Há 30 anos, o Criciúma se sagrava campeão e escrevia uma das histórias mais fantásticas da Copa do Brasil
O Criciúma treinado por Felipão fez uma campanha invicta e gravou o maior feito nacional dos clubes de Santa Catarina

A Copa do Brasil é uma competição pródiga em surpresas. E a primeira delas se consagrou há 30 anos, em 2 de junho de 1991: o Criciúma erguia seu histórico troféu, naquele que permanece como único título nacional de elite do futebol catarinense. O Tigre não era exatamente uma novidade, depois de ter alcançado as semifinais da própria Copa do Brasil no ano anterior. Ainda assim, aquela campanha possui um peso imenso. Os tricolores conquistaram o título invicto, superaram o Grêmio na decisão e colocaram Santa Catarina no mapa da Copa Libertadores.
Aquele Criciúma costuma ser lembrado como o “time de Felipão”, mas a verdade é que o treinador seria a cereja do bolo na montagem dos campeões. O Tigre mantinha um elenco bastante entrosado desde os anos anteriores, que conseguiu ser tricampeão estadual, além de repetir as boas campanhas na Copa do Brasil. A postura aguerrida dentro de campo e o enorme empenho eram marcas registradas do apogeu tricolor, com Scolari dando um pouco mais de firmeza defensiva e força nas bolas paradas. Além disso, o Criciúma aproveitava muito bem seu caldeirão no Heriberto Hülse, onde ficou 18 meses sem perder jogos oficiais entre 1990 e 1991. Um time forte que marcou sua história e manterá para sempre o Tigre na lista de campeões nacionais.
Criciúma desponta no cenário nacional
A força da cidade de Criciúma no futebol catarinense ficou mais expressa a partir dos anos 1960. O principal representante local na época era o Metropol. A equipe conquistou cinco vezes o estadual e virou figurinha carimbada na Taça Brasil. Outro representante da cidade que teve sua relevância na época foi o Próspera, que chegou a ser vice-campeão catarinense em 1971. Ambos eram fomentados pelas empresas carboníferas da cidade, o que explicava o alto investimento e o sucesso nas competições regionais. Neste momento, o Criciúma Esporte Clube ainda não existia com esse nome.
O embrião do Criciúma foi o Comerciário, fundado em 1947 na região central de Criciúma. O clube logo ganhou relevância regional e inaugurou o Estádio Heriberto Hülse em 1955. Além do mais, o CEC embarcou na bonança do futebol da cidade nos anos 1960 e conquistou o Campeonato Catarinense em 1968. A equipe estrelada pelo ponta Valdomiro superou o Caxias de Joinville na decisão e levou a taça para casa. O título, porém, não renderia a participação na Taça Brasil – extinta em 1968. E o período glorioso se encerrou rapidamente no futebol de Criciúma. Com uma crise financeira, o Comerciário precisou fechar as portas em 1970. Não seria o único a sofrer com a bancarrota, já que o próprio Metropol resolveu encerrar suas atividades após faturar o estadual em 1969.
Foi somente em 1977 que o Comerciário retomou seu percurso. E o clube logo mudaria sua identidade: para abarcar mais torcedores na cidade, nasceu o Criciúma Esporte Clube. Com apoio de empresários da região, o Tigre logo se tornou uma força estadual. Os tricolores disputaram o Brasileirão em 1979 e passaram a bater cartão nas competições nacionais. Ainda disputavam a chamada Taça de Prata, mas criavam casca. E não demoraria para o time dar saltos maiores. Em 1986, o Criciúma reconquistou o Catarinense depois de 18 anos. Mais do que isso, passou a figurar no módulo principal do Campeonato Brasileiro repetidamente. O rebaixamento à segundona em 1988 seria a última decepção antes da era dourada realmente começar no Heriberto Hülse.
