O novo Flamengo corre certo e pode encantar no ritmo de De La Cruz
Flamengo amassa o Fluminense no clássico e mostra que ainda pode evoluir no Campeonato Carioca

O amasso do Flamengo no primeiro clássico semifinal do Campeonato Carioca, um aperto de embaraçar qualquer chance de construção de jogadas do Fluminense, apareceu como um registro fundador, uma autenticação desse novo time rubro-negro. É só o Estadual, mas quando chegar disputando os títulos das copas ou do campeonato, lá no fim do ano, haverá quem diga que passou a confiar de fato depois da chuvosa noite de sábado lá no início de março. Nas redes sociais ou na conversa de rua de domingo, muita gente remeteu ao time histórico de 2019 para dizer que desde então, não sentia tanta superioridade de sua equipe num jogo grande. Não é pouco.
As ideias e testes de Tite oscilaram na reta final do Brasileirão, ainda que o treinador mereça um desconto anunciado logo na sua apresentação: foi contratado para 2024, e aquele meio turno derradeiro em 2023 era só uma antecipação do projeto. Mesmo assim, quando o título se ofereceu possível no derretimento do Botafogo, não havia força o bastante para uma arrancada de taça. Agora, ele não só achou o time como já tem rapidamente uma ótima versão de um reforço de primeiro nível. Nicolás de la Cruz joga muita bola.
O melhor em campo no Fla-Flu fez seu quarto jogo seguido como titular, brilhando no balanço entre o cinco e o dez, competindo com a vitalidade de Pulgar e criando com a técnica de quem senta na mesa de Arrascaeta. Ainda não jogou mal desde que pisou no Brasil e não é fácil cravar que alguém tenha tanta capacidade de gerar jogo e preencher o campo com o gás e a categoria do uruguaio. De La Cruz foi fundamental nessa pressão tão acertada do Flamengo – o meio engoliu o rival, os pontas funcionaram com exatidão na recomposição e a linha de defesa não vacila faz muito tempo. Dois a zero foi pouquíssimo.
E quando o torcedor cita a lembrança dos meses de Jorge Jesus é curioso, porque por muitas campanhas, o futebol flamenguista ficou preso no espiral de retomar aquele time do pôster. Agora, descolado da magia que logo fará cinco anos, reencontra a autoestima numa postura de time bem mais voltado ao equilíbrio posicional, encaixadinho, de pontas mais fixos e de defesa intransponível, cujo grande destaque no momento não é ter entrado tabelando para fazer quatro ou cinco, mas chegar ao recorde de dez partidas sem sofrer um golzinho sequer. Há várias formas de encantar, e o clássico firma que esse Flamengo pode construir outro tipo de beleza, menos plástica e mais de uma soberania que de tão marcante e constante se torne capaz de arrebatar o Maracanã.
Interessante também que a qualidade do elenco é tão flagrante que, ao mesmo tempo que se percebe que Tite achou um time nessa reta final de Carioca, se reconhece que ainda há muita água para correr quando a temporada fluir de vez. Gerson, machucado, poderia voltar aberto, no lugar de Luiz Araújo, como um falso-ponta que já fez tantas vezes, inclusive na França. Léo Ortiz, na zaga, é capaz de oferecer uma saída de bola ainda mais incisiva que os bons Léo Pereira e Fabrício Bruno, e Matías Viña é outra boa opção de firmeza para construir pela esquerda. Allan, finalmente, em algum momento, vai jogar? E os garotos, se firmam de vez? Para não falar da velha dupla Bruno Henrique, renovado, e Gabriel, em fim de contrato, vá saber se cada vez mais perto ou mais longe de seguir no clube.
Mas antes que alguém diga que há empolgação demais quando se trata de Flamengo, aquela megalomania rubro-negra cuja torcida se mete a anunciar quando sente cheiro de título, vale ressaltar, sim, que o Fluminense não está tinindo e trincando. Até entregou um jogo para ganhar a Recopa da LDU no Maracanã, mas no clássico não deu conta de escapar praticamente em nenhum momento. Não havia superioridade física no meio (muito longe disso), e o desfalque de André acaba sendo duplo: perde na destreza do primeiro passe e cai demais na cobertura da zaga veterana (o que André corta de caminho para recuperar bola na defesa é uma enormidade). Quando a posse não sai de pé em pé, Cano colabora pouco, e chamou a atenção que Diniz não tenha usado John Kennedy para pelo menos trazer mais perigo à zaga alta do adversário. Jogo bastante pobre.
Há um ano, a virada do Fluminense na final local atropelando o Flamengo em goleada por 4 a 1 foi um marco de confiança para um time cujo futebol ainda precisava de uma grande conquista para cravar seu potencial. Para sábado, primeiro Fernando Diniz precisaria pensar em formas de subir o nível de enfrentamento contra um rival que está melhor em todos os aspectos de uma partida, para depois, quem sabe, conseguir ganhar o jogo e, num terceiro momento, tirar a margem de gols (difícil imaginar que venha muito diferente). Já o Flamengo, favoritaço para ser campeão, pode é lamentar que já não tenha definido a classificação com um placar mais largo no jogo um. E, para além da vantagem, brindar que se apresentou feito quem vem muito forte nas grandes noites, longe, muito longe, daquela dificuldade toda que lhe acompanhou por toda a temporada passada.