Maurício Noriega: Gabigol e a versão canastrona do beijo da morte
Gesto do ídolo flamenguista após a derrota para o São Paulo expõe o clima da fogueira das vaidades rubro-negras
Os filmes sobre mafiosos reproduzem um gesto no qual uma espécie de sentença é decretada: o famoso beijo da morte. Quando um grande chefe mafioso dá um beijo no rosto de alguém num convescote de gângsteres, sabe-se que esse alguém não estará na próxima cena.
Pois foi uma versão canastrona do beijo da morte mafioso que o ídolo flamenguista Gabriel, o Gabigol, protagonizou após o primeiro jogo da decisão da Copa do Brasil. Gabigol é muito inteligente e sabe de seu tamanho na história do Flamengo. Seus gestos são sempre meticulosamente planejados em função da repercussão que geram em uma era de câmeras que registram tudo e produzem memes virais automaticamente. Ele sabia onde estava sendo realizada a entrevista coletiva de Dorival Júnior, treinador do São Paulo e seu ex-técnico. Sabia que a sala estaria cheia de repórteres, fotógrafos e jornalistas.
Ao esquadrinhar a cena pela porta da sala de entrevistas e mandar um beijo ao ex-chefe, Gabigol apunhalou o treinador atual, Sampaoli, e seu diretor e desafeto Marcos Braz, que demitiu Dorival. Não foi um recado sutil, mas uma declaração, uma nota oficial do atleta, que escancarou a fogueira de vaidades do Flamengo. O texto implícito é o seguinte: “beijo, profe! Nós éramos felizes com você”.
Em péssima fase, Gabigol parece crer que seu currículo basta para blindá-lo das críticas da torcida. Não é assim que a charanga rubro-negra tem tocado. Escravo da própria vaidade, ele produz gestos cheios de ironia com naturalidade semelhante à produção de gols quando em boa fase.
O verdadeiro conteúdo do beijo que o atleta mandou para Dorival é a sentença que ele profere em direção a Sampaoli e Marcos Braz. Mais claro, impossível.
Essa situação reflete o vácuo de liderança no Flamengo e expõe dois personagens que trabalham na direção oposta do outro lado da final: Dorival e Muricy Ramalho. O treinador são-paulino soube organizar uma equipe que vinha de uma péssima sequência para expor a total desorganização do rival e vencer em cima dela. Muricy, discreto, trabalha nos bastidores exalando seu conhecimento do clube e de situações decisivas.
O que falta de liderança ao Flamengo sobra em Muricy e Dorival.
Isso não significa que a Copa do Brasil acabou e o São Paulo é campeão. O Flamengo, mesmo sem ser um time, tem jogadores capazes de virar uma partida. Arrascaeta é um fator decisivo. Com ele em campo, a final pode mudar de eixo. O próprio Gabigol é capaz de resolver uma partida e tem isso em sua história. Mas por enquanto, o beijo que ele mandou só fez encher de esperanças os tricolores e de ainda mais dúvidas os flamenguistas.