Em 1989 e 1990, o Criciúma não conseguiu o acesso na Série B do Brasileirão. Caiu para Bragantino e Catuense nas fases finais da segundona. Em compensação, um período de verdadeiro domínio começava a ser estabelecido no Campeonato Catarinense. O Tigre conquistou o bicampeonato estadual naqueles dois anos. A primeira taça seria sob as ordens de Levir Culpi, um dos grandes responsáveis pela montagem da equipe. E o Criciúma teria o gosto também de participar da segunda edição da Copa do Brasil, em 1990, logo mostrando a que veio. Os tricolores seriam semifinalistas da competição nacional, deixando uma excelente impressão, ao eliminarem uma série de adversários bem mais tradicionais na competição de mata-matas.
Aquele Criciúma era treinado pelo experiente João Francisco, técnico de carreira experimentada principalmente nos clubes do sudeste, que substituiu Levir. Já tinha acumulado títulos estaduais por quatro clubes diferentes quando chegou no Heriberto Hülse e também faria o Tigre campeão em 1990. De qualquer maneira, a campanha excepcional na Copa do Brasil seria ainda mais marcante. Já estava formada ali a base que daria frutos no ano seguinte – com vários nomes que comporiam o time campeão, incluindo Alexandre, Itá, Roberto Cavalo, Grizzo, Soares e Jairo Lenzi. O potencial dos catarinenses ficaria claro.
A saga do Criciúma começou em Porto Alegre, contra o Internacional. Os colorados venceram a primeira partida por 1 a 0 no Beira-Rio, mas tomaram o troco no Heriberto Hülse e acabaram eliminados. Gélson e Grizzo foram os heróis no reencontro com os gaúchos, garantindo o triunfo por 2 a 0 aos tricolores. Na fase seguinte, o Criciúma desafiou o Coritiba. O primeiro jogo aconteceu no Couto Pereira e Grizzo mais uma vez foi o herói, determinando a vitória por 1 a 0. Já na volta, em Santa Catarina, o goleiro Alexandre defendeu um pênalti e permitiu que o empate por 0 a 0 se tornasse suficiente à classificação.
O embalado Criciúma pegou o São Paulo nas quartas de final. O Tricolor, treinado por Pablo Forlán às vésperas da chegada de Telê Santana, trazia Raí como camisa 10. Porém, os são-paulinos seriam amassados dentro do Heriberto Hülse, com o triunfo do Tigre por 2 a 0. Soares e Jairo Lenzi determinaram o placar. Com a vantagem estabelecida, a derrota por 1 a 0 no Morumbi não impediu a classificação dos catarinenses para as semifinais. Por fim, o sonho do Criciúma se encerrou apenas contra o Goiás. Jairo Lenzi até definiu o 1 a 0 no Heriberto Hülse aos 45 do segundo tempo. Porém, o Esmeraldino também ganhou por 1 a 0 no Serra Dourada e se classificou nos pênaltis. Na decisão, o Flamengo se sagrou campeão em cima dos goianos.
Dentre os principais artífices por aquela ascensão do Criciúma estava o presidente Moacir Fernandes. Empresário da construção civil, ele assumiu a presidência em 1985 e teria papel importante na formação do time. O Tigre soube garimpar bons talentos na própria região, assim como buscou jogadores sem tanto espaço em centros maiores do país. Foi assim que montou uma equipe extremamente competitiva, sem precisar esbanjar dinheiro. O momento, aliás, não era dos melhores à economia de Criciúma. No início de 1991, a cidade enfrentou uma crise severa que provocou milhares de desempregos na indústria cerâmica (de onde vinha o patrocinador, a Eliane Revestimentos) e também nas minas de carvão. As vitórias do Tigre serviam para levantar o brio da população local.
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O campeão ganha forma
O Criciúma começou o ano de 1991 com o calendário cheio. A Série B do Campeonato Brasileiro teve início no fim de janeiro. Quando a equipe abriu sua campanha na Copa do Brasil, já tinha disputado cinco partidas na segundona. E o começo era promissor. Numa fase regionalizada da competição, o Tigre tinha conquistado vitórias contra Blumenau, Paraná e Coritiba. Parecia ser possível buscar a primeira divisão nacional. Já em fevereiro aconteceu a estreia na Copa do Brasil. A jornada se iniciou contra um adversário mais fácil, o Ubiratan, campeão de Mato Grosso do Sul em 1990.
