Brasileirão Série A

Opinião: Luan tem tudo para dar certo no Grêmio, porque falamos de Luan e Grêmio

Se a aposta é arriscada, familiaridade, Renato Portaluppi e as expectativas podem ser a chave para vencê-la

Luan desembarcou em Porto Alegre nos braços do povo, e nada pode ser mais emblemático para descrever seu retorno ao Grêmio do que isso. Gremistas às centenas abarrotando o Aeroporto Salgado Filho para receber o ídolo, mesmo depois de tudo – e ao mesmo tempo tão pouco – que o meia-atacante viveu no Corinthians.

Momentos marcantes como esse costumam evocar clichês. O Rei da América de volta aos braços de seus súditos. Uma prova que, de fato, nunca se perde a majestade.

Do mais fundo dos poços no Corinthians à primeira amostra de carinho de uma multidão que se acotovelava vestida de azul, preto e branco. A volta de Luan ao Grêmio faz todo o sentido. Tanto para o atleta, quanto para o clube. E as linhas abaixo pretendem explicar por que o negócio pode dar certo, apesar dos (muitos) pesares.

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É preciso que se diga isso de imediato, para que se possa dizer também o mais importante: esqueçamos agora todos os títulos de nobreza possíveis. Quem volta agora é muito (mas muito) menos o Rei da América em 2017, e muito (mas muito) mais o ídolo que precisa de um abraço no pior momento de sua carreira. Sem atuar e até sem treinar em nível de competitividade há meses e meses, com polêmicas “caribenhas” e extracampo.

– É um jogador que nos deu alegrias, um bom garoto, quero que o torcedor tenha paciência com ele. Conversei com ele domingo por vídeo. Nos ajudou bastante no passado, tem qualidades, está no fundo do poço. Ele voltando para o Grêmio, já saiu do fundo do poço – disse Renato Portaluppi, em entrevista coletiva na última quarta-feira.

O maior ídolo da história do clube é – e sempre vai ser – personagem central do enredo sobre o retorno de Luan. Renato, aliás, suscita uma cena que este repórter que vos escreve presenciou dentro de uma Arena do Grêmio lotada. Uma alegoria de por que esta fábula de “vamos ser outra vez nós dois” pode, sim, dar certo.

Luan, e a insistência que sempre o conduz ao Grêmio

Naquela noite de 20 de setembro de 2017, o Grêmio pavimentou o caminho para o Tri da América ao transpor o obstáculo mais difícil de toda a campanha. Vitória por 1 a 0 sobre o Botafogo e gol salvador de Lucas Barrios em uma partida de domínio carioca. Mas a cena que importa, mesmo, nesta história ocorreu à beira do campo, já nos acréscimos de partida.

Em trabalhos de aquecimento, Luan olha para Renato e pede para entrar em campo. O técnico aponta para a coxa direita, olha para o telão, faz sinal de que falta pouco tempo e pede calma ao camisa 7. Mas ele insiste. Renato, então, vai até o comandado e lhe diz uma vez mais, agora ao pé do ouvido, que não. Mas ele insiste, insiste e insiste, até que enfim Renato cede.

Não era para Luan estar lá, devido a uma lesão muscular. Mas ele estava. Não era para Luan pedir para jogar. Mas ele pediu. Não era (muito menos) para Luan entrar em campo. Mas ele entrou.

Luan em La Fortaleza, e uma imagem eternizada na memória dos gremistas (Foto: Lucas Uebel/Divulgação Grêmio)

E virou Rei da América. E virou ídolo gremista. E está de volta ao clube quase depois da conquista da Libertadores. Tudo isso, porque a insistência parece sempre agir como uma força magnética que o atrai sempre para as cores do Grêmio.

Foi assim desde a infância e adolescência complicadas na vila São Jorge, em São José do Rio Preto. Luan poderia ter escolhido o caminho “errado”, influenciado por muitos. Chegou a desistir, mas voltou a insistir… No sonho.

Das quadras de futsal, ao campo (e de moto!) para vestir a camisa do América, de sua cidade natal. Luan chegou a desistir semanas antes de disputar a Copa São Paulo de Futebol Júnior. Mas a vitrine falou mais alto. E a insistência o levou ao Grêmio.

Os números de Luan pelo Grêmio:

  • 2014: 8 gols em 50 jogos
  • 2015: 17 gols e 3 assistências em 56 jogos
  • 2016: 12 gols e 7 assistências em 54 jogos
  • 2017: 18 gols e 6 assistências em 52 jogos
  • 2018: 11 gols e 9 assistências em 40 jogos
  • 2019: 9 gols e 9 assistências em 36 jogos

Em Porto Alegre, doses cada vez mais forte de insistência. Primeiro, no projeto Lapidar, para aprimorar cabeceio e o uso do pé esquerdo, além de se adaptar ao futebol de campo. Veio a estreia em 2014, o destaque em 2015, e o protagonismo em 2016.

