Há 20 anos, tudo estava bem por acabar bem no Corinthians, com o título brasileiro
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Após um 1997 árduo – que começara com o título paulista mas terminara com uma ameaça de rebaixamento gigante no Campeonato Brasileiro, só encerrada com vitórias sobre Flamengo e Goiás -, o Corinthians iniciou 1998 dando muitas razões para a torcida ficar esperançosamente ansiosa: mesmo já rumando para o fim, a parceria com o banco Excel ainda dava fundos suficientes para as vindas de Gamarra e Vampeta (e Ricardinho, então coadjuvante), e para a sonhada volta de Marcelinho Carioca – até previsível após certo tempo, diga-se de passagem. Somem-se as permanências de Freddy Rincón e Edílson, que já haviam chegado no ano anterior. E a chegada de Vanderlei – então Wanderley – Luxemburgo, que deixou mágoas no Santos, naquele momento, para comandar aquele time ambicioso. Muitas personalidades fortes. Que viveram um ano turbulento, mas pelo menos chegaram a um destino desejado por todos: há 20 anos, em 23 de dezembro de 1998, davam ao time do Parque São Jorge o segundo título brasileiro de sua história.
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Como já dito, embora tivesse gente que ainda faria muito com a camisa alvinegra, aquele 1998 foi turbulento na equipe, dentro e fora de campo. Fora, por vários motivos: da traumática saída de conhecidos jogadores corintianos nos anos anteriores – o goleiro Ronaldo, o zagueiro Henrique e Neto são três exemplos, todos afastados no início do ano – à fogueira das vaidades que começava a queimar, embora não tão acesa quanto ficaria em 1999. Dentro, porque a torcida corintiana passou o ano todo desconfiando de certos jogadores, por melhor que jogassem: o goleiro Nei, os dois laterais direitos do grupo (tanto Índio quanto Rodrigo), os zagueiros ao lado de Gamarra (Cris ou Batata), alguns integrantes do meio-campo (volantes como Romeu, no Campeonato Paulista, e Gilmar “Fubá”), os atacantes que faziam parceria com Edílson (Didi ou Mirandinha).
Ainda assim, se não era uma equipe firme nem tão brilhante quanto ainda seria, o Corinthians de 1998 já demonstrou certa força no Campeonato Paulista. Basta lembrar que, com Luxemburgo ainda tateando à procura da melhor formação, o time chegou invicto à decisão do título – polêmicas na semifinal contra a Portuguesa à parte… Aí, o São Paulo usou Raí, sua arma secreta e carrasco habitual alvinegro, para impor a primeira derrota e fazer do Tricolor campeão estadual, com outros destaques, Denílson e França à frente.
Se servia de consolo, uma base já estava formada no Corinthians que rumava para o Brasileiro. Na defesa, não era nenhum exagero dizer que Gamarra era um dos melhores zagueiros do mundo – e sua atuação na Copa do Mundo daquele ano provou isso -, que era um beque como o Corinthians nunca tivera, e que Silvinho era seguro lateral esquerdo; no meio-campo, sua posição original, Vampeta enfim engrenou, após pedir a Luxemburgo que parasse com as experiências na lateral direita (foi assim que o técnico pedira sua contratação, ao ver seus jogos derradeiros no PSV), enquanto Rincón ainda tinha fôlego para ser o homem-surpresa no ataque; e por falar neste, Marcelinho já dispensava apresentações, a velocidade de Edílson era invejável, Didi ainda se sustentava pelo fator “talismã”, Mirandinha ainda tinha utilidade ao time quando Edílson já não conseguia ser veloz durante os jogos.
Bastaram mais algumas mudanças no grupo de jogadores, em julho (por exemplo, as saídas dos zagueiros Célio Silva e Alexandre Lopes), outros jogadores se fixaram no time (Batata virou o parceiro preferencial de Gamarra na zaga, por exemplo), e o Corinthians já estava pronto para impor uma tremenda superioridade tão logo o Brasileiro começou: de 26 de julho, no 1 a 0 da estreia contra o Vasco no Maracanã – quando Marcelinho fez o gol da vitória numa de suas faltas sinuosas -, a 29 de agosto, com um 3 a 2 sobre o Guarani, foram nove rodadas de invencibilidade. Uma das maiores sequências sem derrotas que o clube tivera em Campeonatos Brasileiros. Em especial, o 5 a 1 no Atlético-MG em pleno Mineirão, na quarta rodada, dera à torcida a gostosa sensação de que “naquele ano, ia” – e aos rivais, dera a sensação de que o Corinthians estava pronto para tentar o título.
A equipe de Luxemburgo estava tão fluida e tão ofensiva que sua confirmação como técnico da seleção brasileira, em setembro, no lugar deixado por Zagallo, recebeu pouquíssima contestação. Mas o treinador ainda teria aquele Campeonato Brasileiro para comandar o Corinthians. E o time começou a sentir os solavancos a partir da 10ª rodada, com a primeira derrota, até surpreendente: em Bragança Paulista, “, que seria rebaixado. Eles continuaram sendo controlados por mais algumas rodadas – merece destaque o 2 a 0 corintiano no Sport, em 12 de setembro, na maior lotação que a Ilha do Retiro já viu em Campeonatos Brasileiros, frustrada por dois gols de Marcelinho Carioca (um em falta precisa, outra no primeiro “pênalti rolado” que o carioca do bairro de Sulacap cobrou na carreira).