Na época, o Criciúma era dirigido por Luiz Gonzaga Milioli. Nascido na cidade, ele trabalhava no clube desde os anos 1980 e ocupou diferentes cargos na comissão técnica. Estava no comando de maneira interina, após a saída de João Francisco com a conquista do Campeonato Catarinense em 1990. Já dentro de campo, a espinha dorsal do Tigre campeão estava presente. A começar pelo goleiro Alexandre, nascido em Ribeirão Preto e que rodou por clubes do interior de São Paulo até ser levado pelos catarinenses em 1989. Seria já uma das figuras principais na campanha até as semifinais da Copa do Brasil de 1990.
A defesa naquela estreia reunia poucos jogadores que seriam realmente titulares ao longo da Copa do Brasil, mas a lateral esquerda já era ocupada por Itá. Após despontar na Chapecoense, o defensor assinou com o Criciúma em 1986 e virou um dos símbolos do período vitorioso. Inclusive, usava a braçadeira de capitão. Foram 385 partidas com a camisa tricolor, se tornando o terceiro que mais defendeu o clube. Já na zaga, se o zagueiro Wilson esteve presente apenas no primeiro compromisso da campanha, aquele seria um dos seus 426 jogos pelo Tigre – logo acima de Itá na lista de recordistas em aparições.
A trinca de meio-campo era composta por Roberto Cavalo, Gélson e Grizzo. Trazido do Athletico Paranaense em 1989, Cavalo seria uma das referências do Criciúma e um dos jogadores mais identificados com o clube. Era quem dava segurança na cabeça de área tricolor, com muito vigor físico, além de ser um exímio cobrador de faltas. Gélson desembarcou no Heriberto Hülse na mesma época, comprado junto ao Marcílio Dias. Já o meia esquerda Grizzo foi talhado no futsal, antes de tentar a sorte em clubes do Paraná e de Santa Catarina. Foi comprado pelo Tigre em 1988, dando qualidade na criação. Também havia a alternativa do meia Zé Roberto, contratado em 1989, após passagem pelo Grêmio.
No ataque, o ponta Vanderlei era um dos mais antigos do elenco, comprado da Chapecoense em 1985. O atacante defendeu o Criciúma por sete anos e virou recordista em aparições pela equipe, com 431 jogos disputados. Também é o maior artilheiro, com 84 gols. Por ali também aparecia Jair, trazido do Marcílio Dias e que serviria mais para compor o elenco ao longo da Copa do Brasil. O nome mais célebre do setor, de qualquer forma, era Jairo Lenzi. O habilidoso ponta tinha sido descoberto também no Marcílio Dias (onde começou com Levir Culpi) e foi levado pelo treinador a Criciúma em 1989, aos 21 anos. Seu sucesso no Heriberto Hülse seria tamanho que acabaria até cotado à Seleção. Além de tomar conta do lado esquerdo no ataque, batia bem na bola com seus cruzamentos cirúrgicos.
A campanha do Criciúma na Copa do Brasil não começaria chamando tanta atenção. Em sua estreia, a equipe não passou de um empate contra o Ubiratan no Douradão. Wilson até abriu o placar para os anfitriões, com o empate por 1 a 1 arrancado apenas aos 44 do segundo tempo, quando Grizzo se infiltrou na área para fazer. Dentro do Heriberto Hülse, ao menos, o Tigre confirmou seu favoritismo com a goleada por 4 a 1. O Ubiratan saiu em vantagem logo aos dois minutos, com Edson, mas o zagueiro Evandro e Grizzo viraram antes do intervalo. Já no início do segundo tempo, Zé Roberto e Vanderlei deram forma à goleada tricolor. Apenas 2,2 mil espectadores viram aquele primeiro triunfo nas arquibancadas do Majestoso.
