Brasil

Maurício Noriega: uma análise do início de Diniz na Seleção, sem histeria

Dois jogos, 180 minutos, atuações e adversários muito diferentes. Todos queremos que dê certo, mas análises precisam ser equilibradas

Quem voltou de um passeio a Marte a bordo do Ingenuity e assistiu ao jogo e à repercussão de Brasil 5 x 1 Bolívia pode ter pensado que em 90 minutos aconteceu uma revolução no futebol cinco vezes campeão mundial. Com 300 segundos de partida era possível identificar “o dedo” do treinador na equipe. Ao final da vitória sobre o adversário mais frágil do continente, colecionador de goleadas, estava decretada a Era Diniz, com aquele tom ufanista que alguns adoram narrar e consequentes avaliações que muitas vezes procuram nada mais do que justificar teses pré-estabelecidas e embasar o “como eu havia dito” e “eu tenho razão”.

Procuro um caminho mais sereno e menos vendedor de ilusões em busca de pontos no Ibope ou cliques. A Bolívia que o Brasil atropelou em Belém foi vencida sem dificuldade e em ritmo de treino por uma Argentina que jogou descansando e deixou Messi fora da súmula na tenebrosa altitude de La Paz. O Peru que o Brasil derrotou nos instantes finais de um jogo sonolento havia empatado fora de casa contra o Paraguai, derrotado pela Venezuela.

Fernando Diniz é um treinador em afirmação em uma carreira de 13 anos e um título relevante. Tem boas ideias como muitos outros treinadores brasileiros e estrangeiros que por aqui militam. Mas há uma onda de boa vontade em relação a ele que é equivalente à maré de má vontade contra Dunga (nessa eu me incluo retrospectivamente).

Dizer que Diniz em 180 minutos mudou a cara da seleção faz parte da espuma da onda de boa vontade. Muita calma nessa hora. Os 80% de posse de bola contra a Bolívia que foram elevados à enésima potência do destaque para embasar o entusiasmo ficaram de canto em relação aos bons 62% de posse diante do Peru, com apenas nove finalizações ante um rival medroso, assustado e que tratava o empate como glória eterna.

É precipitado analisar dois jogos com fervor der tese de trabalho estabelecido. Não é justo com o comandante do trabalho e nem com o receptor das análises. Nem quando Tite assumiu a seleção, em 2016, houve tamanha onda de entusiasmo. Tite era um treinador que à época gozava de unanimidade nacional e estreou vencendo o Equador, então líder das Eliminatórias, por 3 a 0, em Quito! Nascia ali o “titismo juramentado”. O excelente treinador reuniu uma espécie de seita em seu redor durante os seis anos de trabalho. Suas coletivas lembravam cultos, suas frases eram encaixadas literalmente nas análises e suas campanhas débeis em Copa do Mundo ganharam o selo de um legado difícil de engolir fora da seita.

Eis que chega a era do “dinizismo” ou “dinizmo”, não sei qual se encaixa melhor. Em mais de 30 anos de janela tive tempo de reconhecer quem elogia por interesse na audiência, por privilégio numa entrevista futura ou por pura bajulação. Assim como os que embasam com honestidade intelectual opiniões das quais discordo e com as quais concordo.

O que de vi de melhor em duas partidas de Diniz trafega somente no campo da intenção. Ele quer fazer um time que seja impositivo dentro de sua ideia. Muitas coisas Tite ou fez ou tentou fazer em sua passagem. Dunga também fez e tentou fazer. Tais como um time que buscava imediata recuperação da posse de bola e Neymar atuando mais recuado e como armador. Não vou pinçar dados para que eles atuem como elementos verificadores de minha suposta razão. Não quero ter razão, quero debater e analisar. Não invoco o Leoni compondo “Como Eu Quero” para a Paula Toller cantar do jeito que ele queria.

Boa sorte ao Diniz em sua caminhada. Mas não consigo ver revolução alguma em golear a Bolívia ou em vencer o Peru com gol de bola parada que várias vezes surgiu na chamada Era Tite. Mas raramente se dizia que “a jogada foi exaustivamente treinada pelo Diniz”. Ora, toda jogada de bola parada é exaustivamente treinada em todo time profissional de alto nível.

Que venha outubro!

No meio do caminho temos a Venezuela, na Arena Pantanal. Escala para prováveis hinos ufanistas e revolucionários antes do primeiro teste com mais peso: Uruguai no Centenário. Uruguai de Bielsa, que provoca tantas análises apaixonadas como Diniz, e vem de uma derrota com polêmica para o Equador. Teremos 360 minutos e não 360 segundos para emitir decretos que sustentem supostas razões ou desejos pessoais.

Foto de Mauricio Noriega

Mauricio Noriega

Colunista da Trivela
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