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Contudo, no final daquele mês de setembro, não houve mais como evitar os problemas. Por incrível que possa parecer, eles apareceram numa vitória, na 13ª rodada: um 5 a 1 que estava tranquilo contra a Ponte Preta, em Campinas, virou um nervoso 5 a 4 com a reação pontepretana. E a partir da rodada seguinte, tudo desandou perigosamente: 2 a 1 para o Cruzeiro. Começava uma sequência difícil, na qual o Corinthians passou cinco jogos sem vencer. Alguns, contra adversários diretos na fase de classificação (e pelo título): 2 a 0 Santos, na 15ª rodada, e 3 a 1 Palmeiras, na 16ª. Outros, contra adversários que tropeçavam (até por isso, aumentavam a crise): 2 a 2 com o Goiás, na 17ª rodada, e um resultado que acendeu de vez o alerta na torcida: uma goleada em que o Flamengo fez 4 a 1 e poderia ter feito mais, na 18ª rodada, no Maracanã, em 10 de outubro.
Então, o Corinthians se recompôs dentro de campo: uma vitória sobre o Athletico Paranaense, um empate com o Paraná Clube, uma vitória sobre o São Paulo. Todavia, foi justamente no sábado desta vitória no clássico ocorrido no Morumbi, 24 de outubro, que as coisas desandaram fora: na concentração, explodiu uma discussão havia muito tempo represada entre Marcelinho – seguramente um dos maiores destaques daquela campanha – e Luxemburgo. Este começou, durante o almoço dos jogadores, a falar alto, apregoando: “Você tem de entender que eu sou o comandante e você é meu comandado!” E o mesmo Luxemburgo terminou definindo aos brados, quando Marcelinho já subia para o quarto: “E você está fora do jogo!”.
Era um fator nada recomendável, na reta final da fase de classificação, com o Corinthians já destronado da liderança e com muitos concorrentes atrás (o Palmeiras de Paulo Nunes, Oséas e Alex; o Cruzeiro de Fábio Júnior, Muller e Marcelo Ramos; a Portuguesa de Leandro Amaral; o Santos de Athirson, Jorginho e Viola; a surpresa Sport, liderado por Jackson). Mas o time alvinegro conseguiu encerrar a primeira fase na primeira posição, vencendo Vitória (um 3 a 2 turbulento no Barradão, por protestos da torcida contra a marcação do pênalti do triunfo que Rincón converteu) e América-RN (2 a 1 no Pacaembu) para chegar um ponto à frente do Palmeiras.
No começo da hora decisiva, por mais nomes capazes de assumir a responsabilidade que o Corinthians tivesse, era temerário prescindir daquele que mais identificação tinha com a torcida. Marcelinho foi reintegrado ao grupo, e o time foi enfrentar o Grêmio, nas quartas de final, no primeiro ano do formato “mata-mata-com-melhor-de-três”. O primeiro jogo, no Olímpico, foi truncado – e só um chute fortíssimo e alto de Rincón deu tranquilidade aos corintianos, garantindo a vitória por 1 a 0 já na parte final do jogo. Vencer no Pacaembu significaria antecipar a vaga nas semifinais. Só que o time gremista se superou: foi bem melhor tecnicamente, contou com ótimo dia de Clóvis e Itaqui, fez 2 a 0 e poderia até ter feito mais. Voltava a tensão ao Corinthians. Só aplacada com o gol de Edílson que definiu a vitória por 1 a 0 no “tira-teima”, garantindo lugar nas semifinais.
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Nelas, um adversário ainda mais difícil: o Santos, num clássico paulista, com a equipe santista reabilitada ao longo do campeonato, à base dos gols de Viola (artilheiro daquele Brasileiro). No primeiro jogo, na Vila Belmiro – com Luxemburgo recebido por uma chuva de moedas, pela irritação da torcida santista -, o gol de Gamarra com apenas um minuto tinha tudo para animar o Corinthians, mas Róbson Luís empatou e, no segundo tempo, Viola, que tanta alegria já dera aos alvinegros da capital, deu alegria aos alvinegros praianos: fez 2 a 1. Desvantagem que o Corinthians destroçou facilmente no segundo jogo: no Pacaembu, com amplo domínio técnico, fez 2 a 0 no Santos. Mas a decisão da vaga, na terceira partida, foi carregada de tensão – até porque Viola fez 1 a 0. Para os torcedores que lotavam o Paulo Machado de Carvalho, o nervosismo só passou quando Edílson, em bonita jogada individual, driblou Argel num corte seco e chutou alto para empatar o jogo. Pela vitória no segundo jogo, era corintiana a vantagem do empate – e era corintiana a vaga na decisão. Contra um adversário muito respeitável tecnicamente – o Cruzeiro, “a melhor das quatro equipes [semifinalistas]”, nas palavras de Candinho, o técnico da Portuguesa eliminada pela Raposa.