O nível do desafio aumentou bem mais nas oitavas de final da Copa do Brasil. Afinal, o Criciúma pegaria o Atlético Mineiro. Prestes a se tornar semifinalista do Brasileirão naquele primeiro semestre de 1991 e numa boa sequência de resultados, o time treinado por Jair Pereira merecia respeito. Os atleticanos contavam com jogadores rodados, como o goleiro Carlos, o lateral Alfinete, o volante Éder Lopes, o ponta Sérgio Araújo e o centroavante Gérson. Também despontava no miolo da zaga o jovem Clébão. Para encarar os mineiros, entretanto, o Tigre teria uma novidade no banco de reservas. Aquelas seriam as primeiras partidas sob as ordens de Luiz Felipe Scolari.
A projeção de Felipão como treinador ainda era limitada naquela época. Começou à frente do CSA, mas o grosso de sua carreira tinha se concentrado em clubes do interior do Rio Grande do Sul. Diante do sucesso feito nessas equipes menores, a grande oportunidade ocorreu em 1987, quando dirigiu o Grêmio e levou o Campeonato Gaúcho daquele ano. Passaria depois pelo Goiás, até se aventurar no Oriente Médio. E seria mesmo uma aventura, considerando que Scolari era o técnico do Kuwait na época em que o Iraque invadiu o país vizinho, iniciando a Guerra do Golfo. O treinador conseguiu escapar ileso e terminou 1990 à frente do Coritiba. Até que o Criciúma fizesse um grande negócio, ao contratar o ex-zagueiro de 42 anos em março de 1991.
Felipão encontrou uma base já entrosada no Heriberto Hülse. Conseguiu moldar uma equipe ainda mais competitiva, pautada em sua excelência para montar sistemas defensivos. Os jogos contra o Atlético Mineiro guardaram as estreias de outros jogadores importantes do Criciúma naquela Copa do Brasil. O zagueiro Vilmar era cria do Cruzeiro, virando xerife do Tigre a partir de 1989. Já no ataque, o centroavante Soares tinha defendido times de peso como Bahia e Santos, até virar aposta dos tricolores em 1989. Seria ídolo no Heriberto Hülse, virando o segundo maior artilheiro da história da agremiação, com 82 gols.
O duelo com o Atlético Mineiro teve seu primeiro encontro no Heriberto Hülse. O Criciúma deu um passo fundamental à sua classificação com a vitória por 1 a 0. Aos dez minutos do primeiro tempo, Vanderlei definiu o placar a favor do Tigre, completando de cabeça o cruzamento de Jairo Lenzi. Pois o tamanho do feito do Criciúma seria ainda maior, com a nova vitória por 1 a 0 no reencontro em Belo Horizonte. Logo aos 21 minutos, Roberto Cavalo abriu a contagem no Estádio Independência. E foi um golaço, numa cobrança de falta perfeita, acertando a gaveta de Carlos. Precisando de três gols para conseguir uma reviravolta, o Galo esbarrou no forte sistema defensivo tricolor. Os catarinenses reapareciam nas quartas de final da Copa do Brasil.
“A gente acreditou que poderia ser campeão depois do jogo contra o Atlético, lá em Belo Horizonte. Ganhamos por 1 a 0, mas o Felipão falou que era pouco, até porque o Atlético ia jogar no Mineirão, estava há 45 jogos sem perder. Daí levaram o jogo para o Independência. Nem preciso dizer que transbordou de gente lá, né? Antes do jogo já estava lotado, meio-dia por aí. Nós ganhamos o jogo por 1 a 0, com um gol meu de falta. Da maneira que o jogo foi, a torcida quebrou nosso ônibus depois, fomos apedrejados. Mas foi ali que vimos que dava para chegar”, comentou Roberto Cavalo, ao Globo Esporte, em 2016.
