão ferver mais, e, consequentemente, ele se torna um frequentador mais assíduo, o que é bom em todos os aspectos. E isso a Copa pode deixar como legado para o futebol brasileiro.

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Foto de Felipe Lobo

Felipe Lobo

Formado em Comunicação e Multimeios na PUC-SP e Jornalismo pela USP, encontrou no jornalismo a melhor forma de unir duas paixões: futebol e escrever. Acha que é um grande técnico no Football Manager e se apaixonou por futebol italiano (Forza Inter!). Saiu da posição de leitor para trabalhar na Trivela em 2009, onde ficou até 2023.
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