Pelo menos no primeiro tempo do jogo inicial da decisão, em Belo Horizonte, o Cruzeiro confirmou a opinião de Candinho: foi bem melhor que a equipe corintiana, e fez 1 a 0 com Muller. Aí, Luxemburgo decidiu colocar um jogador que, até ali, era completo coadjuvante na campanha, a quarta opção corintiana de ataque. Não faltava histórico no clube a Dinei, reserva que iniciava carreira no título de 1990. Ele continuara sua carreira (Grasshopper-SUI, Portuguesa, Internacional, Cruzeiro, Coritiba, Guarani). No Coxa, tivera o maior drama da carreira: a suspensão por uso de cocaína, durante o Brasileiro de 1996. E após tantas idas e vindas, o corintiano confesso voltara ao clube do coração pela porta dos fundos. Jogou pouco na fase de classificação (11 partidas), apareceu mais no mata-mata (entrou em todas as partidas).
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Foi ser colocado no lugar de Didi, no intervalo daquele jogo no Mineirão, em 13 de dezembro de 1998, e Dinei mudou o rumo da decisão. Demorou um pouco: Valdo ainda fizera o segundo gol cruzeirense, de falta. Mas depois, após ficar sozinho na área com um passe de Edílson, o camisa 18 diminuiu para o Corinthians, aos oito minutos. Mais cinco minutos, e de Dinei saiu o cruzamento para Marcelinho cabecear e fazer 2 a 2. Era um empate com gosto de vitória, tendo em vista como a partida começara – isso porque corintianos ainda reclamaram suposto pênalti de Marcelo Djian em Edílson, não marcado por Carlos Eugênio Simon.
Com aquela igualdade, já se sabia: a final teria três jogos. Os dois seguintes, no Morumbi. Os dois, tensos. No primeiro tempo da segunda partida, em 20 de dezembro, a torcida corintiana se exasperou com o ataque. Os da posição foram inapetentes para marcarem – principalmente Didi, que perdeu gol sozinho, cara a cara com Dida, em ótimo contra-ataque. Um nome de fora da posição até marcou – Rincón -, mas o juiz Luciano Almeida apontou impedimento inexistente. Fosse como fosse, para os 45 minutos finais, Luxemburgo (suspenso, dirigia o time das tribunas, em contato com o então auxiliar Oswaldo de Oliveira) decidiu apostar no que dera certo em Belo Horizonte: trocou Didi por Dinei. Deu novamente certo: Dinei dividiu a bola com Dida na área, ela ficou solta, e Marcelinho Carioca completou para o gol. Era o 1 a 0, que deu à torcida euforia só interrompida pelo empate de Marcelo Ramos. A torcida se decepcionou, e nem uma jogada de Gamarra nos acréscimos, partindo até o ataque com a bola dominada, animou. Aquele 1 a 1 lembrava: o Cruzeiro tinha um time também talentoso, e também capaz de buscar o título. Tudo se definiria em 23 de dezembro, na São Paulo já vitimada pelas chuvas de verão e pelo trânsito pré-final de ano.
Na decisão de 23 de dezembro, o primeiro tempo seguiu o mesmo ritmo: um 0 a 0 com os dois times pisando em ovos. Sabia-se: quem desse a primeira estocada precisa, entraria na rota do título brasileiro. Sem clima após o erro no primeiro tempo da segunda partida, Didi deu lugar a Mirandinha entre os titulares. Mudou o titular, não mudou o reserva que entrou no intervalo: Dinei. E demorou, mas ele foi decisivo: lançou com precisão para Edílson driblar Dida e tocar para o 1 a 0 antes que João Carlos chegasse para cortar, aos 25 minutos do segundo tempo. E cruzou para Marcelinho cabecear e fazer 2 a 0, aos 36 minutos. Mais do que tudo: na comemoração daquele segundo gol que definia as coisas, Dinei se jogou ao chão, enquanto Silvinho fazia reverências e Marcelinho, ajoelhado, apontava como quem dissesse “foi por causa dele”.
Num Corinthians cheio de destaques, tendo em Marcelinho e Edílson provavelmente os dois melhores jogadores daquele Campeonato Brasileiro, coube ao inesperado Dinei simbolizar, com a alegria de uma criança que realizava o sonho de dar ao seu time do coração um título, que o Corinthians conseguira. Passara por cima dos problemas, dentro e fora de campo. Tudo estava bem, porque tudo acabava bem, com o título brasileiro. Após a coadjuvância para São Paulo e Palmeiras no começo daquela década, com títulos esparsos (o Brasileiro de 1990, a Copa do Brasil de 1995, os Paulistas de 1995 e 1997), a conquista nacional decretava: o Corinthians voltava a ser o grande protagonista do futebol nacional.
Em 1999, seria protagonista de novo. De maneira até mais brilhante e mais fácil do que em 1998. Mas aí, já é conversa para ser relembrada daqui a um ano.