Indo além dos limites na Copa do Brasil
À medida que avançava na Copa do Brasil, o Criciúma deixava de lado a Série B. O desempenho da equipe caiu na metade final da campanha na segundona e a classificação aos mata-matas não veio. O Tigre terminou na quinta colocação de seu octogonal, no qual apenas os dois primeiros avançariam. O fracasso chegou até a fazer Felipão balançar no cargo, mas aquilo levou o grupo a se fechar ao redor do comandante. Se não dava para pintar na elite do Brasileirão, o lado bom é que o time conseguiria concentrar suas forças na Copa do Brasil. A partir das quartas de final, o torneio nacional era o único compromisso dos tricolores, já que o Campeonato Catarinense só se iniciaria em meados de junho. Assim, deu pra fazer um trabalho intensivo em busca da taça.
As quartas de final guardaram a chance de uma revanche para o Criciúma. O Tigre encararia o Goiás, algoz na semifinal anterior. O Esmeraldino era treinado por Zé Mário e tinha uma boa equipe. A lateral esquerda contava com o lateral Lira. Na armação, o ídolo Luvanor havia retornado após três anos atuando no Catania, além de defender também Santos, Flamengo e Internacional. Já o ataque usufruía dos muitos gols de Túlio Maravilha, que tinha sido artilheiro do Campeonato Brasileiro dois anos antes e seria fundamental também na caminhada à final da Copa do Brasil de 1990.
Os confrontos com o Goiás marcaram a aparição de mais um jogador importante àquele Criciúma: o zagueiro Altair, parceiro principal de Vilmar naquela caminhada. O beque era um dos raros que não tinham disputado a Copa do Brasil de 1990, trazido pouco depois do Ferroviário de Santa Catarina. Seria firmado na defesa por Felipão. Por fim, na lateral direita, Sarandí tomava a posição de Jairo Santos. Cria da casa, o defensor pintava na equipe desde 1986. Disputou 373 jogos pelo clube, quarto no total de aparições.
A defesa do Criciúma daria sua ajuda num bom resultado arrancado no Serra Dourada. O empate por 0 a 0 parecia uma boa pedida contra o Goiás, ainda mais considerando a expulsão do atacante Vanderlei, com o segundo cartão amarelo. E a saída dele acabaria moldando a formação para o restante daquela competição. A partir daquele momento, Felipão daria forma definitiva ao time campeão, num 4-4-2. A escalação começava com Alexandre no gol. Sarandí, Vilmar, Altair e Itá compunham a linha defensiva. O meio contava com Roberto Cavalo, Gelson, Grizzo e Zé Roberto. Já no ataque, Soares e Jairo Lenzi se combinavam.
Aqueles 11 caíram no gosto de Scolari muito graças à atuação excepcional no reencontro com o Goiás. O Criciúma atropelou os esmeraldinos por 3 a 0 no Estádio Heriberto Hülse. O passeio teria “15 minutos de apagão” dos goianos entre os 24 e os 39 do primeiro tempo. Foi quando o Tigre anotou seus três gols, com Jairo Lenzi, Gelson e Grizzo balançando as redes. O Goiás ainda precisaria lidar com a expulsão de Niltinho. A classificação garantia uma revanche e tanto depois da semifinal de 1990. Pelo segundo ano consecutivo, o Criciúma surpreendia e se colocava entre os quatro melhores da Copa do Brasil.
Naqueles tempos, aliás, a Copa do Brasil não era exatamente o torneio mais prestigiado entre os clubes da Série A. Com a disputa concomitante ao Brasileirão, nem todos priorizavam os mata-matas. E a edição de 1991 colocou três times da segundona nas semifinais. O Criciúma era um deles e pegava o Remo, que despachara Vasco e Vitória nas fases anteriores. Os remistas também não passaram aos mata-matas da Série B. Já na outra chave, o Coritiba vinha bem na segunda divisão. O Coxa havia eliminado Paysandu e Botafogo, lutando paralelamente pelo acesso. O adversário dos paranaenses seria o Grêmio, que, se ainda não estava na segundona, passaria por lá na temporada seguinte. O rebaixamento inédito do Tricolor ocorreria três dias antes da ida contra os alviverdes.