Mas Luan teve que insistir e insistir e insistir.

E o Grêmio só teve a agradecer, agradecer e agradecer.

Quando a torcida jogou pipoca em seu carro em fevereiro de 2016, o camisa 7 respondeu com o penta da Copa do Brasil. Quando o Spartak Moscou, da Rússia, fez uma proposta, em 2017, Luan disse não e respondeu com o tri da Libertadores. Quando a fascite plantar trazia dores insuportáveis, Luan respondia com gols e assistências.

Foi sempre assim. Em seis temporadas de Grêmio, Luan sempre rebateu os percalços com gols (muitos em Gre-Nais), assistências e títulos.

O retorno ao clube é fruto, de novo, da insistência de Luan. Um pedido para ter a última chance da carreira no lugar que aprendeu a chamar de casa. E é justamente essa insistência que pode fazer o camisa 7 dar certo novamente.

Grêmio não tem nada a perder

Além da insistência de Luan, o Grêmio não tem absolutamente nada a perder com o seu retorno. O molde do negócio, aliás, é um claro sinal de que o meia-atacante de 30 anos quer muito retomar a carreira no clube.

O camisa 7 abriu mão de valores que tinha a receber do Corinthians e de um salário de R$ 800 mil mensais para aceitar um salário abaixo dos R$ 100 mil pelo Grêmio. O contrato vai até o fim do ano, com cláusula de renovação caso ele atinja objetivos não divulgados pelo Tricolor.

Trata-se de uma aposta, claro, com todos os riscos naturais de uma aposta. Mas os valores baixos para os patamares do clube dão sentido à investida para ter um jogador que já entregou tanto quanto Luan.

Renato é personagem central para fazer retorno de Luan dar certo (Foto: Lucas Uebel/Grêmio)

Fator Renato

No Grêmio, Luan reencontrará aquele que foi o treinador que mais o fez render na carreira. Renato Portaluppi abriu as portas do clube para o retorno do atleta, sabedor de tudo o que envolve seu entorno fora de campo. Por vídeo, o treinador ouviu uma promessa de comprometimento total do meia-atacante.

O meia-atacante volta ao Grêmio cercado de polêmicas por, digamos, sua vida noturna nos tempos de Corinthians. Foi até vítima de agressão recente por torcedores de uma organizada corintiana – um grande contraste com a recepção que ele teve em Porto Alegre.

O próprio Renato já disse em entrevista coletiva que tinha problemas com Luan fora de campo, mas que ele sempre dava a resposta esperada – e até mais. O jeitão Portaluppi de ser é o “ideal” para administrar o lado humano do camisa 7.

Luan sempre foi um ídolo “completo”

Os gremistas que se acotovelaram em frente a um portão do Aeroporto Salgado Filho “abraçaram” um ídolo que preencheu todos os requisitos que um ídolo precisa preencher. O camisa 7 sempre seguiu a cartilha completa de uma verdadeira linhagem de atletas que vestiram o número: Renato Portaluppi, Paulo Nunes, Luan… Todos decisivos, históricos e irreverentes.

Quer gols decisivos? Luan fez oito na Libertadores de 2017, sem falar da pintura eterna na final em La Fortaleza e nos dois marcados na semifinal contra o Barcelona no Equador. Sem falar na semifinal contra o Cruzeiro na Copa do Brasil de 2016.

Quer gols em Gre-Nais? São seis, com direito a dois no histórico clássico dos 5 a 0 e três no Beira-Rio, por onde sempre despertou vaias raivosas dos colorados.

Quer frases e personalidade fortes? Luan sempre defendeu o Grêmio em suas entrevistas e ainda cutucou rivais – Eduardo Sasha que o diga.

Alinhar expectativa é a “chave do sucesso”

Luan para os gremistas é um ídolo mundano, bem longe da idealização de um ser “perfeito”, como já falamos mais de uma vez neste texto. E se também já falamos que quem é rei nunca perde a majestade, é preciso agora despi-lo de qualquer título e nobreza.

O parâmetro de avaliação para seu sucesso no retorno ao Grêmio não é – nem deve ser – as atuações que o fizeram reinar soberano no continente. Seria injusto, mesmo que o próprio talento de Luan tenha atraído esta responsabilidade. Esqueçamos 2016 e 2017. O Luan de 2023 chegou ao fundo do poço e deve ser “medido” por seus esforços e dedicação a partir de agora para sair de lá.

Foto de Eduardo Deconto

Eduardo DecontoSetorista

Jornalista pela PUCRS, é setorista de Seleção e do São Paulo na Trivela desde 2023. Antes disso, trabalhou por uma década no Grupo RBS. Foi repórter do ge.globo por seis anos e do Esporte da RBS TV, por dois. Não acredite no hype.
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