A falta de apelo da Copa do Brasil naqueles tempos fazia a CBF colocar em xeque a continuidade do torneio. Em 10 de maio de 1991, pouco antes do início das semifinais, Ricardo Teixeira afirmava que aquela poderia ser a terceira e última edição da competição. A média de público não passava de 4,8 mil pagantes. As quedas precoces dos clubes da primeira divisão ajudavam a explicar a falta de comoção. O maior público ficava em 18 mil pagantes, registrado no Remo x Vasco em Belém pelas oitavas de final. O próprio Criciúma não tinha levado mais que 8,3 mil pessoas ao Heriberto Hülse até então.
O Remo na época era dirigido por Paulinho de Almeida, treinador com rodagem por diversos clubes de peso do país e com 25 anos de carreira. Dentro de campo, o Leão contava com uma boa dupla de zaga formada por Belterra e Chico Monte Alegre. O lateral Ney seria outra figura importante dos azulinos. O veterano Roberto Coração de Leão ocupava o ataque, com uma carreira muito ligada ao Sport e até passagem pela Seleção com Telê Santana em 1981. De qualquer maneira, o protagonista era Edil Highlander, uma verdadeira lenda do futebol paraense que brilharia naquela Copa do Brasil para se transferir ao Vasco.
A partida de ida da semifinal aconteceu no Baenão, abarrotado por 19,4 mil torcedores. Os presentes saíram frustrados de lá, com a vitória do Criciúma por 1 a 0. O Remo botou pressão durante o primeiro tempo, mas perdeu uma série de chances no jogo aéreo. Pagou caro por isso. O Tigre contava com a participação ativa de Jairo Lenzi pela esquerda. Num cruzamento fechado, o ponta acertou a trave. Já aos 43, cruzou na medida para Soares cabecear às redes. No segundo tempo, a falta de pontaria continuou atrapalhando os remistas, com muitas finalizações sem direção. O Criciúma não faria tanto para ampliar, mas já se daria satisfeito com a vantagem mínima.
Uma semana depois, o reencontro levou 19,7 mil pessoas às arquibancadas do Heriberto Hülse – em meio a uma enorme festa na cidade de Criciúma, com direito até a carreata da torcida. O clima dentro do estádio também era da mais pura euforia. Felipão repetiu pelo terceiro jogo consecutivo a escalação do Criciúma, mesmo com a volta de Vanderlei após cumprir suspensão. E os tricolores comemoraram outra vitória, desta vez por 2 a 0. O Tigre já era melhor durante os primeiros minutos, mas abriu o placar num lance curioso. Aos 35, Alexandre repôs a bola e, na tentativa de desviar de cabeça, Chico Monte Alegre acabou encobrindo o goleiro Samuel e marcando um gol contra da entrada da área. Já aos 14 do segundo tempo, Soares fechou a conta. Mais um cruzamento açucarado de Jairo Lenzi permitiu que o centroavante escorasse. Os catarinenses poderiam ter goleado, com dois gols anulados na segunda etapa.
Campeão do Brasil
O adversário do Criciúma na finalíssima da Copa do Brasil seria o Grêmio, primeiro campeão do torneio e que tentava apaziguar a frustração pelo descenso no Campeonato Brasileiro. O Criciúma, ainda assim, havia dado mostras suficientes para ser respeitado pelos gaúchos. E no banco de reservas catarinense havia, afinal, um antigo treinador gremista. Felipão tinha se acostumado a encarar o Tricolor pelo campeonato estadual e mostraria seu valor, antes de fazer história na Azenha.
O Grêmio manteve o técnico Dino Sani, mesmo depois do rebaixamento no Brasileirão. E aquela equipe tricolor estava longe de reunir os nomes mais lembrados no clube. O atacante Maurício, dono da braçadeira de capitão, era a principal estrela. A defesa tinha João Marcelo trazido do Bahia, enquanto os meias Caio e João Antônio construiriam uma trajetória marcante no Olímpico. Ainda assim, por mais que os gremistas tivessem a tradição a seu favor, no papel o elenco não inspirava tanta confiança. Além disso, a melhor campanha nas fases anteriores tinha sido do Criciúma. Em consequência, o Tigre ganhou o direito de disputar a segunda partida no Heriberto Hülse.
Houve uma invasão de torcedores do Criciúma em Porto Alegre. Cerca de cinco mil catarinenses se dirigiram ao Olímpico. E se havia festa nas ruas, ocorreu uma pancadaria nas arquibancadas. Um episódio que poderia gerar apreensão, mas que acabou sendo usado para motivar o Tigre. “Quando entramos no estádio para conhecer o gramado do Olímpico, como era de costume, a nossa torcida estava brigando com a do Grêmio. A torcida do Grêmio entrou pelo portão errado e brigou com a nossa torcida. Foram para o pau. E nós vimos, de dentro do campo, tudo aquilo. A nossa torcida tinha cinco mil, e a do Grêmio estava com 40, 50 mil. Foram para o soco, era gente sangrando bem pertinho de nós. A torcida do Criciúma botou a torcida do Grêmio para correr. Ali deu muita força para nós. No túnel, antes de entrar em campo, usamos essa imagem, pois da maneira que a torcida encarou a torcida do Grêmio, tínhamos que fazer o mesmo dentro de campo”, contou Roberto Cavalo, ao GE.
Felipão prometia um jogo aberto no Olímpico, sem se retrancar. E um gol precoce permitiu que o Criciúma arrancasse o empate por 1 a 1 em Porto Alegre. Antes disso, o Tigre precisou suportar a pressão do Grêmio, com direito a uma bola na trave de Nando. Mas, aos 14 minutos, um escanteio garantiu o gol catarinense. Jairo Lenzi cobrou com veneno e Vilmar saltou em alta velocidade para emendar de cabeça no primeiro pau. A torcida aurinegra vibrava demais na geral. Grizzo ainda quase marcou o segundo na sequência do primeiro tempo, embora os gremistas abafassem mais em busca do empate.
Alexandre teria uma atuação fundamental, com duas ótimas defesas no fim do primeiro tempo. O goleiro também deu sorte num cruzamento fechado de Maurício, que raspou o travessão. Já na segunda etapa, a insistência do Grêmio não dava muito resultado. A defesa do Criciúma ia muito bem para travar os gaúchos. O Tigre até poderia ter feito o segundo, num lance em que Soares saía sozinho com o goleiro Gomes. No fim das contas, a arbitragem não anotou a falta. O gol de empate do Tricolor só surgiu aos 38, num pênalti de Altair sobre Darci. Maurício cobrou com cavadinha e venceu Alexandre. O resultado, no entanto, não era ruim ao Criciúma. O empate por 0 a 0 poderia garantir a taça no Majestoso graças ao gol fora. Exatamente o que ocorreu.
O Criciúma não perdia no Heriberto Hülse desde março de 1990, numa invencibilidade como mandante que durava 14 meses. E não seria justo na final que o Tigre decepcionaria sua massa, que transformou o estádio num verdadeiro caldeirão para receber o Grêmio. O próprio Felipão exibia confiança após o resultado no Olímpico: “Em casa a história é sempre diferente. Acredito que nosso time jogue com mais coragem. Com o apoio de nossa torcida, que é fanática, temos boas chances de conquistar o título. Mas é preciso lembrar que o Grêmio é uma grande equipe e hoje teve as melhores chances”. Mais de 20,8 mil pessoas abarrotavam as arquibancadas do Majestoso. Pelo quinto jogo consecutivo, Felipão repetia a escalação tricolor. Botou na ponta da língua o time eternizado campeão, com: Alexandre, Sarandi, Vilmar, Altair, Itá; Roberto Cavalo, Gelson, Grizzo, Zé Roberto; Jairo Lenzi e Soares. Vanderlei, o 12° homem, ficaria restrito ao segundo tempo.
Apesar da situação favorável, o Criciúma tentou garantir a vitória no Heriberto Hülse, mesmo que o empate por 0 a 0 tenha sido suficiente. Durante o primeiro tempo, o Tigre criou as melhores oportunidades e só não balançou as redes porque Soares carimbou a trave. No segundo tempo, uma confusão no lado do campo renderia as expulsões de Gelson e Maurício. Sem o seu craque, o Grêmio pouco faria para mudar a história do jogo. O Criciúma permaneceu buscando mais o ataque e Jairo Lenzi seria vítima de uma série de faltas desleais na entrada da área. Numa dessas, Roberto Cavalo quase marcou, em pancada que o goleiro Sidmar desviou. Mas, no fim das contas, o gol nem seria necessário. A defesa armada por Felipão manteve a segurança. Garantiu o placar zerado e um feito sem precedentes ao futebol de Santa Catarina.
O apito final rendeu uma explosão nas arquibancadas e também uma massiva invasão de campo da torcida do Criciúma. O amarelo e o preto tomaram o gramado em meio à festa. O Tigre repetia Grêmio e Flamengo, se tornando o terceiro campeão da Copa do Brasil. Ainda melhor, seria um dos representantes do país na Copa Libertadores, garantindo-se no torneio continental ao lado do São Paulo. Aquela taça consagrava uma série de ídolos no Heriberto Hülse – como Alexandre, Itá, Roberto Cavalo, Jairo Lenzi e Soares. E também mostrava ao Brasil o talento de Felipão na casamata, no primeiro feito nacional de uma carreira tão vitoriosa.
Felipão, curiosamente, não ficou por muito tempo no comando do Criciúma. O treinador voltou para o Oriente Médio logo depois da Copa do Brasil. O tri do Campeonato Catarinense veio através de Lori Sandri. Já em 1992, o comandante do Tigre na Libertadores foi Levir Culpi, velho conhecido da maioria absoluta dos jogadores. Logo na estreia, dentro do Heriberto Hülse, o Criciúma enfiou 3 a 0 sobre o São Paulo de Telê Santana – com gols de Jairo Lenzi, Gelson e Adilson Gomes. A única derrota dos catarinenses durante a fase de grupos foi no Morumbi, goleados por 4 a 0. Mas venceram as duas contra o San José de Oruro, bem como bateram o Bolívar no Majestoso e empataram em La Paz. Foi o suficiente para que os novatos passassem na primeira colocação da chave.
Já nas oitavas de final, o Criciúma foi capaz de eliminar o Sporting Cristal. Ganhou em Lima por 2 a 1, com Jairo Lenzi e Everaldo anotando os gols. Faria também sua parte no Heriberto Hülse, com a virada por 3 a 2 assegurada aos 39 do segundo tempo. A empreitada só acabaria mesmo nas quartas, diante de um São Paulo que iniciava o bicampeonato continental. Os são-paulinos venceram por 1 a 0 no Morumbi, gol de Macedo, e arrancaram o 1 a 1 em Santa Catarina. A campanha do Tigre, de qualquer maneira, seria um orgulho para a equipe copeira – até por manter a mesma espinha dorsal que tinha feito estrago na Copa do Brasil durante as duas temporadas anteriores, sem acréscimos significativos.
O Criciúma conquistou o acesso à Série A do Campeonato Brasileiro também em 1992, com a terceira colocação na segundona. Chegaria ainda nas quartas de final da Copa do Brasil, eliminando outra vez o Atlético Mineiro, antes de sucumbir ao Fluminense. A sequência da década foi positiva aos tricolores, permanecendo na primeira divisão por cinco temporadas consecutivas, um recorde para o clube. Também vieram mais três taças no Campeonato Catarinense – em 1993, 1995 e 1998. A virada da década, entretanto, marcou o declínio do Tigre. Os títulos se tornaram bem mais esporádicos, assim como as aparições na Série A. O clube nunca mais disputou a Libertadores e os estrondos na Copa do Brasil não mais se repetiriam.
A temporada de 2021 passa bem distante do êxtase vivido há 30 anos. O Criciúma sofreu o inédito rebaixamento no Campeonato Catarinense, está limitado à Série C do Brasileirão e o único alento ocorre na própria Copa do Brasil. A crise atual também abarca dificuldades financeiras. Resta a inspiração deixada por aquele 1991 mágico, para que o Tigre possa tentar se reerguer e ao menos sonhar com novas façanhas.